Descaso?

Recentemente, testemunhei, no gabinete da presidência, a posse de um determinado magistrado. Na oportunidade, como a palavra foi franqueada, aproveitei o ensejo para fazer algumas exortações. Concitei os colegas a, por exemplo, se dedicarem um pouco mais aos processos criminais, quase sempre relegados a segundo plano, como se não fossem relevantes.

E por que o fiz?

Porque essa tem sido a tônica.

Esse fato, infelizmente, reafirmo tem sido uma constante, ou seja, os magistrados priorizam os processos que envolvem questões privadas e deixam de lado os processos-crime, que tratam de matéria de interesse de toda coletividade.

O mais grave, além do mais, é que em quase 90% dos recursos que chegam – pelo menos à 1ª Câmara Criminal – constatamos erros na dosimetria da pena, convindo anotar que os erros, quase sempre, são em desfavor dos acusados.

É dizer: se não houvesse recurso – e quase sempre não há -, os réus cumpririam penas além do proporcional, o que, convenhamos, é muito grave.

Eu suponho, no entanto, que essa questão estava circunscrita a essas plagas.

Ledo engano!

Lendo o livro Garantismo Penal  Aplicado, de Amilton Bueno de Carvalho ( no detalhe), 2ª edição, Lumen Juris, deparei-me, na página 180, com o seguinte desabafo do autor, no voto que proferiu em face da Apelação Criminal nº 298011529:

“Registro, antes de mais nada, o profundo desinteresse que todos aquele que participaram do espetáculo processual manifestaram em sua atuação ( e registro o feito porque é algo que acontece com incrível frequência nos feitos criminais). O sentimento  que explode é um: ao que parece, ninguém, absolutamente ninguém, está preocupado com o célere e sério andamento dos processos criminais[…]”

O autor segue destacando a omissão do Ministério Público, dos defensores dos acusados e do juiz condutor do feito.

E eu que suponha que a desapreço era “privilégio” de alguns – a maioria, registre-se – dos nossos juízes…vejo, agora, que no Estado mais vanguardista em termos de Poder Judiciário, as coisas são rigorosamente iguais.

Opção pelas iscas

A internet tem hoje mais de 1 trilhão de sites.

Há, pois, leitura para todos os gostos. Informações a mais não poder.

Eu mesmo, algumas vezes, me pego lendo apenas parcialmente alguns artigos, tomado pela ansiedade de iniciar a leitura de um outro, igualmente interessante.

Ciente dessa realidade, de há muito optei por lançar neste blog apenas o que nomino de iscas jurídicas, com o afã tão só de instigar, vez que, com a variedade de sites tratando de questões jurídicas – e de uma infinita variedade de temas – seria uma pretensão descabida imaginar que o leitor teria paciência para permanecer muito tempo lendo as minhas enfadonhas reflexões, convindo anotar que, apesar de tudo isso, ainda há mais de mil internautas que acessam esta página, todos os dias.

Clareza da lei

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, em sua célebre obra Dos delitos e das penas, afirma, acerca da necessidade de que a lei seja clara.

Nessa manifestação está a semente do princípio da taxatividade:

“Se a interpretação arbitrária das leis é um mal, também o é a sua obscuridade, pois precisam ser interpretadas. Esse incoveniente é bem maior ainda quando as leis não são escritas em língua vulgar. Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas  como misteriosos oráculos, o cidadão que não puder julgar por si mesmo as consequencias que devem ter seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre seus bens ficará na dependência de um pequeno número de homens depositário e intérpretes da lei”.

Convém anotar que ao tempo dessas reflexões, os julgamentos eram secretos, e a tortura, para obtenção de confissão, era uma prática mais que comum.

Convém sublinhar, ademais, que, da mesma forma, as penas infamantes e os suplícios eram práticas corriqueiras.

Foi nesse contexto que nasceu o princípio da taxatividade, no sentido de que as condutas tidas por delituosas fossem descritas de modo a não deixar espaço ao arbítrio.

A lei penal, sabemos, tem que ser certa. Tem que ser redigida de forma clara e determinada, a fim de que as condutas tidas por criminosas não sejam passíveis de interpretações diversas, do que resultaria afronta ao princípio da legalidade.

Segundo Nilo Batista, do texto constitucional  se extrai a exigência de lex certa:”não haverá  crime sem lei anterior que o defina“(artigo 5º, XXXIX, da CF)(Introdução ao Direito Penal no Brasil, Rio de Janeiro, Revan 1990, p. 80)(sem destaque no original)

Capturado no Migalhas Jurídicas

Sistema carcerário

Juiz repudia precariedade do sistema prisional ao interditar presídio

O juiz de Direito Cássio Roberto dos Santos, da 1ª vara de Bataguassu/MS, ao julgar procedente pedido do MP para interditar o Presídio Masculino da cidade, faz um tratado acerca da situação precária do sistema carcerário.

Citando Vitor Hugo, o magistrado afirma que é dever dos agentes públicos de todos os níves, sejam eles responsáveis diretos ou indiretos pelo cumprimento da pena, “zelar para que, na medida do possível, sejam atendidas condições mínimas de dignidade para o cumprimento das penas“.

No caso da comarca de Bataguassu, restou comprovado para o julgador que estavam sendo desatendidos diversos preceitos da lei de Execução Penal (clique aquie da CF/88(clique aqui), dentre os quais: existência de áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva; separação de presos provisórios dos definitivos; lotação compatível com a estrutura e finalidade; área mínima de cela, com salubridade, aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, entre outros.

Na minha linha de pensar

COLUNA DO LFG

Decisão não pode ficar ao sabor do populismo penal

Por Luiz Flávio Gomes

Entendimento anterior: A questão da responsabilidade por morte causada no trânsito por condutor embriagado sempre foi alvo de discussões nos tribunais. Em tese, não há como se apontar com certeza se há dolo eventual ou culpa consciente ou mesmo inconsciente. Em recente julgado, por exemplo, o STJ se posicionou no sentido de que considerando a complexidade da causa, correta foi a decisão de primeira instância que levou o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, aceitando a denúncia do Ministério Público que imputava o dolo eventual (HC 199.100/SP).

Entendimento recente: O STF, no entanto, ao julgar o HC 107.801/SP (setembro de 2011), inovou no tema. Seguindo o voto condutor do ministro Luiz Fux, a 1ª Turma concluiu que o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre demera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual.

A responsabilização dolosa pela morte em direção de veículo automotor, estando o condutor embriagado, pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime. Este foi o entendimento que fundamentou a concessão da ordem no HC 107.801/SP (6/9/11), pela 1ª Turma do STF, writ relatado pela ministra Cármen Lúcia.

A concessão da ordem consistiu em desclassificar a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso para homicídio culposo na direção de veículo. O motorista, ao dirigir em estado de embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito.

A relatora teve voto vencido, já que a maioria dos ministros da 1ª Turma seguiu o voto-vista do ministro Luiz Fux, determinando-se assim a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba (SP), pois o acusado já havia sido pronunciado para julgamento pelo Tribunal do Júri.

Para a defesa, o homicídio na direção do veículo, estando o condutor embriagado, revelaria o caráter culposo do crime por meio de imprudência, não se podendo falar sequer em dolo eventual.

Para o ministro Luiz Fux: “o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual”. Conforme o entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo”. (Clique aqui para ler notícia sobre a decisão)

Tecnicamente a decisão do STF está correta. A embriaguez, por si só, não significa dolo eventual. Dolo eventual existe quando o sujeito (a) representa o resultado, (b) aceita o resultado e (c) atua com indiferença frente ao bem jurídico. O estar embriagado não significa automaticamente dolo eventual. Cada caso é um caso. O que não se pode é partir de presunções contra o réu. Isso é inadmissível em Direito Penal.

O Brasil já é, agora, o terceiro país que mais mata no trânsito (cf. www.ipclfg.com.br). Passamos os EUA, com cerca de 40 mil mortes por ano. Há, portanto, também nessa área, uma demanda populista punitivista muito forte. Isso vem conduzindo muitas autoridades a aceitarem dolo eventual em muitos acidentes. Ocorre que dolo eventual é uma categoria jurídica muito precisa. É de se lamentar que a pressão popular e midiática venha a interferir nessas questões puramente dogmáticas. É incrível como a realidade criminal vem se impondo sobre a Teoria Geral do Delito ou da Pena.

Os alemães demoraram mais de 150 anos para construir um mundo de conceitos precisos (ou relativamente precisos) no âmbito penal. A mídia e a população emocionada muitas vezes tentam acabar com esses conceitos. Direito é Direito, sociologia é sociologia. As decisões judiciais não podem ficar ao sabor do populismo penal. Tampouco se justifica a sanção penal uma imposta para os graves acidentes de trânsito (penas alternativas). Não sendo também o caso de se jogar esse condenado ao “cadeião”, só resta o meio termo: pena de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. Mas isso depende de mudança legislativa. 

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.

Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2011

Um registro histórico

A história serve para que  tiremos lições e  para que não cometamos os mesmos erros do passado.

Vou publicar, a seguir, um dado histórico, ocorrido no reinado de Luís XIV(no detalhes),  a guisa de ilustração, para que nunca nos esqueçamos do  que representou – e a ainda representa, nos dias atuais – o poder absoluto, o poder sem peias, sem controle.

Ilustro com o exemplo do famigerado caso Damiens, referido por Orlando Soares, in A prática da tortura através dos tempos, 1. ed. Rio de Janeiro, Científica, 1979, p. 43, apud  Cláudio do Padro Amaral:

“Damiens, por ter ferido com um canivete o rei Luís XV, foi condenado ao ‘esquartejamento a quatro cavalos'[…] fora condenado a 02 de março de 1757, a pedir perdão publicamente, diante da porta principal da igreja de Paris[…]o condenado, deitado de costas, foi preso ao cadafalso, atou-se à sua mão a faca com que cometeu o crime, depois, queimou-se a sua mão e a arma com fogo de enxofre, até que tudo fosse reduzido a carvão, em virtude da antiga ideia de que era preciso punir primeiramente o lugar do corpo que tinha perpetrado o crime. Em seguida, com tenazes, o carrasco arrancou pedaços de carne do paciente, de diversos  lugares do corpo, derramando nas chagas chumbro, azeite, pimenta e enxofre, fundidos e misturados. Depois disso prendeu-se cada membro do condenado a quatro cavalos, instigando-se estes por pequenos golpes. A resistência dos segmentos foi tão grande que os quatro cavalos puxaram-no por mais de uma hora sem resultado[…]. Precisou-se, então, para facilitar a separação dos membros, cortarem-se músculos[…] somente depois de haver desprendido o segundo braço foi que ele morreu”

Deve-se ter presente que o acusado, in casu, sequer teve, antes, conhecimento da acusação e direito de defesa. É o que se infere a descrição feita por  Michael Foucault, verbis:

“Na França, como na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo o processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja, ou seja, opaco, não só para o público, mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação” ( Vigiar e Punir, 22, ed. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 32)

Admito a minha incompetência

A minha incapacidade de mobilizar os meus pares para discutir,   com mais profundidade, alguns temas é, pelo menos para mim, proverbial.

Muitos conseguem; eu, não.

Considero-me, nessa questão, uma nulidade.

Hoje, na sessão do Pleno, tentei, mais uma vez em vão, fomentar um debate mais profundo acerca das contratações temporárias para professores do ensino médio, prática costumeira do Poder Executivo estadual.

Pretendi chamar a atenção para o fato de que a não realização de concursos significa um retrocesso, pois que é, para mim, além do mais democrático meio de acesso, uma conquista da sociedade.

Não esqueci, nessa linha de argumentação, de Luis Roberto Barroso, para quem o concurso público, a partir de uma leitura axiológica do nosso sistema jurídico-constitucional, está incorporado  no patrimônio jurídico da cidadania.

Fiz ver, nesse sentido, que o Poder Executivo, com essa ação, ou seja, com a contratação temporária, feria, a mais não poder,  o principio que veda o retrocesso; princípio em pleno vigor em nosso Direito Positivo, inobstante não esteja expresso em nossa Carta Magna.

Chamei, ou melhor, tentei chamar  a atenção dos meus pares, ademais, para a constatação de que essas contratações malferem,no mesmo passo e a um só tempo, os princípios da legalidade, da moralidade e da dignidade da pessoa humana.

Falei por uns cinco minutos quase que ao vento, incapaz que fui – e admito a minha incapacidade – de convencer os meus colegas para a importância – pelo menos para mim – do que propunha, em face de compreender que, nos dias atuais, superada a face positivista, toda discussão deve partir da matriz epistemológica que decorre do neoconstitucionalismo, daí a razão de ter sustentado o meu voto nos princípios constitucionais.

Tentei fazer ver que, em face desse novo paradigma, os juízes passaram de simples aplicadores da lei para condição de legítimos intérpretes da vontade constitucional.

Na parte que considero mais contundente do meu voto, pretendi demonstrar que vislumbrava um vínculo simbiótico entre as contratações temporárias e o clientelismo político.

Mas nada!

Nem assim eu consegui chamar a atenção dos meus pares.

Eu sou mesmo um zero à esquerda!

Mas insisti!

Teimoso, fui além!

Socorri-me de Celso Antonio Bandeira de Melo – para quem violar um princípio e muito mais grave que transgredir uma norma qualquer –  para lembrar-lhes a gravidade de o Poder Executivo afrontar os princípios constitucionais que acima mencionei, lembrando, inclusive, que, em face da textura aberta  de tais princípios, eles podiam, sim, ser buscados para dar substrato ao meu voto.

Debalde, no entanto.

Depois da sessão, um advogado que se encontrava na plateia se aproximou de mim e disse, textualmente: Vossa Excelência lançou palavras ao vento.

Mas eu acho que o advogado foi mais do que benevolente comigo. 

O que ele quis dizer, na verdade, foi o seguinte: Vossa Excelência não tem a mais minha capacidade de convencer ninguém, muito menos os seus pares.

Nessa arte, confesso, sou mesmo incompetente.

Do juiz vem a explicação

Do juiz Rodrigo Terças ( na foto com o desembargador Guerreiro Júnior) auxiliando na Comarca de Tutum, recebi manifestação, por escrito, em face da matéria FALTA DE SENSIBILIDADE OU COMPROMISSO ?, postada neste blog.

Cumpre anotar que, segundo informações por mim colhidas, o Dr. Rodrigo Terças é um dos melhores quadros da magistratura estadual, do que se pode inferir que as informações que requisitei não chegaram às minhas mãos por razões de ordem superior e não por negligência do mesmo.

Faça questão, pois, de consignar que, com o artigo em comento, não pretendi questionar a sua condição de magistrado dedicado e responsável, razão pela qual, em tributo a sua dedicação, publico, a seguir, as suas explicações, na certeza de que, assim o fazendo, reparo eventuais desgastes que possam ter sido infligidos a sua imagem.

A seguir, o inteiro teor do ofício. Continue lendo “Do juiz vem a explicação”