Direito concreto

Não escondo de ninguém a saudade que tenho do primeiro grau, quando eu decidia sozinho, solitariamente.

Hoje, para matar a saudade, reli  algumas decisões prolatadas no primeiro grau, muitas das quais acho que não prolataria com a mesma linguagem.

Apesar do meu senso crítico acerca de algumas da minhas deciões, atrevo-me a publicar, agora, excertos de uma decisão absolutória, na qual inseri alguns argumentos que não inseriria, nos dias presentes, da forma como estão vazados.

Mas, é preciso convir, à época, o tempo que eu dispunha para estudar e me esmerar era muito pequeno, daí a compreensão de que, fosse hoje, alguns termos eu não usaria na decisão.

De toda sorte, acho que, sobretudo para os iniciantes, a sentença tem sim o que ser aproveitado.

A seguir, alguns excertos, com destaque para a minha afirmação de que tinha convicção íntima da autoria do crime, porém não dispunha de provas, colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,  para editar um decreto de preceito sancionatório, daí a decisão absolutória.

“[…]Depois de analisada o patrimônio probatório consolidado nas duas fases da persecução criminal – sedes administrativa e judicial – concluo, na mesma linha de entendimento do Ministério Público, que as provas são frágeis e não autorizam o desfecho condenatório.

Poder-se-á argumentar que o acusado, em sede extrajudicial, confessou a autoria do crime e que essa confissão poderia ser buscada para compor o quadro probatório.

É verdade, sim, que o acusado confessou o crime em sede policial. Todavia, quem pode assegurar que não o fez sob tortura, como disse em sede judicial?

Claro que esse argumento do acusado pode ser apenas uma linha defesa.

Em face, todavia, de tudo que tenho testemunhado ao longo de 30(trinta) anos lidando com essas questões,  não posso duvidar da afirmação do acusado, daí por que entendo não possa usar sua confissão em sede extrajudicial, para compor o quadro de provas.

De mais a mais, não se perca de vista que a principal testemunha do crime, a vítima, disse não reconhecer o acusado como autor do assalto, o que, para mim, afasta qualquer possibilidade do desfecho condenatório.

A testemunha Raimundo Anastácio, é verdade, disse que a vítima, diante do acusado, o reconheceu, sem dúvidas, como autor do crime.

Curioso, inobstante, é que a vítima não tenha ratificado essa informação em sede judicial.

Nesse contexto, convenhamos, não se pode chamar a confissão do acusado, em sede extrajudicial, para compor o acervo probatório.

O acusado pode, sim, ter cometido o crime. Mas não se pode, quando se decide acerca de uma condenação, trabalhar com probabilidade.

Nesse sentido, importa dizer, ou  o julgador tem certeza absoluta, sem reservas, sem vacilação, sem titubeio, sem dúvidas da ocorrência do crime e quem seja o seu autor, ou não pode subscrever um édito condenatório.

Tenho dito, e nem me importo de repetir, iterativamente, que não se faz cortesia com o direito alheio.

O acusado, ao que vejo dos autos, tem um passado prenhe de deslizes.

Todavia, não se pode, à conta do passado do acusado, condená-lo, se as provas acerca de sua participação para realização do crime não estreme de dúvidas.

Nessa linha de argumentação cumpre anotar que, entre nós, não existe o direito penal do autor. É dizer: não se pune, não se condena ninguém em face apenas de sua vida ante acta

O Direito Penal não pode se preocupar com o  passado do autor do fato, mas sim do fato por ele praticado.

Decidir com esteio no que é o acusado e não no que ele tenha efetivamente praticado, é decidir violando a Carta Política em vigor

O direito repressivo tem que se preocupar com os fatos delituosos praticados pelo agente.

Se o Ministério Público não foi capaz de trazer aos autos provas bastante de que o acusado tenha praticado o crime a ele imputado, então tem que suportar o ônus de sua omissão, traduzido numa decisão absolutória.

Já se disse, reiteradas vezes, que o que não está nos autos não está no mundo.

Nessa ordem de idéias, posso afirmar que, ainda que tenha a íntima convicção de que o acusado praticou o crime, não posso, só por isso, condená-lo, sem que as provas constantes dos autos me façam ciente e consciente de que tenha sido o autor do fato delituoso[…]”

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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