“[…]O futuro é, portanto, logo ali; inevitavelmente ali, muito próximo da gente, tanto que posso, com a minha capacidade reflexiva e algumas ponderações, vê-lo se aproximando, celeremente, de maneira inclemente, batendo à porta, insolente, sem controle, inevitavelmente. Ele, o futuro, o porvir, está mais próximo de nós do que somos, muitas vezes, capazes de imaginar[…]”.
Não sei aonde li a frase que tomo de empréstimo para dar título a essas reflexões. Não sei, portanto, de quem é a sua autoria. Mas achei que, a partir dela, seria possível fazer uma interessante reflexão, sem me importar, e peço desculpas pela insolência e falta de fidelidade, se o autor da frase pretendia, a partir dela, desenvolver o raciocínio que vou desenvolver aqui e agora.
O ponto de partido dessas reflexões, isso eu sei, será o que, imagino, possa ser inferido em face da frase em comento, tão bem construída, tão profundamente construída, e a partir da qual imagino poder fazer uma análise que me conduza a uma avaliação das consequências do que fazemos hoje, em face do porvir.
Nesse sentido, posso iniciar dizendo que, como traduz no título – desde a minha interpretação, claro -, a ninguém é dado o poder de aprisionar o futuro, dado a sua óbvia inevitabilidade.
Não se tem, portanto, como evitar, intervir, enfim, no porvir, a menos que nos faltem a vida ou a capacidade de discernimento para a efetiva constatação da sua inevitabilidade.
O futuro é, portanto, logo ali; inevitavelmente ali, muito próximo da gente, tanto que posso, com a minha capacidade reflexiva e algumas ponderações, vê-lo se aproximando, celeremente, de maneira inclemente, batendo à porta, insolente, sem controle, inevitavelmente. Ele, o futuro, o porvir, está mais próximo de nós do que somos, muitas vezes, capazes de imaginar.
Vivemos fazendo planos a longo prazo, como se o futuro fosse algo distante, como se pudéssemos aprisiona-lo distante para impedi-lo de nos atingir. Todavia, quase que inesperadamente, somos surpreendidos com o futuro que chegou, com todos os seus consectários, com as consequências que decorrem da passagem inclemente do tempo.
Temos, portanto – e é bom que não nos iludamos – compromisso com o futuro, data marcada para esse encontro, para inevitabilidade desse encontro. Por isso é preciso viver o presente, curtir o presente, saber estar no presente, sem se olvidar de que o futuro é logo ali, muito próximo, próximo mesmo.
É preciso, portanto, se preparar para o que virá à frente, pois é lá, mais adiante, que vamos prestar contas dos nossos atos, das nossas ações, dos nossos erros, das maldades que fizemos, da dor que proporcionamos ao semelhante.
O futuro chegará, sim, às vezes mais breve do que imaginamos. Nessa hora, teremos, inexoravelmente, que prestar contas das nossas ações; seremos forçados a parar para pensar, sobretudo quando sentirmos as nossas forças se esvaindo, sem tempo para rever as nossas ações, os nossos erros, o mal que fizermos ao semelhante. Veremos, nessa hora, a vida escapando das mãos como um sabonete molhado.
É que a vida segue; tudo flui, enfim. Nada é eterno. Ninguém banha nas mesmas águas de um rio duas vezes (Heráclito). Assim sendo, logo, logo estaremos no futuro. E é lá, no futuro, que pagaremos pelos nossos erros ou colheremos os frutos do bem que realizamos, da obra que edificamos, da história que construímos. E feliz será aquele que, diante do futuro, com os olhos voltados para o passado, não se constranger em face do caminho que trilhou, da história que construiu, das renúncias que fez, da postura que adotou para preservar o seu nome e o respeito de sua família.
Do futuro, não tenha dúvidas, repito a obviedade, nenhum de nós escapará, ainda que, para alguns, o futuro já tenha chegado sem que se apercebessem, embevecidos, tomados, muitas vezes, pela vaidade do cargo que exercem ou do poder que eventualmente lhe tenha chegado às mãos.
Mais dia menos dia teremos um encontro marcado com o que virá. Pode estar próximo; pode estar distante, como dito acima. Mas será inevitável. E nesse dia, não adiante lamentar pelo que fez no passado. Por isso, é preciso, enquanto o presente não é futuro, que se faça uma revisitação das nossas ações, que sejamos capazes de refluir, de reexaminar, de rediscutir, de reavaliar, de repensar, de rever posições, enquanto é tempo.
Mas, antes, é preciso viver o presente, sem pressa, sem vexame, contemplando as coisas belas, contemplando o que for bom de ser contemplado, vivendo intensamente, sem cultivar esperanças impossíveis, afinal, como diz Umberto Eco, quem cultiva sonhos impossíveis já é um perdedor (Número Zero); sem pressa diante das coisas boas, sem sentimentos maldosos, pois que, afinal, com diz Carlos Ayres Brito, o sentimento abre as portas do pensamento, e assim, quando se começa uma atividade racional pelo sentimento, já começamos bem as nossas tarefas intelectuais.
O que fazemos nos dias presentes, não se perde por esperar, virá no futuro para nos punir ou nos premiar, conquanto compreenda que não se deva fazer algo com o objetivo de ser recompensado, da mesma forma que não se deve fazê-lo apenas pelo prazer de fazer o mal.
Devemos fazer o que pede o coração, o que aconselha a razão. E quem age racionalmente e tem um bom coração, sempre colherá bons frutos, porque tende a fazer o bem.
Quando não guardamos magoas, quando não projetamos nenhuma vingança em face do mal que nos fizeram, quando não procuramos magoar os corações, fiquemos certos, todos os corações estarão a nosso favor (Voltaire)