A revisão criminal, todos sabemos, nada obstante legislador a preveja como recurso, é uma ação penal de natureza constitutiva, de competência originária dos Tribunais, tendo por fim o reexame e a modificação de decisão condenatória transitada em julgado, em face de erro judiciário.
A revisão criminal, ademais, visa restabelecer o prestígio da justiça, muitas vezes ridicularizadada em face de um erro judiciário – como se viu, ad exempli, na edição do programa Fantástico, recentemente exibido – sabido, como acima anotado, que o seu pressuposto lógico é a existência de sentença transitada em julgado, i. e, que não comporta mais nenhum tipo de recurso.
Vê-se, portanto, que, tratando-se de um remédio destinado a reparar uma injustiça, deve ela (a revisional) merecer de nós, julgadores do 2º grau, redobrada atenção, para que, cá entre nós, não se repita o erro que se pretende reparar, convindo anotar que a revisão criminal é meio de impugnação exclusivo da defesa, pois o nosso ordenamento jurídico não contempla a revisão criminal pro societate.
É cediço, nesse passo, que qualquer decisão que importe em melhorar a situação do acusado – quer pela absolvição, quer pela redução da pena – atende aos objetivos da ação em comento, ainda que, em relação às penas, o órgão revisor o faça de ofício, em face de eventual omissão da inicial.
Tem acontecido, com maior frequência, de os acusados, nas revisionais, se limitarem a postular a sua absolvição, à alegação de que a decisão foi manifestamente contrária à evidência dos autos ( artigo 621, I, do CPP) ou em face de novas provas da sua inocência ( artigo 621, III, do CPP); raramente, portanto, tem-se alegado erro na dosimetria das penas, conquanto os erros, nesse sentido, se avolumem, a toda evidência.
Conquanto tenham, de regra, se mantido silentes os acusados acerca dessa questão, ou seja, dos erros a propósito da dosimetria das penas, tenho entendido, assim como meus pares, forte na melhor doutrina e na mais consentânea construção jurisprudencial, que é possível redimensioná-la(s) de ofício, por se tratar de questão de ordem pública, aferível de plano, portanto. Nesse sentido é a mais lúcida doutrina: “Considerando que a revisão criminal é uma ação de impugnação de caráter excepcional, somente admissível em favor do réu, nada impede que se produza uma decisão ultra petita, ou seja, não se aplicam aqui os rigores do princípio da congruência anteriormente estudado, de modo que o tribunal pode absolver o réu ainda que o pedido tenha sido de anulação do processo ou apenas uma diminuição da pena” ( Aury Lopes Junior, in Direito Processual Penal, 5ª edição, Vol. II, 2011, Lumen Juris, p. 603)
Feitas essas brevíssimas reflexões, apenas a guisa de introdução, vamos trabalhar com um caso hipotético, apenas para instigar o pensamento, convindo anotar, com Roberto Magabeira Unger, que a tarefa do pensamento “é a de confortar os aflitos e afligir os confortados” e, com Maria Rita Kehl, que a “paixão intelectual tem uma característa oposto à paixão sexual: enquanto esta quer exclusividade, aquela quer adesões. Quer ser compartilhada pelo maior número possivel de pessoas”. ( ambos citados por Luis Roberto Barroso, no artigo Direito e Paixão, capturado no site Mundo Jurídico)
Compartilhar as minhas reflexões, o meu pensamento, enfim, é propósito do tema sob retina; é a ambição que pretendo exteriorizar nessas linhas.
Pois bem. Vamos a um caso hipotético, apenas, repito, para instigar.
Determinado acusado postula, em sede de revisão criminal, a sua absolvição, à alegação de que a decisão sob ataque foi manifestamente contrária à evidência dos autos, com espeque, portanto, no inciso I, do artigo 621, do CPP.
O relator da revisional, depois de examinar o quadro probatório – sem o que, claro,não poderia mesmo emitir nenhum juízo de valor – , termina por concluir que a decisão de primeiro grau, no que se refere ao mérito, não merece reparo, razão pela qual vota pela improcedência do pleito, sem maiores considerações acerca da dosimetria das penas.
Ocorre que o magistrado revisor, em que pese alinhar-se ao entendimento do relator, no que condiz com o mérito, acaba por concluir que, em relação às penas aplicadas, o juiz prolator da sentença exacerbou a resposta penal básica, sem fundamentá-la. Diante dessa constatação, vota o eminente revisor no sentido, tão somente, de que sejam redimensionadas as penas, para que sejam fixadas no mínimo legal, vez que o juiz prolator da decisão, como antecipado acima, não cuidou de fundamentar a decisão, quantum satis.
Em face dos péssimos antecedentes do revisionando, realçados pelo relator, o voto do revisor não é seguido pelos seus pares, tendo em vista que, em face dele ( do voto do revisor) , o acusado, contumaz infrator, seria beneficiado – sem “merecê-lo”, no entanto – com o redimensionamento das penas – de multa e privativa de liberdade.
Diante do aparente impasse, surge uma terceira proposta, da lavra de outro ilustrado desembargador, no sentido de que as penas sejam reduzidas, não ao mínimo legal, mas a uma faixa intermediária. Essa proposta, pelo que contém de sedudora – afinal, trata-se, repito, de um réu recalcitrante -, termina por ser aceita pela maioria dos julgadores, contra o entendimento do revisor, que, claro, manteve a sua posição no sentido de que as penas fossem fixadas no mínimo legal, pelas razões suso mencionadas.
Os questionamentos que surgem dessa decisão- em face de um caso hipotético, repito – são os mais diversos. Elenco alguns deles, apenas para instigar.
Primeiro:
Carente de fundamentação a decisão originária, no que concerne à exacerbação da resposta penal, pode, agora, em sede de revisional, o órgão ad quem, majorar as penas acima do patamar mínimo, fundamentando a decisão que originariamente não foi fundamentada, substituindo, nesse passo, o juiz prolator da decisão que se pretende rescindir?
Segundo:
Ao analisar as circunstâncias judiciais – que, repito, não o foram na decisão hostilizada -, não estar-se-ia, pura e simplesmente, suprimindo a instância primária?
Terceiro:
Ao reparar o erro do juiz prolator da decisão, para, nesse cenário, majorar a resposta penal, ainda que em panamares menos elevados, não estaria o órgão fracionário promovendo uma revisão pro societate, proibida no ordenamento jurídico pátrio?
Desde o meu ponto de observação, registro, de logo, que, para mim, a Câmara, a qual eventualmente for ( hipoteticamente, repito) distribuida a revisional, não poderá, sob qualquer pretexto, substituir o julgador de primeiro grau. É dizer: se o juiz prolator da decisão sob ataque deixou de fundamentar, quantum sufficit, a majoração da resposta penal básica, ao órgão fracionário só resta redimensionar a pena para o mínimo legal – ou, noutro giro, anular a decisão, para que outra seja prolatada, sem, no entanto sob qualquer pretexto, emitir juízo de valor acerca das circunstâncias judiciais do artigo 59, do Codex Penal, que, nesse caso, escapa de sua competência.
Confesso que, até onde posso enxergar a quaestio, não consigo vislumbrar como poderá uma Câmara revisora elevar a resposta penal a níveis superiores ao mínimo legal, substituindo, nesse passo, o prolator da decisão, sem que o faça, por exemplo, sem supressão da instância primária.
Repito, sem temer pela exaustão, que a finalidade da revisão criminal é corrigir uma injustiça e restabelecer o status dignitatis de quem foi condenado indevidamente.
Repito, ademais, que, no Direito brasileiro, só existe revisão criminal pro réu; não há, pois, revisão criminal a favor da acusação ( pro societate), que , ao que parece, é o que ocorreria se a instância revisora procedesse como procedeu a Câmara no caso hipotético aqui emoldurado.