Flertando com a ilegalidade

preso-por-enganoA lei 12.403/2011, como sabido, estabeleceu providências cogentes a serem adotadas pelos magistrados, quando do recebimento do auto de prisão em flagrante. Assim é que, recebendo o auto de flagrante, ao magistrado a lei impõe três providências: I) deve relaxar a prisão, se eivada de ilegalidades; II) se presentes os requisitos do artigo 213, do CPP, deve converter a prisão em flagrante, fundamentadamente ( artigo 315, do CPP), em prisão preventiva, se insuficiente  ou inadequada outra medida cautelar menos gravosa ao agente (artigo 319, do CPP); deve conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, atendidos os requisitos legais.

Anoto, só a guisa de ilustração, que, na segunda hipótese (conversão do flagrante em prisão preventiva), o juiz não deve agir de ofício ( no sistema acusatório puro); deve, nesse sentido, aguardar representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, tendo em vista o que estabelece a lei 12.403/2011.

Antes da vigência da Lei 12.403, o magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, se limitava a homologar o mesmo, sem necessidade de fundamentação; é que o despacho em comento objetivava, tão somente, o exame das formalidades do auto, “se exigindo seja tal despacho fundamentado” ( RT 749/616), salvo se fosse para relaxar a prisão.

Vejam que, de lege lata, não há mistério acerca das providências que devem ser implementadas pelos magistrados, ao receber o auto de prisão em flagrante.

Ocorre, entrementes, que, ao que parece, alguns colegas ainda não se deram conta de que, nos dias presentes, em face da novel legislação, não basta homologar o flagrante, ou seja, a ação do magistrado vai muito além do mero exame das formalidades legais do auto.

Na próxima sessão da 2ª Câmara Criminal, vou levar a julgamento um habeas corpus ( nº 014091/2013), no qual consta uma decisão homologatório do auto de prisão em flagrante, nos moldes de antigamente, com a desconsideração das mudanças implementadas pela Lei 12.403/2011, o que reafirma o que tenho dito que muitos magistradas não dão ao processo-crime a atenção que deva ser dada, sob todos os pontos de vista.

O grave é que, diante de descuidos dessa natureza, a nós, juízes de segundo grau, falece competência para suprir o equívoco do colega de primeiro grau.

Diante de situações desse jaez, o magistrado deve ter em linha de conta de que, de todos os agentes envolvidos na persecução criminal, é dele que mais se espera que não contemporize, que não chancele ilegalidades.

Tão grave quanto a “homologação do flagrante” é a decretação de prisão preventiva ao argumento, tão somente,  da necessidade de acautelar a ordem pública, em face da “periculosidade do acusado“, sem a consideração de qualquer fato que possa servir de base a esses argumentos.

Essa tema fica para a próxima reflexão.

Próximos do caos

701_carros_congestionamentoEstamos todos perdendo a paciência no trânsito. Cada dia as coisas pioram mais. Vai chegar o dia do estrangulamento. Vai chegar o dia em que teremos que, forçosamente, deixar os carros em casa. Os acostumados, nos dias presentes, a se mover em veículos particulares, vai ter que se acostumar com o transporte coletivo.

Do artigo de Marcos Cintra, na edição de hoje da Folha de São Paulo, apanho o seguinte excerto, a propósito do tema sob retina:

“Desde 2002, uma frota adicional de 1,6 milhão de carros passou a circular na cidade de São Paulo, uma média de 13 mil automóveis a mais todo mês nas ruas. Considerando o total de veículos (incluindo ônibus, caminhões, motocicletas e outros) o acréscimo na frota em circulação, no mesmo período, ultrapassou 2,6 milhões de unidades, um incremento de 22 mil carros por mês”.

Como se pode ver, caminhamos celeremente para o caos.

Em São Luis, como em outras capitais, não é diferente.

 

CNJ em ação

Liminar suspende promoções por merecimento no TJBA

Gil Ferreira/Agência CNJ
Liminar suspende promoções por merecimento no TJBA

A conselheira do CNJ ministra Maria Cristina Peduzzi determinou, nesta segunda-feira (17/6), a suspensão dos editais de promoção por merecimento em curso no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) para o cargo de desembargador. A decisão, em medida liminar, foi requerida nos autos do Procedimento de Controle Administrativo (PCA, 3354-09.2013.2.00.0000), sob relatoria da ministra. A ação discute os critérios adotados pelo tribunal nos Editais n. 42/2012, n. 82/2013, n. 86/2013 e n. 126/2012 e se eles atendem as regras da Resolução do CNJ n. 106/2010.

A liminar, que passará pela análise do Plenário do CNJ provavelmente na sessão da próxima terça-feira (25/6), mantém a suspensão até o julgamento  definitivo do PCA.

Em sua decisão, a conselheira deu um prazo de 20 dias para que o presidente do TJBA forneça ao CNJ a documentação relativa à habilitação e à avaliação dos candidatos à promoção ao cargo de desembargador.

Os critérios utilizados pelo TJBA na avaliação dos candidatos ao cargo de desembargador estão sendo questionados em três outros PCAs em análise no CNJ (3360-50.2012.2.00.0000, 7777-46.2012.2.00.0000 e 2134-73.2013.2.00.0000).

Maísa Moura
Agência CNJ de Notícias

*Atualizada às 11h04 de 18/6/2013

 

Direito concreto

Não escondo de ninguém a saudade que tenho do primeiro grau, quando eu decidia sozinho, solitariamente.

Hoje, para matar a saudade, reli  algumas decisões prolatadas no primeiro grau, muitas das quais acho que não prolataria com a mesma linguagem.

Apesar do meu senso crítico acerca de algumas da minhas deciões, atrevo-me a publicar, agora, excertos de uma decisão absolutória, na qual inseri alguns argumentos que não inseriria, nos dias presentes, da forma como estão vazados.

Mas, é preciso convir, à época, o tempo que eu dispunha para estudar e me esmerar era muito pequeno, daí a compreensão de que, fosse hoje, alguns termos eu não usaria na decisão.

De toda sorte, acho que, sobretudo para os iniciantes, a sentença tem sim o que ser aproveitado.

A seguir, alguns excertos, com destaque para a minha afirmação de que tinha convicção íntima da autoria do crime, porém não dispunha de provas, colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,  para editar um decreto de preceito sancionatório, daí a decisão absolutória.

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Para você saber

Dos 533.027 detentos do Brasil, 88% não têm ensino básico completo e 45,1% sequer terminaram o ensino fundamental. Mesmo assim, só 54 mil presos ( um em cada dez) estão frequentando salas de aula em instituições penais. Destes, apenas 2,6 mil fazem algum tipo de curso técnico.

Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Desse jeito, como será possível reintegrar o detento à sociedade?

Detalhe: entre todos os Estados, o Maranhão só está melhor nesse quesito que o Rio Grande do Norte e Tocantins. De um total de 5.443 detentos, somente 218 estudam.

Estado de Direito

Investigação pelo Ministério Público é inconcebível

Por Tales Castelo Branco

O debate que vem se travando sobre o direito de o Ministério Público comandar investigações criminais divide-se, a nosso ver, em duas importantes questões: a legal, representada pela existência, ou não, de autorização em nossa legislação, constitucional e infraconstitucional, para a investigação de crimes pelo Ministério Público, e a ideológica, que tenta definir se a investigação ministerial é melhor do que o sistema em vigor.

As atribuições constitucionais e legais do Ministério Público estão bem definidas na Constituição Federal: o Ministério Público pode promover inquérito civil e ação civil pública, com fins e objetivos delimitados; tem o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los; deve exercer o controle externo da atividade policial; tem a faculdade de requisitar diligências investigatórias e requerer a instauração de inquérito policial; além do dever de promover a ação penal.

As atribuições constitucionais e legais das polícias civil e federal também estão claramente definidas na Constituição Federal: compete à Polícia Federal o exercício, com exclusividade, das funções de polícia judiciária da União, e à Polícia Civil as funções de polícia judiciária e a tarefa de apurar as infrações penais que não sejam da competência federal.

Argumentar que não há proibição expressa e que o Ministério Público poderia investigar a prática de crimes colide com princípio básico da administração pública: o princípio da legalidade. Importante relevar que o Ministério Público não tem estrutura orgânica para o exercício dessa tarefa. Iria resolver o problema selecionando para si os processos que lhe conviessem. A persecução penal seria seletiva, o que fere o princípio da igualdade das partes perante o juízo acusatório. Nem fisicamente o Ministério Público está preparado para o exercício de árduas missões da investigação policial. Ninguém de bom senso imaginaria ver promotores de Justiça correndo de arma em punho atrás de marginais em busca de importantes esclarecimentos para a acusação ou infiltrando-se sorrateiramente em organizações criminosas para investigar maus elementos e descobrir a verdade que tanto interessa à ação penal.

O constituinte originário assegurou as funções de Polícia Judiciária e a apuração das infrações penais às polícias civil e federal, deixando clara sua intenção de não proporcionar ao Ministério Público tal função. Existe, assim, delimitação constitucional das funções institucionais relativas à persecução penal: o Ministério Público, como parte acusatória, é titular da ação penal, podendo requisitar diligências investigatórias, acompanhar o inquérito policial e exercer o controle externo da polícia, enquanto à Polícia Civil e Federal compete colher os elementos de prova que subsidiarão a atuação do Ministério Público, por meio de procedimento investigatório previsto em lei.

Quanto à delicada questão da imparcialidade na investigação criminal, não pode o Ministério Público exercer o controle interno da Polícia Judiciária e seu controle externo, pois seria atribuir-lhe o controle da atividade pré-processual de colheita de provas, incompatível com quem pretende o exercício fiscalizador dessa atividade. O acúmulo das funções de investigar e propor a acusação é inconcebível: pode levar o Ministério Público a afastar-se de suas atribuições na titularidade da ação penal, ao impedir que atue de modo desvinculado dos atos pré-processuais que influenciem seu livre convencimento. O Ministério Público, certamente, passaria a investigar não para apurar fatos, mas para comprovar o que quer ver comprovado. Confundir o investigador do fato e o órgão da imputação é inadmissível: condensá-los em uma só instituição é típico de tribunais de exceção.

Há, ainda, o problema da igualdade entre acusação e defesa, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, exigindo que se assegure às partes equilíbrio de forças: o princípio da igualdade de armas (par conditio).

Finalmente, não se pode, criteriosamente, alegar que o Ministério Público estaria livre de perigosas injunções. A polícia atua na fronteira entre a sociedade organizada e a criminalidade, justamente por exercer a função de investigar: seus agentes protagonizam situações de violência e podem sofrer o contágio do crime, pela cooptação ou pela corrupção. O Ministério Público, ao investigar, não estaria imune aos mesmos riscos de arbitrariedades, abusos, violência e corrupção.

Tales Castelo Branco é advogado e ex-presidente do Iasp.

Dados que preocupam

Cerca de 70% dos presos do Piauí aguardam julgamento

Luiz Silveira/Agência CNJ de Notícias

Cerca de 70% dos presos do Piauí aguardam julgamento

Mais da metade dos detentos mantidos nas penitenciárias e delegacias do estado do Piauí são presos provisórios, ou seja, ainda não julgados pela Justiça. São 1.958 presos provisórios para uma população carcerária de 2.871, o que significa que 68,19% estão presos sem julgamento, de acordo com informações colhidas pelo Mutirão Carcerário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça no estado. O mutirão foi encerrado nesta sexta-feira (14/6).

Para agravar ainda mais a situação, os juízes não têm controle sobre os presos que deveriam estar sob sua responsabilidade, informa o juiz Marcelo Menezes Loureiro, que foi designado pelo CNJ para coordenar o mutirão no Piauí. “O quadro é terrível”, afirmou ele. O magistrado defende que seja realizada uma auditoria da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ para verificar o que está acontecendo no estado.

Dos 1.958 presos provisórios, o mutirão só conseguiu reavaliar 695 processos, e concedeu liberdade provisória a 134 (19,28%). Faltou rever a situação de 1.263 presos. Os condenados a pena privativa de liberdade são 913, mas a secretaria do mutirão recebeu a documentação relativa a apenas 807 presos para avaliação.

Segundo Loureiro, isso demonstra que os juízes do estado não conhecem nem mesmo quantos presos cumprem pena sob supervisão da Justiça. A reavaliação dos 807 casos resultou na concessão de benefícios a 239 pessoas, ou 29,72% do total examinado. O juiz estima que, se todos os casos fossem analisados, aproximadamente 400 presos seriam liberados.

Gilson Luiz Euzébio Agência CNJ de Notícias

Números

Para que gosta de números: o estado de São Paulo teve 101 latrocínios no primeiro trimestre de 2013, maior número desde 2004 (fonte: Revista Veja)

Mais: para cada 100 crimes cometidos em São Paulo e investigados pela polícia no primeiro quadrimestre de 2013, apenas três´prisões foram efetudas (fonte: revista Veja)

Pelo menos 800 brasileiros com transtornos mentais, em cumprimento das chamadas  medidas de segurança, cumprem pena em presídios comuns, em ves de receberem atendimento psiquiátrico adequado ( fonte: o Globo)

Vinte e dois anos, foi o tempo de uma prisão provisória, revelado pelo o Globo, sem exame de sanidade mental e sem decretação de medida de segurança.