A luta do homem é em face do próprio homem

A luta do homem é quase sempre em face do próprio homem. Nesse sentido, vivemos lutando contra a inveja, o preconceito, a vingança, o ódio, a perfídia, o descaso, a prepotência, a arrogância, a perseguição, a maldade, o sentimento mesquinho, e muito mais, do homem em detrimento do próprio homem.

Nenhum animal que habita a terra atemoriza tanto o homem quanto o próprio homem. Confesso, que tenho medo do homem. Todos temos medo do homem.  E, imagino, todos sabem do que estou falando e em qual dimensão coloco essas reflexões. E não pensem que é paranóia. É apenas a constatação de quem milita na área criminal há mais de vinte anos, lidando com os mais diversos instintos.

Impregnado desse sentimento, penso que ninguém que se depare com um desconhecido em lugar ermo deixa de se dominar pelo medo. Eu tenho medo, tu tens medo, eles têm medo. Todos temos medo. É assim que, nos dias atuais, conjugamos o verbo.

Os bons são a infinita maioria. Mas os maus, os que nos apavoram são uma minoria destemida, ousada, perniciosa, audaciosa, poderosa e violenta, porque usa os expedientes que os homens de bem não ousam fazer uso.

O homem já não vê no homem um irmão, mas um desafeto, um inimigo em potencial. E se esse homem for um dos etiquetados pelos sistema, aí não tem apelo: se possível, sempre de acordo com as circunstâncias, mudamos a direção para não ter que cruzar, que nos defrontar com o (des)igual, com receio do que pode ocorrer.

É de estarrecer a constatação do quanto nos precavemos contra o homem. Quando colocamos o rosto na porta da rua, quando deixamos o recôndito do nosso lar, passamos a viver a obsessão de, a qualquer momento, ser vitimados pela violência; violência, claro, praticada pelo homem em detrimento do próprio homem.

Na rua, mesmo nos lugares bem habitados, triste constatar, tememos o homem, sentimos em cada transeunte um inimigo em potencial. E isso não e paranóia, convém repetir. Isso é fato. É uma lamentável realidade, triste realidade.

A escuridão e o lugar ermo evitamos, porque tememos o homem. Nos trancamos em nossa casa, porque tememos o homem. Na rua evitamos conversar com um desconhecido, porque tememos o  homem, que já não vê o outro homem como irmão, que deixou de ser solidário para ser solitário, que é muito mais sozinho do que vizinho (Mougenot).

Os nossos filhos saem para se divertir, e ficamos em casa a torcer para que não se deparem com um malfeitor; e o malfeitor que tanto tememos é o próprio homem, muitos dos quais, a pretexto de se defender da violência, saem armados de casa, para, no primeira oportunidade, atacar o semelhante – muitas vezes, na maioria das vezes, quase sempre,  injustificadamente.

Foi-se o tempo em que a maldade do homem, conquanto existisse, estava mais circunscrita à ficção que à realidade. Foi-se o tempo em que era possível dormir com as janelas abertas, sem temer a ação dos meliantes.

 A verdade é que, como disse no início dessas reflexões, a luta do homem é quase sempre em face do próprio homem; homem que, muitas vezes, para se dar bem, para levar vantagem, na mede as consequências de suas ações. Por isso, são capazes, sim, de fazer o mal ao semelhante, para se dar bem, para auferir vantagens.

Na história pode-se apanhar vários exemplos de até onde pode chegar a maldade do homem na busca da vantagem material. No porão dos navios negreiros, por exemplo, que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta, para servirem à ambição do homem, a possibilitar que impérios fossem erguidos à custa do seu sofrimento.

O capitão da belonave inglesa Fawn, que capturou , na costa brasileira, o navio negreiro Dois de Fevereiro,  relatou o que viu nos porões do referido navio, nos seguintes termos: “Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros, esqueletos vivos, arrastando-se com dificuldade, incapazes de suportar o peso dos seus corpos miseráveis. Mães com crianças pequenas penduradas em seus peitos, incapazes de dar a elas uma gota de alimento. Como os tinham trazido até aquele ponto era surpreendente: todos estavam completamente nus. Seus membros tinham escoriações por terem estado deitados sobre o assoalho durante tanto tempo. No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável.  Parecia inacreditável que serem humanos fossem capazes de sobreviver naquela atmosfera”(cf. Eduardo Bueno, in Brasil, uma história, fls.121/122, 2012).

Esse fato histórico decerto que confirma as minhas notas preliminares: o homem tem tudo para temer o próprio homem, por isso, a afirmação mais que contemporânea de Mougenot  de que se o homem não vivesse o instinto de dominação poderíamos beber água do mesmo rio, mesmo um sendo lobo e o outro, ovelha (Edilson Mougenot Bonfim).

Mas é preciso admitir que só chegamos a essa situação de total descalabro em face da descrença nas instâncias persecutórias, fruto de nossa própria omissão e dos desvios ético dos que estão encarapitados no poder. E quando o cidadão descrer da ação ética do Estado, pouco adiante o recrudescimento ou a exacerbação das leis penais, porque ele tende ao descumprimento, adotando atitude individualista e destemida, canalizando a sua força mental para subtrair-se dos mecanismos de coerção.

Desagravo

PRERROGATIVA DA ADVOCACIA

OAB aprova moção de desagravo a advogado agredido

Por Tadeu Rover

O Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acolheu nesta segunda-feira (9/9) pedido do presidente da seccional maranhense da OAB, Mário Macieira, de moção de desagravo ao advogado Geomilson Alves Lima, vítima de violência física e verbal nas dependências do Fórum Astolfo Serra, localizado na sede do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão, na última sexta-feira (6/9).

Segundo o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, a entidade não tolerará qualquer tipo de agressão ou intimidação ao pleno exercício profissional da advocacia e das liberdades democráticas, bem como quaisquer atos que atentem contra as prerrogativas da advocacia. Para Mário Macieira, “é preciso que qualquer tentativa de retrocesso à época da barbárie seja repudiada de maneira célere e contundente”. O dirigente destacou que a entidade tomará medidas judiciais contra o agressor.

O desentendimento aconteceu após Alves Lima e um empresário se encontrarem no Fórum, onde o advogado atua em diversos processos trabalhistas contra o empresário. Este teria ofendido verbalmente o advogado e em seguida lhe agredido fisicamente por ter tido alguns bens bloqueados. Chamado por Alves Lima, o advogado Moreira Serra afirmou que além de levar o caso à OAB, entregou documentos aos responsáveis pelo fórum e para o corregedor-geral do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão para tomar as devidas providências. Além disso, Moreira Serra conta que junto com outros advogados ingressou com ação criminal contra o empresário e uma ação indenizatória.

No mesmo dia do ocorrido, a OAB-MA publicou nota de desagravo repudiando o ocorrido e afirmando que não tolera qualquer tipo de agressão ou intimidação ao pleno exercício profissional da advocacia e das liberdades democráticas.

O conselheiro federal da OAB-MA, Raimundo Ferreira Marques, classificou o ato cometido contra o colega como abominável. “Não se pode confundir o papel do advogado, que está no exercício profissional representando a parte. E, ainda que se confunda, não é aceitável que a violência seja uma reação aceitável em qualquer situação, ainda mais nas serventias do judiciário”.

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Não somos semideuses

Tenho testemunhado  a avalanche de críticas assacadas contra os membros da Suprema Corte do nosso país, em face de algumas decisões decorrentes do julgamento da famigerada AP 470. É como se os juízes  não fossem simples mortais, como todo e qualquer ser humano. É como se não tivessem o direito de errar. É como se os críticos não tivessem consciência de que, a toda hora, erramos todos, em quaisquer circunstâncias.

No julgamento da AP 470, o que se constata, o que se reafirma é tão somente o que todos sabemos, ou seja, que todos erramos, que todos os juízes erram, e que os erros independem da importância do Sodalício que os abriga, do nível intelectual ou da inteligência de quem prolata a decisão.

Erramos cá, erram ali, erram acolá, pela singela razão de que o magistrado, ainda que tenha sobre os ombros uma esquisita e aterrorizante capa preta, não perde a sua condição de gente, mesmo admitindo que entre nós existam os que pensam que são semideuses. Mas esses são os que se embriagam com o poder, os que pensam que tudo podem; são tolos, pobres de espírito, despreparados para o exercício do podes. Esses, logo, não contam. Esses erram de má fé; e aqui eu reflito em face dos que dignificam a toga, dos que erram porque, afinal, todos nós erramos.

No caso da AP 470, o que a diferencia das incontáveis ações penais que tramitam nos Tribunais, é que os réus são pessoas destacadas da sociedade, daí o alarido em face, por exemplo, de um simples erro material, que, afinal, é uma rotina nos julgamentos. Fossem simples mortais, ou seja, fossem os réus da AP 470 os verdadeiros destinatários das agências de controle, aqueles contra os quais se voltam os olhos das instâncias persecutórias, e não haveria tanto frisson, tanto alarido, tanto questionamento, tantas críticas, muitas das quais apaixonadas e partidárias – não são isentas, portanto.

A verdade é que, como um homem qualquer, nós, magistrados, também cometemos os nossos deslizes, os nossos pecados;  nos deixamos envolver, como qualquer mortal, pelas mesmas paixões, pelas nossas preferências e ideologias – e mesmo pelas nossas idiossincrasias, como qualquer outra pessoa, daí a constatação, desde sempre, de que não existe juiz neutro, conquanto todos procuremos ser imparciais e garantidores, que, afinal, é o mínimo que se espera de um magistrado.

As Cortes de Justiça não funcionam com querubins.  Não somos, portanto, uma confraria de anjos; santos, também não somos. Mas é forçoso reconhecer, como contraponto, que no Poder Judiciário, como tenho reafirmado em incontáveis escritos, também habitam muitos diabinhos, muitos capetas que minam a nossa credibilidade. Aqui e acolá, infelizmente, despontam os que, além aneutrais, não são, no mesmo passo, imparciais. Entrementes, esses compõem  as exceções com as quais não trabalho nessas reflexões.

Reafirmo que nós, magistrados, por mais vaidoso que possa ser o togado,  somos apenas seres humanos, simplesmente. Somos como você, leitor amigo. E a maioria de nós é  sim, bem-intencionada, vocacionada, dedicada – tanto quanto qualquer outra pessoa que tenha compromisso com a prestação de serviços de natureza pública.

O que desejam os críticos,  irracionalmente, é que os magistrados  sejam neutros, que ajam como autômatos, que desprezem as suas emoções, que decidam como se nas suas veias ao invés de sangue corresse água.

É preciso convir que o magistrado, por mais digno que seja, por mais consciente da relevância de suas responsabilidades, nunca, jamais impedirá que uma dose de subjetividade, por mínima que seja, acabe por influenciar nas suas decisões. Se é verdade que haverá sempre uma dose de subjetividade nas decisões dos magistrados, não é menos verdadeiro que, no caso específico do processo penal,  o que não pode o magistrado é perder de vista que a sua função é de garantidor da eficácia dos direitos e garantias, e que, nessa perspectiva, não pode tangenciar os  direitos fundamentais do acusados, ainda que, nessa alheta, tenha que contrariar as expectativas de parte da comunidade.

Nesse cenário, tenho tido, repetidas vezes, que os juízes devem decidir , sempre, com a Constituição à vista dos olhos, pois que, de rigor, toda decisão é, ao fim e ao cabo, decisão constitucional. É dever do juiz, ainda que na contramão do que deseja a maioria, reparar injustiças, afinal, como lembra Ferrajoli, o objetivo justificador do processo penal é a garantia das liberdades do cidadão.

O juiz, no seu mister, não pode ser representativo de uma maioria e não deve decidir como quer a maioria. O juiz tem que decidir consciente de que o processo não está a serviço do poder punitivo, e que, por isso, deve desempenhar o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido.

É preciso ter em mente que o processo penal só se legitima se, ao longo da persecução, forem rigorosamente observadas as garantias constitucionalmente a todos os litigantes asseguradas. O juiz, nesse sentido, não pode quedar-se inerte diante de violações ou ameaças de lesões aos direitos fundamentais, como pensam, por exemplo, os que querem condenação a ferro e fogo.

Retomando ao início dessas reflexões, reafirmo que o juiz, conquanto não se liberte de sua subjetividade,  tem o dever de ser imparcial e fazer valer, a qualquer custo, os direitos fundamentais dos acusados, ainda que, nessa senda, tenha que decidir contramajoritariamente.

Reafirmo, ao encerrar essas breves reflexões, que os juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia, razão pela qual a sua subjetividade haverá, sempre, de interferir nos juízos de valor que formula (Luis Roberto Barroso)

É insustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideais, que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade. O juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica (Zaffaroni).

Além da sua independência, digo agora, para encerrar, que só o juiz que tenha consciência do seu papel de garantidor e que, ademais, tenha a dúvida como hábito profissional, é merecedor do poder que lhe é conferido.

Ninguém é melhor que ninguém

É de Roberto da Mata, antropólogo, autor de Carnavais, Malandros e Heróis, a afirmação de que ” O trânsito mostra de forma inequívoca como o brasileiro tem horror em que é colocado em igualdade de condições com os outros. Porque, ainda que uns dirijam suas limusines e outros, carrinhos populares, ou que uns tenham dinheiro para molhar a mão do guarda e outros não, o sinal vermelho é o mesmo para todos”.

A verdade é que é do homem, do homem vaidoso, a pretensão de ser superior, de ser o melhor, o mais atilado, o mais esperto, o mais mais. Com esse sentimento, ou em face desse sentimento,  em tripudia, passa por cima, faz tudo, enfim, para suplantar o semelhante, ainda que isso possa ir de encontro à sua dignidade ou à sua honra; dignidade e honra que ele não preza.

Tenho pregado, por isso, que o homem tem que ter limite, tem que se controlar, se policiar, deixar de ver um mundo por um espelho, onde só ver refletida a sua própria imagem, e olhar pela janela, para ver o horizonte se descortinar.

Por mais que o homem se sinta superior, há momentos em que ele será compelido a se sentir igual a todos os outros seres humanos. A doença, a dor, os infortúnios não distinguem ninguém. A dor que dói em mim é a mesma que dói em qualquer semelhante. O meu sofrimento pode ser o teu próprio sentimento.

Nessas circunstâncias, todos somos iguais; ninguém é melhor que ninguém.

Não faça com os outros o que não desejas que façam contigo

Há incontáveis exemplos de pessoas que, mesmo condenando certas atitudes quando elas ocorrem em detrimento de suas pretensões, ainda assim, na primeira oportunidade, agem com o semelhante como não gostaria que agissem consigo.

É por isso que  as coisas que abomino que façam porque eventualmente firam as minhas convicções, eu não faço em detrimento de ninguém.

Exemplo. Todos sabem que, tendo integrado duas listas de promoção por merecimento, fui alijado da terceira, pelas razões que  não convém mencionar.

Tendo sofrido na carne as consequências de uma, digamos, rejeição, eu não poderia, sob qualquer pretexto, aquiescer com qualquer pretensão de que se alije um colega de um terceira lista de merecimento, estando nas mesmas condições em que eu estava.

Em outras palavras, não faço com os outros o que não desejo que façam comigo.

Isso, fique certo, não é retórica, não são palavras ao vento. Eu ajo exatamente assim. Por isso, imagino, a minha credibilidade.

Durante muito tempo – e até hoje – ouço falar que há desembargadores que prometem votar em determinado candidato, todavia, na hora do “vamos ver”, não horam a palavra assumida.

Por essas e por outras é que falou-se em trairagem na sessão que escolheu o novo membro do TRE, na classe de juízes estaduais.

É preciso deixar claro que juiz que trai é juiz que assume compromisso que não pode assumir um magistrado. Magistrado só deve assumir compromisso com a sua consciência.

Por essas e por outras é que jogo limpo, aberto, às claras. Voto em que quero e não dou satisfações a ninguém. E nem prometo voto que sei que não darei.

Meu voto é parte da minha consciência; decorre das minhas convicções.

Não voto por favor e nem a pedido.

Ainda recentemente, na escolha do colega para compor a Corte Eleitoral, a que me referi acima, votei em quem havia decidido votar. Não fiz média, não fiz jogo de cena. Mas tive o cuidado, antes, de deixar claro, aos que me pediram voto, acerca da minha posição em torno na questão.

Portanto, se, nesse caso, houve “trairagem”, não fui eu o traidor, pois, todos sabem, meu jogo é limpo e claro como a luz do dia.

Mas o objetivo mesmo desde artigo é reafirmar que a gente não deve fazer com as pessoas o que não gostamos que façam conosco, por isso, na escolha do novo desembargador, se nada tiver mudado em termos de produtividade, vou continuar votando nos mesmos candidatos que votei em duas oportunidades. Aliás, nesse sentido, acho que ninguém tem dúvidas da minha posição.

Foi por conduzir a minha vida assim que gozo de alguma credibilidade; credibilidade que pode ser traduzida numa frase que ouvi de uma dileta colega, esta semana, no meu gabinete, numa visita de cordialidade. Disse-me ela, deixando-me emocionado, que  na avaliação dela e de muitos colegas, eu sou um exemplo para a nossa classe; um bom exemplo.

Fico feliz e, no mesmo passo, mais comprometido ainda com o meu trabalho e com os valores que incorporei à minha vida.

Espero nunca decepcionar os que em mim acreditam. E reafirmo: na escolha do novo desembargador, em outubro, devo continuar mantendo a minha coerência.

Nada mais que um tolo

No Brasil é assim: as pessoas não cultuam os seus heróis. Aqui, ao contrário, cultuam-se alguns salafrários que fizeram da vida pública um trampolim para enriquecer. Os homens de bem passam pelo poder e em pouco tempo são esquecidos.

Ontem mesmo, durante a sessão do Pleno, fiquei algum tempo olhando para a cadeira que era ocupada pelo desembargador Stélio Muniz. Ninguém fala nele. Parece que nunca passou pelo Tribunal. Nenhum retrato na parede. Nenhuma homenagem. Tudo isso porque ousou ser correto, num mundo que não enaltece os seus heróis, que privilegia a esperteza.

Como dizia Heráclito, tudo flui. E no Tribunal parece que tudo flui ainda mais rápido. Por isso não tenho nenhuma ilusão acerca da minha passagem por lá. Não sou do tipo para ser lembrado. Não vou ser presidente e nem corregedor. Por isso não terei sequer um retrato na parede. Quando muito serei lembrado pelos meus assessores.

É vida, dirão! É a vida, direi!

Um dado histórico. Maria Quitéria de Jesus, uma mulher bela, simpática e de aspecto sadio, segundo cronistas da época, vestiu trajes militares e lutou com bravura, disfarçada sob o nome de José Cordeiro, durantes as lutas em Salvador, contra os portugueses. Maria Quitéria chegou a fazer prisioneiros dois portugueses e, encerrados os combates, foi enviada ao Rio de Janeiro, onde o próprio imperador a recebeu, condecorando-a com a Ordem do Cruzeiros do Sul. Tais honrarias não impediram que ela morresse cega e esquecida, na mais absoluta miséria, em 1853, aos 61 anos de idade (Eduardo Bueno).

É assim que cuidamos dos nossos heróis. Sei que, por pouco representar  dentro da estrutura de poder, eu também passarei, na certeza que, sem pelo menos um retrato na parede, também serei esquecido com muita rapidez. Quando de mim lembrarem, decerto haverá quem diga que não passei de um tolo, besta, metido a honesto e…muito chato.

Aliás, certa feita, um colega, numa das muitas viagens que fiz, depois de uns dois copos de cerveja, indagava para mim, com insistência, por que eu era tão chato, seguido de uma sonora gargalhada que a todos contaminava.

Ele fingia que era brincadeira e eu fingia que acreditava. No fundo, no fundo o que ele queria mesmo era questionar a minha esquisitice, que muitos, por maldade, confundem com chatice.

É isso.

Reação

tjmaNos julgamentos do Pleno, tenho, sem nenhum favor, sido cortês e elegante com meus pares; mesmo quando deles discordo e mesmo quando com eles não tenha nenhuma afinidade pessoal.

Por duas vezes, nesses mais de três anos que estou na Corte, senti-me na obrigação de reagir às, digamos, descortesias contra a minha pessoa.

Hoje pela manhã, por exemplo, uma colega imputou a mim uma afirmação não verdadeira, em face de um recurso, em decisão administrativa, da minha relatoria.

É claro que, diante de uma acusação desse tipo, eu teria que reagir com sofreguidão. E, sentindo-me injustiçado, reagi, como não costumo fazê-lo, porque sou, ademais, uma pessoa educada.

Reagi, ademais, porque, com o zelo que tenho, nunca deixo de estudar, às vezes à exaustão, os votos da minha relatoria, e tinha consciência  de que não tinha prestado nenhuma informação distorcida para confundir os meus pares.

Claro que, em face dessa acusação, cuidei de me defender e colocar as coisas nos devidos lugares, já que, repito, não sou leviano e tenho sempre muita segurança quando defendo os meus votos.

Meu desvelo, nessas e noutras questões de igual senda, é total. Nesse sentido, nem me importo de ser tachado de arrogante. Só levo a julgamento votos que tenha estudado em profundidade e em razão dos quais tenha formado a minha convicção, como de resto devem agir todos que, como eu, tenha absoluta convicção da relevância do seu mister.

Portanto, se amanhã ou depois, algum veículo de comunicação divulgar que eu me defendi de forma veemente, saiba o leitor do meu blog que assim procedi porque não aceito ser injustiçado, ainda quando, como ocorreu no caso presente, a autora da imputação não tenha agido dolosamente.

Dolosamente, ou não, o certo é que eu ficaria muito mal diante da opinião pública se não tivesse reagido como reagi, afinal seria o caso até de punição a ação do magistrado que hostilizasse os fatos em defesa de seus argumentos; e essa, definitivamente, não é a minha praia.

Permanecer inerte diante de uma afirmação de que inseri no meu voto dados de ficção, seria negar a minha própria história.

A lição que fica

luis_roberto_barroso_perfil_andre_dusek_ae_14042009_288Não acho legal um colega, pela imprensa, criticar o voto de outro colega. Digo mais. Acho deselegante e antiético a emissão de juízo de valor mesmo durante os debates. O colega deve apresentar seu voto, e aqueles que deles discordarem devem dizer por que o fazem, sem menoscabo, sem críticas, sem conjuração.

O ministro Barroso, ao tempo em que militava na advocacia, costuma dizer que o juiz tem que decidir a demanda, a favor de um ou de outro dos litigantes. O que não podia o juiz, nas sábias – e irônicas, mas na medida certa – palavras do então advogado Luis Roberto Barroso, era declarar a demanda empatada e condenar o escrivão nas custas processuais.

O constitucionalista Luis Roberto Barroso, agora magistrado, tem sentido na pele o quão difícil é a arte de julgar, e o quanto é difícil, para o julgador, decidir sem ser criticado; tratando-se do Supremo – onde a fogueira de vaidades equivale a uma queima de roça por essas plagas – até mesmo pelos próprios pares.

Fato concreto. Depois da decisão liminar que suspendeu a cassação do deputado Donadon, além da imprensa, até mesmos pares do ministro Barroso têm criticado a decisão, como o fez o ministro Gilmar Mendes, para quem a decisão do colega criaria o mandato salame, pois parte do mandato seria cumprida na prisão e outra parte com as atividades parlamentares normais, numa atitude, para mim, desrespeitosa e aética.

Mas as críticas à decisão do ministro Barroso não se esgota na corporação. A folha de S. Paulo de hoje, em editorial, principia dizendo, que  ‘dois erros não fazem um acerto’, mas que parece ter faltado na dieta do  ministro Barroso, com a decisão, algumas porções de sabedoria popular.

Mais adiante, nos mesmo editorial: “Um pouco mais de experiência no Supremo Tribunal Federal também poderia ter ajudado o ministro novato a perceber, e talvez evitar, os equívocos da decisão mirabolante que tomou na segunda-feira”.

Noutro excerto: “Classificar a argumentação como boa ou ruim é questão de opinião. Mas o dado objetivo é que o ministro a tirou da cartola, pois na há, na Constituição, nada que fundamente suas conclusões”.

Digo eu: logo ele, reconhecido constitucionalista, recebe críticas vindas de todos os lados, por decidir exatamente, segundo essas críticas, ao arrepio do Carta Magna que ele tantas vezes enalteceu.

O que fica de lição é que, por mais preparado intelectualmente que seja o magistrado, para decidir uma demanda há que ter, ademais, muito bom senso, muita prudência e inexcedível sensatez. Ele não deve, como bem ensina o próprio ministro Barroso, declarar a demanda empatada. Deve, todavia, pensar e repensar, incontáveis vezes, antes de decidir, para não ficar a impressão de que, em determinadas circunstâncias, atue como verdadeiro legislador positivo, ao decidir com esteio em norma que não existe no ordenamento jurídico.

Fica a lição: para o ministro Barroso e para nós outros.