Sempre acreditei no amor, na tolerância, na gentileza e na justiça, mas tenho constatado que a gentileza, por exemplo, aos poucos vai se esvaindo das nossas relações com o semelhante. E para refletir sobre esses temas, decidi buscar inspiração no eminente professor Luis Roberto Barroso, renomado jurista brasileiro, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, que descreve a gentileza como algo imprescindível à vida humana. No discurso que fez na condição de paraninfo de uma turma da UERJ, intitulado “O Mundo aos Seus Pés”, ele diz que “ser gentil é como fazer a vida acontecer ao som de uma boa música”, e que, ademais, “a gentileza é um toque de classe em um mundo pragmático, apressado, indiferente”.
Assim como o ministro, também entendo que ser gentil, além de dar um toque de classe nas relações, faz bem à alma e apimenta as relações. Da mesma forma, estou convicto de que a prática do amor e da justiça alimenta a vida de pessoas, que assim como eu, não a têm como um fardo, mas como algo para ser comemorado, todos os dias, a cada hora, a cada instante, sob quaisquer condições.
A propósito dessas reflexões, pergunta-se: Será que já paramos pra pensar que, em determinadas ocasiões, podendo ser gentil e elegante, optamos, por pressa, pragmatismo, indiferença ou abuso de poder (neste caso por quem tenha o poder para dele abusar), pela indelicadeza, grosseria ou arbitrariedade, e que, em face dessa conduta – reprovável e, algumas vezes, mesquinha -, podemos ter feito a infelicidade de uma pessoa?
Vale refletir sobre isso, porque é muito provável que tenhamos magoado alguém em face de uma indelicadeza, de uma atitude indiferente, de uma falta de reconhecimento, de uma palavra de carinho ou de incentivo, de um ato de gentileza ou de uma atitude de benemerência.
Sob uma singular perspectiva da questão, todos sabem que, nas relações que travamos com o nosso semelhante, precisamos ser sinceros e, muitas vezes, objetivos. Logo, não se pode admitir a dissimulação ou a falta de objetividade, num mundo que tem pressa, e por isso mesmo está mais propenso a jingles do que a sinfonia.
Todavia, conquanto açodado, premido pelo tempo e pelo pragmatismo que permeiam as nossas relações, é preciso ter cuidado com o excesso de sinceridade e de objetividade, porque disso pode resultar uma desnecessária indelicadeza, uma falta de gentileza, uma deselegância, ciente de que sinceridade e objetividade não são, definitivamente, sinônimos de falta de educação, de incivilidade, de arrogância ou prepotência.
Podemos ser sinceros, sim; aliás, devemos ser sinceros sempre, sem fazer uso de rodeios, de dissimulações ou fugas. Contudo, devemos tomar cuidado para não confundir sinceridade com grosseria, falta de educação, incivilidade, ainda que, circunstancialmente, entendamos ter tido um direito malbaratado ou que tenhamos recebido um tratamento descortês, sobretudo quando temos uma posição de destaque na sociedade, porque, nesse caso, a grosseria e a falta de educação chegam ao paroxismo, servem de crítica, expõem desnecessariamente até mesmo a instituição a que pertencem os que não são capazes de recolher as armas, de retroceder, de contar até dez.
Não é bom para nenhuma relação, ainda que seja uma relação de consumo, a postura excessiva, mal-educada, grosseira. A invocação do poder, a prática da “carteirada”, sobretudo, é abominável, a merecer o nosso mais veemente repúdio.
Essa história de que “não guardo almoço pra janta”, que “o que tenho que dizer digo na cara”, que “não sou de levar desaforo para casa”, ou o famigerado e abominável “sabes com quem estás falando”, é própria de pessoas mal-educadas, grosseiras, incivilizadas e despreparadas para o exercício do poder, que em nada contribuem para as relações sociais, que, repito, devem ser estabelecidas à luz da gentileza e da tolerância, conquanto, muitas vezes, sejamos instados a sair da linha, a abandonar o prumo e a tolerância.
Mesmo diante de uma séria desinteligência, mesmo diante de eventual desrespeito a um direito, devemos conter o ímpeto, contar até dez, tentar resolver o desentendimento sob os auspícios da gentileza, da fraternidade e da educação; e, para os que detém um naco do poder, é de bom alvitre que se abstenham das “carteiras”, que são próprias de pessoas despreparadas para o exercício do poder.
É preciso ter presente que ninguém sai diminuído de um desentendimento por ser gentil, por responder a uma agressão educada e civilizadamente. Mesmo numa discussão na qual tenhamos sido agredidos desnecessariamente, podemos responder ao desafeto gentil e educadamente, como convém a uma pessoa equilibrada.
Numa desinteligência, todos podem constatar, quem grita mais alto é exatamente quem tem convicção de que está errado, por entender que, agindo assim, sobrepujará os argumentos de quem tem razão e, exatamente por isso, não precisa gritar, bastando apenas argumentar, civilizadamente, como há de se esperar de quem recebeu e assimilou bons ensinamentos.
Pratique a gentileza. A gentileza dá leveza às relações. Não use o poder de mando para desqualificar as pessoas, para ofender, macular, espezinhar; faça-o para dar forças, estimular, levantar, valorizar. Dê, enfim, um toque de classe em suas relações, e verá que, como sentenciou Voltaire, quando não se busca magoar os corações, todos os corações estão a nosso favor.