OS SONHOS NÃO ENVELHECEM

Os que me veem envolvido e determinado à frente da Corregedoria-Geral de Justiça se indagam – e indagam a mim – onde encontro estímulos, força de vontade e determinação para, quase quarenta anos depois de ter ingressado na magistratura, continuar lutando com a mesma determinação, apesar de todas as frustrações, de todas as dificuldades pelas quais passamos para o desempenho do nosso desiderato, na medida em que temos problemas estruturais, de todos conhecidos e quase insuperáveis, apesar dos avanços que temos testemunhado, fruto das sucessivas e exitosas administrações do Poder Judiciário do Estado do Maranhão.

Os que estão no meu entorno, ademais, se surpreendem com a minha inquietação na busca de caminhos que possam nos levar à entrega mais rápida do provimento jurisdicional, de cuja inquietação nasceram os projetos Juiz Extraordinário, Analista Extraordinário, Secretaria Extraordinária, Oficial de Justiça Extraordinário e Processo em Movimento, pensados para minimizar as nossas reconhecidas deficiências e, por consequência, alcançar melhores índices de produtividade, do que resultará, como almejo para esses dois anos à frente da Corregedoria-Geral de Justiça, a produtividade extraordinária que todos queremos e sonhamos.

Apesar de desalentado, algumas vezes, com as dificuldades que impedem os nossos magistrados de alcançarem a produtividade que a sociedade espera do Poder Judiciário, persisto – persistimos todos, afinal – na mesma faina, sem perder a esperança, que, afinal, no arsenal das desgraças colocadas pelos deuses na caixa de Pandora (metáfora invocada para ilustrar) nela foi mantida, para o nosso alento e para que nunca percamos a fé diante dos infortúnios que a vida nos reserva.

A propósito e para os que ainda se surpreendem com a minha determinação, já caminhando para deixar a ribalta, tenho verbalizado, nas minhas diversas manifestações, que os sonhos não envelhecem, que a minha determinação segue inabalada, que sou movido pela esperança, crendo, sinceramente, que, com determinação, criatividade e boa vontade é possível fazer muito mais do que temos feito, e os números que temos alcançado estão aí para provar que tenho razão.

Na linha de compreensão que todos temos de que os sonhos envelhecem, destaco que Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, atualmente Deputada Federal, política nordestina de conduta exemplar, ao completar 90 anos, disse, sem perder a fé, que a idade não tem peso para ela, que isso não a incomoda e que ainda vive pelo compromisso com a mudança. Disse, ademais, com especial sabedoria, que a esperança é revolucionária, para, adiante, arrematar, definitiva: “O sonho não cabe numa vida. Você parte e ele continua com as novas gerações”.

Aos setenta e um anos de idade, nos estertores da minha trajetória profissional, já tendo vivido mais do que me resta para viver, também sou movido pela esperança, pela fé inabalável que tenho de que, com um pouco mais de boa vontade e de determinação, podemos fazer muito mais, daí que, assim como a exemplar política nordestina, vou continuar lutando, tentando fazer o melhor que minha capacidade cognitiva me permite fazer, pois que é imorredoura em mim a minha crença de que dias melhores virão, ciente de que todos nós podemos ser melhores do que somos, seja na dor, seja no amor, como diz a conhecida canção popular.

É isso.

CARISMA E FASCINIO

Não se há de negar que há pessoas que, naturalmente, exercem fascínio sobre as outras, sem que compreendamos por que isso acontece. Há outras tantas que, sem nenhuma capacidade de atração, passam pela vida da gente sem que fixemos em nossa mente qualquer dado relevante da sua personalidade. Essas, algumas vezes exercendo cargos públicos de alta visibilidade, simplesmente são do tipo que “nem fede e nem cheira”.

Quem viveu os tempos idos que vivi testemunhou, por exemplo, o fascínio que Roberto Carlos exerceu – e exerce – nas multidões. Jovens de todas as classes sociais, com efeito – muitas das quais lhe seguem até os dias atuais com o mesmo entusiamo -, se descontrolavam com a simples aparição dele na televisão nas tardes de domingo, sendo sua apresentação a que causava maior frisson, a ponto de obscurecer a participação de tantos outros ídolos, para os quais restavam apenas as migalhas das atenções voltadas para o ídolo, coroado “Rei” de uma geração inteira, embalada e sensibilizada pelas suas canções, nas quais fala de amor como ninguém foi capaz de fazê-lo.

Muitos são os que se aventuram ao protagonismo nas mais diversas áreas, mas somente uns poucos exercem fascínio e carisma sobre as pessoas do seu entorno, muitas vezes de modo tão arrebatador que podem se tornar um perigo em face das pregações que fazem, da liderança que exercem, cujos exemplos mais cintilantes desse fascínio nefando, e que me vem agora à lembrança, foram Hitler e Mussolini.

Na vida pessoal, como acima antecipado, também é assim. Nos ambientes familiares há sempre uma pessoa que, pelo seu carisma e pelo seu fascínio, se torna o alvo das atenções, para a qual dispensamos especial atenção à fala, as suas ponderações e posições.

Para citar um exemplo mais distante, para não mencionar, por prudência, qualquer homem público dos dias presentes, ficou registrado na história o fascínio exercido por Osvaldo Aranha, sedução atestada em quase todos os relatos dos que com ele conviveram.

Osvaldo Aranha era quase uma unanimidade quanto ao seu carisma e encanto pessoais, reconhecidos, inclusive, pelos seus desafetos e por observadores mais severos de sua personalidade. Carlos Lacerda, a propósito, disse, certa feita: “Conversar com esse homem que fazia do charme um ponto de honra era um privilégio e um encanto”. Jânio Quadros, de seu lado, dizia: “Quem não quiser admirá-lo que evite conhecê-lo”. João Goulart: “Um verdadeiro colecionador de amigos e admiradores”.E por aí vão as manifestações em face do encanto, do poder de atração e do carisma de Osvaldo Aranha.

Diante dessa constatação, que poderia ser ilustrada com vários outros exemplos de pessoas igualmente fascinantes, a pergunta que importa para essas reflexões é por que umas pessoas são tão fascinantes e encantadoras e outras, tão boas quanto, tão bonitas quanto, tão elegantes quanto, não exerce a mesma sensação de deslumbramento?

Ninguém tem resposta para essa indagação, pois o carisma é inato. Quem é carismático nasce carismático.

Importa, a propósito, persistir indagando.

O que devem fazer os que, como eu, nascem sem nenhum poder de sedução?

De minha parte tento, pelo menos, quase sempre embalde, ser minimamente simpático, ainda que tenha consciência de que os que, como eu, nasceram casmurro, não seja uma tarefa fácil.

É isso.

A VIRTUDE PODE SER ENSINADA?

Respondendo à indagação, entendo que sim.

Adiante, as razões desse entendimento, sob uma perspectiva filosófica.

Pois bem. Sócrates, tido como os mais sábios dos homens, entendia que a virtude, assim como o conhecimento, pode ser ensinada – e, no mais das vezes, assimilada; e a prática de vida está aí mesmo para provar que o filósofo tinha razão, bastando a constatação de que as famílias virtuosas tendem a perpetuar o sentido da virtude por gerações.

Sócrates ia além, a propósito. Ele também ensinava que o controle sobre os próprios impulsos e desejos é crucial para uma vida virtuosa, no que também está certo, na medida em que, constatamos todos os dias, não são poucos os que, por impulso, e, noutro giro, em face de desejos incontidos/inconfessáveis, se afastam de uma vida virtuosa, que significa, numa compreensão bíblica, uma vida honrada e honesta.

É do mesmo filósofo a conclusão de que a virtude leva a uma vida de integridade e sabedoria, disso inferindo-se a relevância da indagação/título dessas reflexões, cuja resposta, creio, resulta de uma obviedade, ou seja, de que a virtude se aprende, sim.

Importa dizer, ademais, que a virtude, além da possibilidade de ser aprendida na convivência diária, deve, outrossim, funcionar como uma bússola interna, ou seja, como um guia para cada indivíduo em suas decisões diárias e nas suas relações com o semelhante, o que, nada obstante, não se tem observado, daí a constatação da existência dos conflitos que testemunhamos, nos seus mais variados matizes, no dia a dia, quer nas relações familiares, quer nas relações profissionais.

A virtude, como o conhecimento, exige, importa reconhecer, autoconhecimento e muita reflexão, pois que, só assim, o indivíduo poderá compreender os valores e princípios que norteiam uma vida que sempre se espera permeada de valores morais, que são os princípios que orientam, verdadeiramente, a conduta das pessoas em sociedade, os quais se revelam na oposição do bem em face do mal, e do correto em oposição ao errado.

Tenho entendido, a propósito do tema sob retina, que o ser humano, para cultivar a virtude, deverá, todos os dias e sempre, buscar uma imersão interior, ou seja, questionar, ponderar, refletir, intensamente, sofregamente, sobre a sua conduta e o seu comportamento ante as questões morais – altruísmo, honestidade, liberdade, igualdade, lealdade, tolerância – para, definitivamente, encontrar o caminho iluminado da virtude.

É preciso consignar que, nessa linha de pensar, nós nunca estaremos sozinhos, e que, como seres sociais, nunca deixaremos de ser influenciados, às vezes profundamente, pelas pessoas que estão em nosso entorno, daí, repito, a relevância da família, onde podem vicejar as virtudes que nos levem a sublimar os valores morais.

Diante dessa constatação, é forçoso, imperativo mesmo que construamos uma rede de relacionamentos virtuosa e saudável, do tipo que sublime justiça, equidade e respeito pelo semelhante.

É isso.

A ÁGUIA E O CORVO

A águia (nome popular dado a diferentes espécies de aves de rapina que se destacam por serem eficientes na captura de suas presas) tem pouquíssimos inimigos; um deles é o corvo (ave da família dos corvídeos, normalmente caracterizada por sua plumagem escura, popularmente interpretado como o sinal místico de mau presságio).

Para atacar a águia, o corvo se põe entre as suas asas, próximo à sua cabeça, quando ela está em pleno voo. Nessa privilegiada posição, é impossível a águia se defender dos ataques, mantendo-se o corvo infenso a qualquer reação, pondo-se a bicar-lhe a cabeça, incessantemente.

O que faz então a águia para se defender, diante dessa situação desfavorável? Desce ao chão para tentar se safar das bicadas? Ou permanece voando se submetendo às inclementes agressões?

Nem uma coisa e nem outra.

A águia, em sua defesa, sobe até uma altura que possa submeter o corvo à carência de oxigênio. Sem oxigênio, o corvo sucumbe e águia retorna a situação que lhe permita seguir em frente, livre das agressões.

Essa história serve como uma lição de vida para o enfrentamento das nossas dificuldades. É dizer, quando você se sentir atacado em pleno voo, nas mais diferentes situações da vida, você só tem duas alternativas: ou desce, se fragiliza, sucumbe, assume a derrota, ou sobe, altivo, definitivo e determinado, para, das alturas, com dignidade, com nobreza, vencer os adversários e as adversidades, infligindo derrotas aos inimigos, para, depois, seguir sua jornada. O pior a fazer é deixar tudo como está, permanecer inerte, não reagir.

Tenho tentado agir assim. Mas reconheço, nada obstante, que, às vezes, atacado pelos corvos (recutis: desafetos), tenho dificuldade de levá-los às alturas para tirar-lhes o fôlego, para, de consequência, derrotá-los. Ao reverso, reconheço, desalentado, que, muitas vezes, diferente da águia, me deixo abater em pleno voo, tamanha a minha fragilidade emocional diante dos reveses da vida, máxime os que vêm em detrimento da minha história – pessoal ou profissional.

É que, diante das adversidades, diante dos problemas da vida, eu simplesmente fico a remoer os pensamentos, fico a me martirizar, penso sempre no pior, faço projeções negativas, alimento a minha vida de maus pensamentos, incapaz que sou de enfrentar as intempéries da vida, conquanto saiba inevitável no mundo marginal em que vivemos, onde parcela significativa e perniciosa vive de maldades, perfídias, maquinações, de desprezo pela paz interior do semelhante.

Epiteto (filósofo grego estoico que viveu a maior parte de sua vida em Roma como escravo, nascido em Hierápolis, Turquia, falecendo em 135 d.C., em Nicópolis, Grécia) concluiu pela inevitabilidade de a vida nos esmagar, pouco importando quem somos. Diante do inevitável, deixou como legado, para o seu enfrentamento, três lições que destaco a seguir:

Lição I: Você não controla quase nada na vida;

Lição II: A única coisa que você controla é a sua mente; e

Lição III: O desejo te faz prisioneiro, por isso não deseje nada.

Importa para essas reflexões a segunda lição.

A propósito, nas minhas palestras tenho tentado me apresentar como um estoico. Mas vejo que, diferente de um estoico, eu não tenho nenhum controle sobre a minha mente, sobre os meus pensamentos, o que contrasta, ademais, com a visão de Marco Aurélio (ex-imperador romano, integrante da corrente estoicista) que ensinava que a virtude do homem é a aceitação das circunstâncias que não podem ser controladas, e que a qualidade dos seus pensamentos faz a diferença, na esteira do que ensinava Epiteto.

Pois bem. Eu nem sou de aceitar, passivamente, aquilo sobre o qual não tenho controle, nem tampouco tenha a capacidade de qualificar os meus pensamentos, incapaz que sou de depurá-los para me permitir ter qualidade de vida.

Diante de um problema, portanto, só sei remoer, só sei sofrer, povoando a minha mente de pensamentos desqualificados que terminam por me fragilizar, a deixar transparecer que, diferente do que prego, não sou estoico coisa nenhuma, e que, as vezes, diferente de uma águia, desço além do necessário, me tornando presa fácil aos corvos da vida.

É isso.

NO RECÔNDITO DO LAR

Não foram poucos os romances que li em que se refletia, em algum momento, sobre algo que só deveria ocorrer mesmo no recôndito do lar, ou seja, na intimidade, entre quatro paredes, para ninguém ver, para ser algo a ser vivido apenas pelos protagonistas.

Nessa perspectiva, o recôndito do lar sempre foi, para mim – e não só para mim – o ambiente para os afetos mais íntimos, para as ações mais reservadas entre pessoas que se amam e que se respeitam; ambiente onde o amor se revela, onde prazer ganha contornos insuperáveis.

Mas há, instalada noutros recônditos, perversa e malevolamente, numa outra dimensão, a maldade que muitas vezes viceja nas relações do homem com o seu semelhante, a revelar o outro lado da moeda, qual seja, de que o recôndito do lar pode ser, sim, um ambiente de alta toxidade, onde as práticas criminosas são, muitas vezes, reiteradas, só vindo a ganhar publicidade quando ocorre um desenlace fatal.

Digo isso porque testemunhei, na minha longeva existência, incontáveis casos de estupro, entre outros crimes, cujo cenário criminoso era o próprio lar, tendo como autores do fatos pessoas insuspeitas – pais, padrastos, avós, primos, tios, irmãos etc. – a demonstrar, definitivamente, que a maldade do homem não tem limites, a exigir de nós todos redobrada vigilância, o que não tem ocorrido, entrementes, como se viu, recentemente, em Imperatriz, com quase 800 Inquéritos Policiais, em face da Violência Doméstica, paralisados e sem solução na Central de Inquéritos e Custódia daquela cidade, crimes perpetrados exatamente no ambiente que deveria ser de paz, concórdia e harmonia.

É no recôndito do lar, importa reafirmar o óbvio, que se revela a violência doméstica, antessala, por exemplo, do feminicídio; violência que começa com um grito mais estridente, seguido de um empurrão aparentemente despretensioso, de um chega-pra-lá mais audacioso, para, na sequência, terminar numa cena de sangue.

Essa constatação está a exigir, de todos os responsáveis pelas instituições formais de controle social – Ministério Público, Polícias Civil e Militar e Magistratura – denodado desvelo no sentido de punir, exemplarmente, os autores dos fatos, sob pena de, da leniência decorrente de eventual inação, resultar, como efetivamente tem resultado, a sensação grave de impunidade, levando-nos, no mesmo passo e por via de consequência, a uma grave recalcitrância, que alimenta os índices de criminalidade e a grave e perigosa sensação de insegurança.

A propósito, ainda recentemente, o jornal O Globo, edição de 02 de agosto, noticiou algo extremamente grave e que todos já antevíamos, ou seja, que, dos 1.467 feminicídios ocorridos no Brasil, 64% foram praticados na residência das vítimas.

O mesmo jornal, na mesma matéria, noticiou, ademais, que, a cada ano, os números revelam um aumento preocupante da prática de tais crimes, precedidos do aumento de 9,8%, da violência doméstica, de 16,5% das ameaças, de 34,5% de stalking e 33,8% de violência psicológica, modalidades de violência que atingiram – pasmem! – 1,2 milhões de mulheres no ano passado, a evidenciar que algo precisa ser feito.

Segundo a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Brandão, a casa, ou seja, o recôndito do lar, como destaquei acima, é o local em que os agressores tentam ocultar a violência contra a mulher.

É como se o que acontece entre as quatro paredes não pudesse transcender o espaço público, de forma que as relações familiares e privadas estariam salvas de qualquer intervenção do Estado.

Temos que estar atentos.

Não podemos nos omitir em face dos sinais que vêm do recôndito de muitos lares, que, na verdade, são, muitas vezes, incubadores de marginais travestidos de homens de bem, mas que, de rigor, são um perigo em potencial para sociedade e, em particular, para as mulheres.

É isso.

A GLAMOURIZAÇÃO DA IGNORÂNCIA

Tenho convicção – todos temos, enfim – de que o mundo, depois do smarphone (rectius: internet), nunca mais será o mesmo. Com diz o poeta, nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia (Lulu Santos).

A internet, definitivamente, veio para o bem e para o mal, daí que todos somos, de alguma forma, vítimas – reais ou potenciais – do uso perverso que muitos fazem das redes sociais.

É que o homem, com um smartphone às mãos – e uma mentira/maldade na cabeça -, faz estrago, e é capaz, até, de mudar os rumos de uma nação, quando se vale da internet para, por exemplo, ludibriar os eleitores, que, muitas vezes, apaixonados/incautos/ignaros, acreditam em tudo que leem e veem, sem nenhuma preocupação com a verdade – implícita, oculta ou que não se manifeste claramente -; verdade que, para muitos, é apenas um detalhe.

A verdade é que, em face dessa perigosa realidade, nada se pode fazer, na medida em que estamos num mundo (digital) sem peais e regras, e, por isso mesmo, sem controle, no qual os limites estão submetidos ao crivo e ao desejo de cada um, certo que, para a maioria dos que habitam o mundo virtual, a verdade parece ser um indiferente, algo de somenos, a ser desprezada/vilipendiada ao sabor das circunstâncias e dos interesses mais mesquinhos, incompatíveis com a retidão moral que se espera de um cidadão de bem.

Não há, pois, o que fazer diante dessa cruenta realidade, à falta mesmo de uma normativa capaz de impor limites aos que teimam em agir à margem dos controles morais que deveriam permear as ações dos comprometidos com a paz social, na medida em que não são incomuns as manifestações que emergem da rede mundial de computadores capazes de causar desordem social.

É de rigor admitir que o mundo que se consolidou com a internet – na sua feição mais destruidora – estimula, lado outro, às ações dos mais espertos, dos lacradores, dos mais atilados, dos despudorados, dos inconsequentes, para os quais o único limite é a própria consciência; e, para quem não a tem, é, definitivamente, um mundo sem limites, campo fértil para vicejar a desfaçatez e o aviltamento.

Ao lado disso, e por isso mesmo, pode-se concluir que o mundo da internet é, também e do mesmo modo, o mundo da ignorância, da mentira, da pantomina, do vitupério e da maquiagem da verdade, da glamourização, enfim, da ignorância.

Nesse cenário, a verdade, a realidade factual, enfim, é algo descartável, sem nenhum valor, bastando, para dar azo a essa afirmação, constatar a quantidade de likes e comentários positivos em face de uma informação deturpada, máxime as viés ideológico, a partir do que tudo se potencializa.

Nesse panorama assustador, as mentiras e as desinformações que são veiculadas se transmudam em verdades, cujas consequências são, algumas vezes, imprevisíveis, sobretudo porque não são poucos os que, há alguns anos, passaram a se informar apenas em grupos de whatsapp, ambientes permeados, infelizmente, de lacradores e mentirosos contumazes, que, por paixão política ou outro sentimento qualquer, mas igualmente deletério, abominam, convenientemente, a imprensa profissional, que, por dever de ofício, checa as informações para, só depois, veiculá-las, conquanto se admita que, parte dela, como ocorre em qualquer sociedade democrática, esteja contaminada ideologicamente, à esquerda e à direita.

É isso.

NÃO SOMOS BONS JULGADORES DE NÓS MESMOS

Como fio condutor dessas reflexões trago à colação uma sábia lição de Marco Aurélio, segundo a qual a nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizeram dela, que complemento como uma lição, igualmente relevante, de Sócrates, para quem uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida.

A minha vida, a minha conduta, as minhas relações, tudo, enfim, como sói ocorrer, construí em face dos meus pensamentos, das minhas reflexões – bons e maus pensamentos; boas e más reflexões.

Agindo assim, pensando muito, sem nenhuma preocupação com a qualidade do que pensava, fui me equivocando aqui e acolá, fazendo julgamentos precipitados, numa ou noutra ocasião, moldando, com efeito, a minha personalidade, fincada, muitas vezes, numa falsa percepção da realidade.

É dizer, fui deixando que os meus pensamentos fossem construindo, positiva ou negativamente, as minhas impressões, introjetando em mim conceitos indesejados, perturbando e fragilizando algumas das minhas relações pessoais, a reafirmar as conclusões do sábio filósofo/imperador Marco Aurélio, de que a vida pode ser, sim, resultado da qualidade dos nossos pensamentos.

Nesse sentido, sempre fui mais hábil e atilado – e quem não é? – para julgar o semelhante, sempre em face do que me predispus a pensar sobre ele, que para julgar a mim mesmo, a reafirmar a constatação que o título dessa crônica encerra, ou seja, que não somos bons julgadores de nós mesmos – por conveniência, oportunismo ou mesmo falta de discernimento.

Há algum tempo, resultado de uma relevante evolução pessoal, tenho tido mais cuidado com a qualidade dos meus pensamentos, na medida em que, hoje tenho certeza, algumas das minhas condutas poderiam ter sido diferentes, as minhas relações teriam sido outras, meus julgamentos – sobre mim e sobre o semelhante – seriam diversos, se outros tivessem sido os meus pensamentos, se eles tivessem sido, enfim, mais qualificados.

Gosto de pensar sobre a vida e, claro, sobre as pessoas. Tudo que está no meu entorno é um alvo em potencial das minhas reflexões. Nesse sentido, todos os dias, ao amanhecer, depois de intensa reflexão, digo a mim mesmo, por exemplo, que quero ser, cada dia mais, um ser humano melhor, daí por que venho povoando a minha mente com pesamentos que possam me levar a evoluir, desenvolvendo em mim a capacidade que poucos têm de julgar as próprias ações, com a mesma sofreguidão com que julgo as ações do semelhante.

Tenho, sim, a exata noção de que o mundo precisa de pessoas melhores. É que, não se pode negar, há muita gente ruim sobre a terra, ruindade que decorre, é possível concluir, dos maus pensamentos que povoam a sua mente.

A verdade é que estamos quase sempre prontos para julgar o semelhante em face de pensamentos desqualificados que cultivamos, condenando-o, sem ampla defesa e sem contraditório – sumariamente, portanto -, pelos mesmos erros que não raro cometemos, mas que, tratando-se de nós mesmos, tendemos a tergiversar, a fazer vista grossa, a reafirmar que não somos bons julgadores de nós mesmos.

Somos assim, infelizmente: bons e atilados julgadores das condutas do vizinho, do desafeto, do inimigo, para, no mesmo passo e com o mesmo esmero, condescender com os nossos próprios erros.

É isso.

MUDAR PARA DEPOIS MUDAR O MUNDO

Faço essas reflexões inspirado em Nélson Mandela (Mvezo, 18/07/1918 – Joanesburgo, 5 de dezembro de 2013), presidente da África do Sul de 1994 a 1999, que, como sabido, lutou tenazmente contra o Apartheid, permeando sua vida com muitas batalhas e ensinamentos, tendo sido, em face dessa renhida luta contra a segregação no país africano, condenado à prisão perpétua em 1964, sendo libertado apenas em 1990, para, em 1993, como reconhecimento pela sua luta, receber o Prêmio Nobel da Paz.

Mandela ensinava, por exemplo, que “uma das coisas mais difíceis não é mudar a sociedade, mas mudar a si mesmo”, constatação que me levou a essas reflexões, ante a convicção, fruto da minha rica experiência de vida, de que a mudança de comportamento é uma das atitudes mais nobres do ser humano – dependendo, claro, da direção tomada.

É lamentável, no entanto, que muitos insistem em seguir na mesma direção, em persistir cometendo os mesmos erros, insistindo nas mesmas atitudes, destruindo pontes, aqui e acolá, dificultando as relações, tornando a convivência mais difícil entre os mortais.

É que muitos não compreendem que a mudança de comportamento é um sinal eloquente de que algo mudou na sua própria vida, mudança que pode, sim, dependendo do alcance, modificar, no mesmo passo, a vida das pessoas que estão no entorno.

A verdade é que há muitos que querem mudanças, que reclamam da direção que o mundo tomou, mas que seguem na mesma balada, exigindo mudanças apenas para os outros, pregando nas redes sociais o que não é sua prática de vida, vendendo uma imagem distorcida da realidade.

Aqueles que se recusam a mudar, persistindo nos mesmos erros, seguindo na mesma direção, são condescendentes apenas com seus próprios equívocos e dos que pensam e agem como eles, reservando para o congênere/inimigo as críticas mais tenazes, quando não a sua mais empedernida incompreensão, disso resultando a óbvia conclusão de que, por mais que almejemos, não mudaremos a sociedade se não somos capazes de mudar a nós mesmos.

A verdade é que todos queremos que os outros mudem. São poucos, no entanto, os que assumem minimamente o desejo de mudar, preferindo, ao reverso, fazer apologia do nefando apotegma segundo o qual “nasci assim, vou morrer assim”.

Forçoso admitir, pois, nesse cenário, que, se não mudamos, se persistimos na mesma postura, exigindo do semelhante o que não exigimos de nós mesmos, tudo ficará como sempre foi.

Superadas a fase do amadurecimento e eventuais traumas, que nos impõem uma necessária mudança de comportamento, pela dor e pelas circunstâncias, o desafio é mudar espontaneamente, desafio que, na minha avaliação, só será enfrentado por uma parte quase irrelevante da sociedade, na medida em que as pessoas, se valendo da máxima segunda a qual “pau que nasce torno, morre torto”, se recusam a mudar, conquanto insistam em condenar a postura dos que, do mesmo modo, seguem na mesma balada.

Deveríamos, sim, com lucidez, nos permitir uma transformação comportamental capaz de nos tornar melhores, sem que tenhamos que ser instados por fatores externos, por um revés, por situações traumáticas ou por infortúnios, a partir de uma longa jornada introspectiva capaz de nos fazer repensar a vida, repensar os nossos valores, as nossas relações, quer familiares, quer profissionais.

É claro que não é fácil uma mudança de comportamento que decorra apenas e tão somente do desejo de mudar, o que só ocorrerá, desde a minha compreensão, diante de uma grande evolução interior, que começa com o querer mudar, cumprindo destacar, para ilustrar, que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares” (Fernando Teixeira de Andrade).

É isso.