Só mesmo quem tem aguda sensibilidade teria a capacidade de descrever, com tanta exatidão, com tanto talento, uma manhã de verão na ilha de São Luis. Muitos a veêm; poucos a sentem.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Criminal
“Junho chegou com as suas manhãs muito claras e muito brasileiras.É o mês mais bonito do Maranhão. Aparecem os primeiro ventos gerais, doidamente, que nem um bando solto de demônios travessos e brincalhões, que vão em troça percorrer a cidade, assoviando a quem passa, atirando ao ar o chapéu dos transeuntes, virando-lhes do avesso os guarda-sóis abertos, levando as saias das mulheres e mostrando-lhes brejeiramente as pernas.Manhãs alegres! O céu varesse-se nesse dia como para um festa, fica limpo, todo azul, sem uma nuvem; a natureza prepara-se, enfeita-se; as árvores penteiam-se, os ventos gerais catam-lhes as folhas secas e sacodem-lhes a frondosa cabeleira verdejante; asseiam-se as estradas, escova-se a grama dos prados e das campinas, bate-se a água, que fica mais clara e fresca. E o bando turbulento não pára nunca e, sempre remoinhando, zumbindo, cantando, lá vai por diante, dando piparote em tudo o que encontra, acordando as pequeninas plantas, rasteiras e prequisoças, não deixando dormir uma só flor, enxotando dos ninhos toda a childradora república das asas. E as borboletas, em cardumes multicolores, soltam-se por aqui e por ali, doidejando; e nuvens de abelhas revoam, peralteando, gazeando o trabalho, e as lavadeiras, que vadias! brincam ao sol, sobre os laos, dançando ao som de uma orquestra de cigarras”
O excerto acima suguei do romance o O Mulato, do maranhense Aluísio de Azevedo, escrito em 1881, com o qual inaugurou um novo estilo literário: o naturalismo. Esse romance, sabe-se, causou escândalo na sociedade maranhense, não só pela crua linguagem naturalista, mas sobretudo pelo assunto de que tratava com mais profundidade: o preconceito racial.
Relendo-o, agora, mais maduro, com os cabelos encanecidos, mais sensível e mais humano – diferente do que era quando o li pela primeira vez, impregnado pelo idealismo de Fidel Castro e Che Guevara – pude me deleitar, como não o fiz no passado, com essa fulgarante narrativa do renomado escritor maranhense. Relendo-o revivi um pouco do que senti quando cheguei a São Luis no início da década de sessenta. Recordei-me, com saudade dos passeios de bonde, do vento que soprava, das pipas que cruzavam o céu azul e sem nuvens do bairro do Monte Castelo.
Só mesmo quem tem aguda sensibilidade teria a capacidade de descrever, com tanta exatidão, com tanto talento, uma manhã de verão na ilha de São Luis. Muitos a veêm; poucos a sentem.