Um dia desses, tive oportunidade de ouvir numa emissora de rádio, uma entrevista com uma destacada pessoa do show business. Em determinado momento, o entrevistador pediu ao entrevistado que declinasse algo que tivesse feito e em razão do que teria se arrependido. Ele, sem titubeio, sem enleio ou meias palavras, respondeu que: “de tudo que viveu, só guardava arrependimento pelo que não fez”.
Essa afirmação, pela sua relevância, me levou a essas reflexões, conquanto já a tivesse ouvido em outras oportunidades, pois não acredito, sinceramente, que alguém tenha passado pela vida e não tenha se arrependido de nenhum ato praticado.
A estupefação foi maior, porque logo me imaginei sendo entrevistado e instado a responder a mesma pergunta. Eu não perderia a oportunidade de enumerar os arrependimentos que permeiam a minha vida, um dos quais, seguramente, foi ter levado a vida muito a sério desde a mais tenra idade, esquecendo-me, muitas vezes, de ser criança quando era apenas uma criança, antecipando, quiçá injustificadamente, as preocupações que deveriam ser próprias dos adultos.
O certo é que, instado a refletir em face da entrevista, e ainda que não tivesse que responder a nenhuma indagação, fiz, de súbito, uma retrospectiva, brevíssima, da minha vida, e conclui, sem dificuldades, que havia cometido muitos erros, como o que antecipei acima, em razão dos quais me arrependo até os dias atuais.
Penso, sinceramente, que só uma pessoa muito arrogante, que se imagina autossuficiente, ou insensível, ou do tipo que prefere o autoengano, pode afirmar, por vaidade ou por precipitação, que tenha passado pela vida sem praticar qualquer ato em razão do qual não tenha se arrependido.
Já tive a oportunidade de refletir, aqui mesmo nesse espaço, sobre falsos apotegmas que, para mim, traduzem, muitas vezes, apenas um perigoso excesso de autossuficiência – quando não arrogância -,como ocorre, por exemplo, com quem diz que “se pudesse voltar no tempo, faria exatamente tudo do mesmo jeito”, ou com quem afirma, peremptoriamente, como fez o entrevistado, que declarou só ter se arrependido na vida daquilo que não fez, como se tivesse plena convicção de que, se fizesse o que não fez, o faria acertadamente, infalivelmente.
Afirmações arrogantes como as aqui mencionadas se contrapõem, afrontam, hostilizam, a mais não poder, a lógica da vida. Afirmações como essas, digo mais, são uma agressão ao bom senso, à nossa condição de seres humanos.
Melhor mesmo, tenho consignado nos meus escritos, é ser humilde, é admitir que erramos, que somos falíveis, é constatar que não se muda de vida, de conduta ou de comportamento com arrogância, pois prepotência e arrogância são péssimas conselheiras.
Não é possível viver sem atropelos, sem errar, sem cair aqui e levantar acolá. É normal seguir por uma via equivocadamente escolhida e ter que mudar de direção. Daí a conclusão de que os que dizem que só se arrependem do que não fizeram são do tipo que, mesmo enxergando os erros, ou sabendo que não fizeram a escolha certa, e que podem, por isso, ter prejudicado alguém pelo erro ou por uma má conduta, ainda assim, por lhes faltar humildade, preferem dourar a pílula; são do tipo que deprecia a inteligência alheia, para quem os erros estão sempre nos outros, para, nesse passo, proclamarem a sua infalibilidade.
Até aonde a minha vista alcança, nenhum ser humano, desses iguais a nós, passou pela terra sem cometer erros, conquanto possa, até, em razão deles, não ter se arrependido, por pura arrogância. Admitir o contrário é crer no ser humano infalível, tipo semideus, desses que vêm à terra por descuido.
Eu, diferente de muitos, já me arrependi incontáveis vezes do que fiz e do que deixei de fazer. Posso citar alguns exemplos. Arrependo-me, até hoje de não ter seguido o magistério, concomitantemente com a magistratura, anotando, todavia, que não foi por falta de oportunidade que deixei de viver essa fantástica experiência, mas por falta de segurança e também por eu me julgar incompetente e imaturo.
Arrependo-me, ademais, de ter me dedicado exclusiva e diuturnamente ao trabalho, razão pela qual deixei de fazer outros cursos para complementar a minha formação humanista. É que, ingressando na magistratura, perdi o horizonte, pois só o fato de ser juiz já me bastava, e estudar nos melhores manuais me parecia o suficiente. Nessa faina, fixei residência nas minhas comarcas e me dediquei de corpo e alma, tempo integral, ao honroso mister, estreitando o meu campo de visão.
Nos dias presentes, passados tantos anos, e com a minha carreira consolidada, nada mais me importa se não procurar fazer tão bem feito quanto possível o que me propus a fazer, na certeza de que, por não ser infalível, continuarei a errar, embora lutando sempre para minimizar os meus erros.
O tempo passou e ficou para mim apenas o arrependimento pelo que não fui capaz de realizar e pelo que fiz equivocamente, a reafirmar que eu, diferente de muitos, me arrependo de muitas coisas que fiz e muito mais ainda do que deixei de fazer por falta de experiência, covardia, insegurança, conveniência, preguiça ou acomodação.