Dúvidas, incertezas, insegurança, in dubio pro reo.

 

 

Confesso, sinceramente, que, diante desse impasse, diante das dúvidas que tenho acerca da ação do acusado a propósito do crime de corrupção ativa, não estou convencido de que deva condená-lo em face desse crime.

60.00. As provas, a propósito do crime sob retina, são frágeis e, repito, se limitam à palavra dos policiais, desacompanhadas de quaisquer outros elementos que possam lhes emprestar conforto e credibilidade.

Juiz José Luiz  Oliveira de Almeida

Titular  da 7ª Vara Criminal

Com a experiência que acumulei ao longo de mais de 22 anos como magistrado e mais uns tantos como Promotor de Justiça, Procurador do Município e do Estado e como advogado militante, aprendi a ver, com reserva, depoimentos, isolados, de membros de corporações; eles são, quase sempre, tendenciosos.

No excerto abaixo, de uma sentença condenatória que acabo de publicar, demonstro, com todas as letras, a razão pela qual entendi devesse absolver determinado acusado, em face do crime de corrupção ativa, em vista de a prova ficar circunscrita à palavra dos policiais que o prenderam, sem qualquer outro dado a lhe emprestar conforto.

Mas o mais interessante mesmo são os dois exemplos que cito, com os quais demonstro a razão pela qual entendi não devesse confiar nos depoimentos dos policiais, isoladamente, para editar um decreto de preceito sancionatório.

Registro, para que não se faça uma leitura equivocado da decisão, que não confiei nos depoimentos dos policiais, porque estavam isolados no conjunto de provas e o acusado apresentou um álibi convicente acerca do crime em comento.

Tivessem os depoimentos escorados em outras provas, não tenho dúvidas que daria a eles a credibilidade que merecessem. Isolados, no entanto, desde meu olhar, não servem para edição de uma sentença condenatória.

Nesse caso, assomando dúvidas, incertezas, insegurança, o caminho deve ser, sempre, o da absolvição, com a invocação da parêmia in dubio pro reo.

Processo nº32412008

Ação Penal Pública

Acusado: J.G.C.

Vítima: F. C. dos S.

“(…)

46.00. Demonstrado, quantum sufficit, ser procedente a ação em relação ao crime de furto qualificado, passo, a seguir, ao exame das provas em relação ao crime de corrupção ativa.

47.00. Antes de expender as minhas conclusões, a par do quadro de provas, devo fazer uma digressão ilustrativa.

48.00. Nesses 22(vinte e dois) anos judicando, já testemunhei, incontáveis vezes, policiais armarem contra réus, quando se sentem ameaçados de ser denunciados por uma prática ilegal.

49.00. Aqui mesmo, nesta vara, já testemunhei pelo menos dois desses episódios, os quais me deixaram estarrecido e, como se diz comumente, “com a pulga atrás da orelha”.

50.00. Com efeito. Lembro que, certa feita, tendo sido presa uma pessoa, acusada da prática de jogo ilegal, na feira do São Francisco, esta pessoa foi levada para próximo do Hotel San Francisco, onde os policiais lhe tomavam todo o dinheiro que havia arrecado bancando jogo de azar.

51.00. O fato se desenrolava pela manhã, bem cedo, por volta das 6h00. Plena luz do dia, portanto, em lugar quase ermo, parecendo que tudo daria certo.

52.00. Ocorreu, entrementes, que, ao tempo em que extorquiam o acusado, um dos policiais se deu conta de que havia uma pessoa, provavelmente um hóspede, no Hotel San Francisco, com uma filmadora, registrando a cena.

52.01. Diante dessa constatação, os policiais inverteram os papeis. Algemaram a vítima – de uma forma bem visível, para que o “cinegrafista” do Hotel San Francisco registrasse a cena – e, em seguida, a conduziram a uma delegacia, onde foi autuada por crime de corrupção.

53.00. Quando constatei a armação, cuidei de liberar o acusado – agora apontado, também, como autor de um crime grave – e o liberei, tendo, depois, absolvido o mesmo em face dessa acusação.

54.00. De outra feita, um funcionário do Detran pediu uma propina para passar um candidato que pretendia tirar a sua habilitação.

54.10. O candidato, indignado com a proposta, disse ao funcionário que iria denunciá-lo junto à direção do Detran tão logo retornassem à sua sede.

55.00. O que fez o funcionário diante dessa ameaça? Cuidou de, ao chegar no pátio do Detran, contatar um policial e denunciar que o candidato tinha lhe oferecido suborno para ser aprovado. Resultado, o candidato foi reprovado e preso.

56.00. Nos dois exemplos acima citados, os corruptos, em verdade, usaram de ardil para escapar da acusação, criando uma situação fictícia que os favoreceu e prejudicou as verdadeiras vítimas.

57.00. Diante desses e de outros episódios que marcaram a minha vida profissional, passei a ver com reservas essas denúncias de tentativa de corrupção feitas por policiais, quando desacompanhadas de provas outras, a lhes emprestar conforto e credibilidade.

58.00. Nos autos sub examine o que se tem, em verdade, é a palavra dos policiais, acusando o ofendido de corrupção ativa, e a palavra do próprio ofendido, afirmando que tudo não passa de uma armação, em face do dinheiro que eles, policiais, pretendiam se apossar.

59.00. Confesso, sinceramente, que, diante desse impasse, diante das dúvidas que tenho acerca da ação do acusado a propósito do crime de corrupção ativa, não estou convencido de que deva condená-lo em face desse crime.

60.00. As provas, a propósito do crime sob retina, são frágeis e, repito, se limitam à palavra dos policiais, desacompanhadas de quaisquer outros elementos que possam lhes emprestar conforto e credibilidade.

61.00. Diante das incertezas propiciadas pelas provas amealhadas a propósito do crime de corrupção, o caminho, a meu sentir, é a absolvição do acusado.

62.00. É possível, sim, que o acusado, desavisado, tenha oferecido propina aos policiais. Aprendi a não duvidar de nada. Ocorre que a prova acerca desse crime é muito frágil e não autoriza a edição de um decreto de preceito sancionatório(…)”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Dúvidas, incertezas, insegurança, in dubio pro reo.”

  1. Olá,

    Estou entrando em contato novamente para me colocar à disposição ao esclarecimento de dúvidas referente ao e-mail que enviei no dia 04/09/08, tratando da Parceria Comercial entre o Site Blog do Juiz com a HOTWords.

    Qualquer dúvida ou maiores informações, por favor, entre em contato comigo.

    Abraços,

    Stephanie Sarmiento
    ——————————
    smarques@hotwords.com.br
    http://www.hotwords.com.br
    ——————————
    Phone: 11 3178 2514

  2. Brilhante a afirmação do Sr Juiz. Com a experiencia adquirida, ele expos a verdade que deve reger a sociedade: a comprovação real dos fatos mediante a contundencia de provas. Sem provas reais não se deve condenar. É melhor mil malfeitores presos do que um inocente preso. E há uma incerteza mesmo em muitos flagrantes e prisões efetuadas por policiais neste país. Nós vivemos numa sociedade democrática, e o respeito às leis, ao devido processo legal, à materialidade do fato, à presunção de inocência deve ser respeitado, para que esta nação possa chegar, quem sabe, a uma nação desenvolvida.

  3. Entendo que a maneira é muito acertada, até para se realizar a tão esperada Justiça, com um julgamento justo, e com o devido respeito ao princípio do in dubio pro reo, entretanto, devo registrar que sinto um certo ar de alguns juízes, e digo, do meu Estado de Alagoas, onde muitos deles se sentem verdadeiros Deuses, que também não creio na existência deste, não obstante, percebo que “eles se acham” como se fossem os senhores feudais. Aqueles que àquela época podiam tudo. Os juizes do nosso judiciário poderiam analisar os autos com as provas que ali constam, mas, não é assim não. Sentimos, como se “eles” os juizes Deuses tivessem uma raiva desconhecida do réu, antes mesmo de chegar o processo para processar e julgar. Dr. Abdias Jucá – Maceió-Alagoas – 20/07/2.012 – Advogado criminalista.

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