O incondicional amor de pai

Mas uma coisa é ler um romance sem maturidade, sem ter vivido a vida, sem ter a exata consciência das coisas e do mundo; outra coisa, muito diferente, é ler um romance tendo vivido a vida, tendo acumulado experiência. Ao fazê-lo, nessas condições, somos, muitas vezes, tomados pela emoção, porque, quase sempre, apenas lemos o que já vivenciamos -como protagonistas ou como figurantes. E, conforme tenha sido a experiência, um determinado romance pode penetrar na sua alma, nos emocionar, nos fazer refletir.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Cuido do amor de pai nesta crônica.
Em determinado fragmento anotei:
  1. Pelos meus filhos e somente por eles sou capaz de renunciar a qualquer coisa. Para fazê-los felizes não meço e nem medirei sacrifício. Como o pai de HELENA, eu também sou capaz de qualquer coisa pela felicidade dos meus filhos – até mesmo deles me afastar, se essa for a condição de sua realização.
  2. A verdade é que somente depois que temos filhos, é que somos capazes de dimensionar o amor. Tivesse relido o romance em comento, sem ter tido o privilégio de ser pai, seguramente com ele não me sensibilizaria, pois que sei que só sabe o que é o amor verdadeiro aquele que teve o privilégio de ser pai – ou mãe. Só o amor de pai (ou mãe) para com os filhos é incondicional, é completo, é superior, é imensurável e, às vezes, incontrolável.

 

A seguir a crônica, por inteiro.

Vivendo intensamente o trabalho.

Eu vivo intensamente tudo que faço. Eu vivo e absorvo tudo que gira em torno de minhas atividades profissionais. Sou profissional full time. Trabalho todos os dias do ano. Pra mim não tem sábados, domingos e feriados. Não tenho a capacidade de, chegando em casa, abstrair o meu trabalho, mesmo porque é em casa que faço as minhas sentenças e os despachos que exijam maior concetração.
Tudo, no âmbito do meu trabalho, é motivo de preocupação. Não sei ser indiferente. Preocupa-me o processo recebido com carga e não devolvido. Preocupa-me o inquérito que desce e não mais retorna. Exaspero-me com o abandono do processo pelos advogados. Apoquenta-me, sobremaneira, não realizar uma audiência. Agasta-me a notícia de tortura nas delegacias Impacienta-me a situação de desconforto da vítima perante o acusado. Incomoda-me o desleixo de um funcionário. Inflama-me a alma a falta de condições de trabalho e a indiferença da cúpula do Tribunal de Justiça.
Não gosto, saio do sério, quando se concede habeas corpus aos réus violentos, em detrimento da ordem pública, hostilizando-se os interesses da comunidade. Indigna-me o atraso das partes, o não cumprimento de horário. Não me dou ao luxo de chegar atrasado a um compromisso.
Mortifica-me não fazer a Justiça dos meus sonhos. Amargura-me a ociosidade de muitos. Enluta-me se tratar com indiferença os problemas dos jurisdicionados, empurrá-los com a barriga.
Não aceito que tratem as pessoas com indiferença, sejam de que classe forem.
Melindra-me a descortesia. Funcionário de mau-humor me contrista. Incomoda-me não poder decidir mais rapidamente. Enferma-me a omissão do Ministério Público, a indiferença do Ministério Público para com os vários problemas que nos afligem no dia-a-dia.
Tenho como de péssimo caráter o profissional que usa de suas petições para agredir aos outros. Para mim é mau-caráter quem não é capaz de aceitar, com altivez, a decisão de um juiz que seja desfavorável aos seus interesses. Espicaça-me conviver com esse tipo de pessoa.
Tenho nojo do invejoso, do mesquinho, daquele que não aceita o brilho do semelhante.
É por tudo isso, por não ser um turista no meu trabalho, por viver intensamente o que faço, por não ser mau-caráter, por não ter idéias pré-concebidas, por respeitar meus semelhantes, por saber até onde posso ir, por saber os limites de minha competência, que, às vezes, saio da linha, porque não sou feito de barro e cimento. Nas minhas veias corre sangue. O sangue da retidão, da dedicação, do esforço, da labuta diária, da sofreguidão, da tenacidade.
Desde os meus olhos não vejo com indiferença o sofrimento das vítimas. Desde o meu olhar me sinto impedido de fazer concessões a meliantes, ainda que tenha que enfrentar a ira dos advogados.
Eu sou assim. Só sei ser assim, Tenho muitos e muitos defeitos, mas não sou omisso, insensível, indiferente.
Vivo intensamente o meu trabalho! Não uso o meu gabinete para distribuir simpatia. Não gosto de ser visitado no meu trabalho. Não gosto de esticar conversa, tendo tanto o que fazer.
Eu sou assim. O que fazer? Ou me aceitam como sou, ou vão todos para ….

Sentença condenatória.

Com efeito, não se há que falar em furto, se o crime foi praticado com violência contra o ofendido. E o que distingui as duas figuras jurídicas é, exatamente, o fato de que o furto é somente crime contra o patrimônio, enquanto que o roubo é, também, crime contra a pessoa. No caso presente, os acusados não se limitaram a subtrair o bem do ofendido, mas a desferir socos e pontapés contra o mesmo, fundindo no mesma unidade jurídica várias condutas típicas – ameaça, furto e constrangimento ilegal.
Juiz  José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Cuida-se de sentença em face do crime de roubo.
Em determinado excerto concluci:
  1. O ofendido afirmou, sem meias palavras, sem enleio, sem titubeio, que o acusado W. P. S. o agrediu com socos, depois de tê-lo imobilizado com uma gravata, para, depois, tomar-lhe o par de tênis.
  2. Essa violência praticada pelo acusado, seguida da subtração da res substracta, tipifica o crime de roubo, o qual, sabe-se, “nada mais é que o furto qualificado pela violência à pessoa”. 
  3. Violência física, é por demais sabido, nada mais é do que o emprego de força contra o corpo da vítima, não sendo necessário, para tipificar o crime, que ocorra lesão corporal, bastando, com efeito, simples vias de fato que é a violência física sem dano à integridade física.
  4. Anoto que violentos empurrões e trombadas também caracterizam o emprego de violência física para caracterizar o crime de roubo.
  5. In casu, devo dizer, o acusado não se limitou àquela violência leve, apenas para desviar a atenção da vítima, como se faz, todas as horas, nos grandes centros urbanos. Não! O acusado deu uma gravata na vítima e, depois, a esmurrou, tomando-lhe o par de tênis, em seguida.
  6. Da ação dos acusados resultou a violação de um bem jurídico penalmente tutelado. Portanto, a sua ação esteve em contraste com a ordem jurídica, se amolda ao modelo abstrato que o legislador ordinário definiu como crime.
A seguir, a sentenca.

E, agora, doutor, como fica sua promoção

Devo sublinhar, a guisa de esclarecimento, que não trabalho, não ajo, não falo, não escrevo, não decido, não durmo, não acordo, não estudo, não leio e não reflito pensando em promoção. A promoção não é um fim a ser alcançado de qualquer sorte, a qualquer custo, seja como for. Eu já disse e repito que cargo nenhum dá dignidade a quem não a tem. Eu já disse e repito que não serei mais ou menos feliz sendo promovido.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Abaixo um excerto da crônica.
  1. O que me afligi não é a perspectiva de não ser promovido. O que me agasta é, por exemplo, não realizar uma audiência, porque não há estrutura para cumprirem-se os mandados. Nesse sentido, alcançasse, amanhã ou depois, uma promoção, uma das minhas frentes de luta seria dar condições de trabalho aos magistrados do primeiro grau, ainda que, para isso, tivesse que renunciar a quaisquer dos privilégios que existem hoje no segundo grau. Entendo, por exemplo, que os carros de representação serviriam muito mais à coletividade se fossem destinados ao cumprimento de mandados judiciais. Não acho justo que se destine um carro para cada juiz de segundo grau, com motorista e combustível, e se negue ao juiz de primeiro grau o direito de realizar as audiências que designou, por falta de transporte para cumprirem-se os mandados. O interesse pessoal não pode se sobrepor ao interesse público.
Agora, a crônica, por inteiro.

O medo que mata

O medo, sabe-se, pode matar. Isso todos sabemos. A ansiedade, versão moderna do medo, também mata. A violência – coletiva ou individualizada – é uma espécie de câncer da alma. As vítimas de violência – diretas ou indiretas – correm o risco de desenvolverem algum transtorno emocional.
juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Ainda recentemente, nos autos do processo nº 1600162006, com vários acusados por crimes de roubo e formação de quadrilha, tive a oportunidade de examinar vários pedidos de LIBERDADE PROVISÓRIA, os quais foram todos indeferidos.
Do corpo da decisão que indeferiu os pleitos, transcrevo a seguir excertos relevantes, os quais, imagine, sirvam para refletir, em face da violência que grassa em nossa sociedade.

E, agora, doutor, como fica a sua promoção?

Voltando ao tema promoção, devo grafar que não sou dos tais que viva em função dela. Ser ou não ser Desembargador, para mim, não muda nada. Não sou dos tais capazes de qualquer sacrifício ascensão. O que almejo mesmo é desempenhar, com honradez, a parcela de poder que já está colocada sobre os meus ombros.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Passei toda a semana ouvindo essa indagação, em face da matéria – O MAGISTRADO, O MELIANTE DESTEMIDO E NOSSA CRISE MORAL – que foi publicada no Jornal Pequeno, no último domingo.
Devo dizer, a propósito, que não me referi no artigo em comento ao TJMA. Falei em tese! Devo sublinhar, ademais, que não trabalho, não ajo, não falo, não escrevo, não decido, não durmo, não acordo, não estudo, pensando em promoção. A promoção não é um fim a ser alcançado de qualquer sorte, a qualquer custo, seja como for. Eu já disse e repito que cargo nenhum dá dignidade a quem não a tem. Eu já disse e repito que não serei mais ou menos feliz sendo promovido. Eu gosto de ser juiz de primeiro grau, amo o que faço e me fortaleço decidindo solitariamente. Pelo menos decido apenas de acordo com as minhas convicções pessoais. Eventual promoção não é a ultima ratio, não é p sentimento que me move.

O magistrado, o meliante a nossa crise moral

Do servidor público em geral se exige transparência e retidão. Do magistrado exige-se muito mais que transparência e retidão. Do magistrado exige-se, sem duvidança, sem espaço para dissimulação, além de transparência e retidão, prova inequívoca de que não uso o seu gabinete para fins inconfessáveis, de que não amealhou bens materiais incompatíveis com os seus rendimentos.
Do servidor público se deve exigir postura ética. Do magistrado se exige muito mais. O magistrado não tem o direito de negociar com outros poderes a troca de favores e de cargos para abrigar os seus apaniguados, os seus nepotes e seguazes.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Exige-se de um magistrado postura moral e vida pessoal ilibada. Ao magistrado não basta ser honesto. Exige-se de um magistrado muito mais. É necessário que seja e pareça honesto aos olhos dos seus jurisdicionados.
Nessa linha de entendimento, pode ser honesto, mas não parece honesto, quem teima na praga do nepotismo. Pode ser honesto, mas não parece, quem concede liminar sem competência para fazê-lo, para atender aos apelos dos amigos. Pode ser honesto, mas não parece, quem ostenta poder econômico incompatível com os seus rendimentos. Pode ser honesto, mas não parece ser, quem promove festas megalônomas, para impressionar os seus parecentes. Pode ser honesto, mais não parece, o magistrado que, sem fonte de renda alternativa, ostenta vida social incompatível com os seus rendimentos.

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Uma manhã de junho

Só mesmo quem tem aguda sensibilidade teria a capacidade de descrever, com tanta exatidão, com tanto talento, uma manhã de verão na ilha de São Luis. Muitos a veêm; poucos a sentem.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Criminal
“Junho chegou com as suas manhãs muito claras e muito brasileiras.É o mês mais bonito do Maranhão. Aparecem os primeiro ventos gerais, doidamente, que nem um bando solto de demônios travessos e brincalhões, que vão em troça percorrer a cidade, assoviando a quem passa, atirando ao ar o chapéu dos transeuntes, virando-lhes do avesso os guarda-sóis abertos, levando as saias das mulheres e mostrando-lhes brejeiramente as pernas.
Manhãs alegres! O céu varesse-se nesse dia como para um festa, fica limpo, todo azul, sem uma nuvem; a natureza prepara-se, enfeita-se; as árvores penteiam-se, os ventos gerais catam-lhes as folhas secas e sacodem-lhes a frondosa cabeleira verdejante; asseiam-se as estradas, escova-se a grama dos prados e das campinas, bate-se a água, que fica mais clara e fresca. E o bando turbulento não pára nunca e, sempre remoinhando, zumbindo, cantando, lá vai por diante, dando piparote em tudo o que encontra, acordando as pequeninas plantas, rasteiras e prequisoças, não deixando dormir uma só flor, enxotando dos ninhos toda a childradora república das asas. E as borboletas, em cardumes multicolores, soltam-se por aqui e por ali, doidejando; e nuvens de abelhas revoam, peralteando, gazeando o trabalho, e as lavadeiras, que vadias! brincam ao sol, sobre os laos, dançando ao som de uma orquestra de cigarras”
O excerto acima suguei do romance o O Mulato, do maranhense Aluísio de Azevedo, escrito em 1881, com o qual inaugurou um novo estilo literário: o naturalismo. Esse romance, sabe-se, causou escândalo na sociedade maranhense, não só pela crua linguagem naturalista, mas sobretudo pelo assunto de que tratava com mais profundidade: o preconceito racial.
Relendo-o, agora, mais maduro, com os cabelos encanecidos, mais sensível e mais humano – diferente do que era quando o li pela primeira vez, impregnado pelo idealismo de Fidel Castro e Che Guevara – pude me deleitar, como não o fiz no passado, com essa fulgarante narrativa do renomado escritor maranhense. Relendo-o revivi um pouco do que senti quando cheguei a São Luis no início da década de sessenta. Recordei-me, com saudade dos passeios de bonde, do vento que soprava, das pipas que cruzavam o céu azul e sem nuvens do bairro do Monte Castelo.
Só mesmo quem tem aguda sensibilidade teria a capacidade de descrever, com tanta exatidão, com tanto talento, uma manhã de verão na ilha de São Luis. Muitos a veêm; poucos a sentem.