O poder de decidir não se delega.

O poder que tenho de decidir não delego a ninguém. A minha analista é da maior competência. Mas tenho convicção que a responsabilidade de decidir é só minha. Eu tenho necessidade de viver a emoção do processo, a emoção de decidir. A emoção de conceder uma liberdade, quando entendo que o acusado faz por merecer o benefício; e, lado outro, a emoção de negar o benefício, quando compreendo que a ordem pública reclama a manutenção de sua prisão.

Eu tenho a capacidade de ver o rosto do acusado e da vítima sobre o processo, quando vou decidir. Quando abro o processo, já tenho a convicção, pelo que vivenciei, se o acusado merece ou não ser colocado em liberdade.

Essa minha obstinação em decidir, em não delegar a ninguém esse poder, sacrifica a minhas horas de lazer. Mas é assim que gosto de viver a judicatura: intensamente, incessantemente, desbragadamente.

Nesse final se semana prolatei decisão em quatro pedidos de liberdade provisória – Inquérito Policial nº 018/2008, Processos nºs 8822008, 2381/2008 e 10144/2008 ( da 6ª Vara Criminal). Nesse mesmo final de semana decidi sobre um pedido de prisão preventiva (processo nº 4951/2008), prolatei uma sentença de pronúncia (processo nº10085/2005) e iniciei outra decisão, também de pronúncia ( processo nº 147762003).

Como se pode ver, o meu final de semana, como tem sido, de resto, desde que ingressei na magistratura, foi de grande produtividade.

Muitas dessas decisões eu poderia ter delegado. Mas não o faço. Eu quero viver a emoção de decidir, repito.

Sei que ainda vou fazer muito mais hoje, pois o dia ainda está amanhecendo. Mais tarde vou à praia, jogo umas partidas de vôlei e volto para casa. Tenho a tarde e noite para decidir. Pouco importa se hoje é domingo. Eu tenho a capacidade de trabalhar e me divertir. Uma coisa não interfere na outra.

Não sei quando vou postar este artigo, pois, no momento, 6h00 da manhã de domingo, não há energia no prédio onde moro e não estou podendo acessar a internet



 

Reminiscências – IV

Eu tinha um grave defeito: não levava desafora pra casa. Eu era do tipo bateu/levou. A juventude, a saúde, a necessidade de me fazer respeitar – ainda que fosse na marra – me fizeram irascível, intempestivo, impetuoso, destemperado, briguento, sangue quente.

Parte da minha fama de arrogante foi construída nessa fase, na qual os hormônios estavam em franca ebulição. Muitos não quiseram compreender que os jovens, normalmente, são assim mesmo. Só o tempo lhes doma, lhes põe freios.
Lembro que, certa feita, juiz de Presidente de Dutra, presidindo as eleições municipais, fui informado por um oficial de justiça que um cabo eleitoral do prefeito de Eugênio Barros, à época termo de Presidente Futra, estava apregoando, alto e bom som, num bar daquela cidade, com algumas doses de cachaça na cara, que sabia que eu – a quem ele chamou de juiz barbicha – iria roubar as eleições e que, portanto, era preciso ter muito cuidado comigo.

Diante dessa notícia, não hesitei. Mandei prender o desditoso cabo eleitoral, ainda queimado de cachaça, só lhe colocando em liberdade no dia seguinte, depois que, sóbrio, me pediu desculpas e prometeu jamais tocar no meu nome, em qualquer lugar. Loucura minha! Pura insensatez! Insanidade que só a inexperiência é capaz de explicar.

Claro que essa minha atitude foi menor e indigna de um magistrado. O homem público tem que saber conviver com esse tipo de crítica – e o magistrado com muito mais razão. Se pudesse voltar no tempo, não procederia mais dessa forma. Hoje, cabelos encanecidos, convivo muito bem com os que me criticam. E olhe que são muitos. Muitas vezes as críticas são, até, graciosas. Mas não me importo. Não passo recibo.

Ah! Como o jovem é impetuoso. Por isso acho que juiz tem que ter uma grande carga de experiência para poder julgar um semelhante. Quando assumi a magistratura, egresso do Ministério Público, eu ainda não tinha a dimensão, a noção exata da importância dos poderes que tinha – e tenho – nas mãos.

É por esses e outros comportamentos que digo que o poder não é para ser exercido por qualquer um. O homem com poder, ainda que seja só um fragmento, se não tiver experiência, tende a abusar, a fazer besteiras, como as muitas que fiz.

Agora, convenhamos, a prisão do cabo eleitoral em comento foi um santo remédio. Nunca mais tive notícia de que alguém fizesse menção desonrosa a mim e a meu comportamento enquanto magistrado.

Muitos continuaram bebendo e falando besteiras, mas, quanto a mim, se não gostavam ou se tinham algum comentário a fazer, preferiam o silêncio – ou o fizeram entre quatro paredes.

Isso é que eu chamo de imposição de respeito. É o respeito obtido na marra, quase por decreto.

Mas é um grave erro pensar que respeito se consegue dessa forma. E eu errei, sim. Tenho que admitir. O homem publico se impõe pelo que constrói.

Hoje sou respeitado – tenho certeza. Mas pelo meu trabalho, pela minha postura, pelas minhas decisões. Esse respeito é definitivo. Diferente daquele que a gente impõe na marra, que é passageiro.

A semana, o plantão e o acusado violento.

Tenho por hábito fazer sentenças e outras decisões mais complexas aos finais de semana. É que, durante a semana, mesmo trabalhando em três expedientes, não consigo realizar os trabalhos que exigem maior rigor intelectual. Em face disso, me programei para, durante a semana santa, prolatar algumas decisões.

Ocorreu, entrementes, que, para minha surpresa, fui designado pela Corregedoria para o plantão judicial. É dizer: durante toda semana, ao invés de me dedicar apenas à prolação de sentenças, fui obrigado a decidir acerca de várias questões menores – homologação de flagrante, pedidos de liberdade provisória, medidas cautelares, etc. – , porém relevantes. 

De todas as questões que examinei a que mais me impressionou foi a de um acusado que, por um mero desentendimento no trânsito, foi à sua residência, armou-se com um revólver, voltou ao local e efetuou cinco disparos contra a vítima. No mesmo dia da ocorrência foi protocolado um pedido de liberdade provisória.

Não é preciso dizer que o pleito foi indeferido. E nem podia ser diferente. Conceder ao autor do fato, no dia imediatamente após a ocorrência, liberdade provisória, seria, a meu sentir, um deboche, seria cuspir na cara da sociedade. Compreendo, e assim tenho decidido, que crimes desse matiz não autorizam que se contemple o autor do fato com liberdade.

Desde meu olhar, pedindo todas as vênis, o juiz que procede de forma diversa, estimula o exercício da justiça com as próprias mãos. Não se pode, diante de crimes desse jaez, agir como um autômato. É por isso que eu, com sangue nas veias, não faço concessões a meliantes perigosos. E não me importa como me julgam em face dessa posição.


Reminiscências-III

Quando cheguei em São Luis, em 1992 – portanto há dezesseis anos – , fui auxiliar o juiz titular da 7ª Vara Criminal. 

A vara estava um caos. Vários processos que procurei, a partir do livro de registro de autos, não encontrei. Havia processos com advogados, com promotores de justiça, com defensores dativos e com juízes. Era uma desorganização total. Total descalabro. Triste retrato da justiça do meu estado.

Por essas coincidências que ninguém é capaz de explicar, me titularizei exatamente na 7ª Vara Criminal.

Ao assumir a vara fiz uma correição e fiquei estupefato com o que vi. Havia processos com mais de dez anos em poder de alguns profissionais.

 

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Reminiscências – II

Quando ingressei no Ministério Público, nunca imaginei que a instituição fosse tão desacreditada, sobretudo no interior do Estado, onde, via de regra, não aparecia nenhum representante do Parquet. 

Pois bem, num determinado dia, estando em Pastos Bons, comarca pela qual respondia, vez que era titular da comarca de São João dos Patos, encontrei, na mesma residência onde fazia refeições, o então juiz Luis Almeida Teles.

A senhora, dona da pensão , cujo nome não recordo, me apresentou ao Juiz Luis Teles como Promotor de Justiça da Comarca. Dr. Teles, como era tratado, não perdeu a oportunidade e me deu uma gozada. Chamou algumas pessoas de sua comitiva e apresentou-me com ar de deboche. “Gente, aproveitem a oportunidade para conhecer um Promotor de Justiça. Eu não disse que a gente, nessa viajem, ainda encontraria um”. E arrematou: “Dr., o que é mesmo que faz um representante do Ministério Público?” 

Não preciso dizer que fiquei revoltado, mesmo porque tudo que fiz até hoje, fosse como membro do Ministério Público, fosse como membro do Poder Judiciário, foi com muita seriedade.

A minha dedicação ao Ministério Público era em tempo integral, como o faço, há mais de vinte anos, como integrante do Poder Judiciário. 

O que mais me revoltou foi que, desde meu olhar, a crítica não poderia ser destinada apenas aos membros dos Ministério Público, pois juizes, naquela área, eram, também, espécimes raras. A então juíza de Pastos Bons, por exemplo, só ia à comarca um dia por semana. É dizer: só trabalhava 04(quatro) dias por mês. Ela trabalhava em Pastos Bons e morava em Floriano no Piauí. Chegou a desembargadora. E por merecimento, registro.

O enfrentamento de uma preliminar, em face do direito de presença.

Com os argumentos a seguir, enfrentei uma preliminar de nulidade agitada pelo Defensor Público com atribuição junto a 7ª Vara Criminal, em face da retirada do acusado da sala de audiências, com espeque no artigo 217 do CPP.

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Impronúncia

Processo nº 193802005

Ação Penal Pública

Acusado: C.C. A.dos S.

Vítima: Wilkson Costa da Silva

 

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra C. C. A. dos S., brasileiro, solteiro, torneiro mecânico, filho de Rui Santana Sena dos Santos e Ivonete Brito Amorim Azevedo, residente e domiciliado na Rua Canadá, quadra 17-A, casa 10, Anjo da Guarda, por incidência comportamental no artigo 121, §2º, II, do Código Penal, em face de, no dia 16 de outubro de 2005, por volta das 02h30min, no chamado “corredor da folia”, na Av. Litorânea, nesta cidade, durante a festa do Marafolia, desferindo contra Wilkson Costa da Silva vários golpes de faca, causando-lhe a morte, cujos fatos estão narrados, em detalhes, na denúncia, que, por isso, passa a integrar o presente relatório.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls.07/16)

Auto de apresentação e apreensão do instrumento do crime às fls.16.

Recebimento da denúncia às fls.67/68.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 84/87.

Defesa prévia às fls. 90/92.

Laudo de exame biológico em arma branca às fls. 134

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas José Ubiratan Lopes Melo (fls.129/130), Marco Aurélio Galvão Rodrigues (fls.131/132), Abraão Jorge Garcia Machado (fls. 131) e Gleydson Amorim Vieira(fls.206/207)

O Ministério Público, em sede de alegações finais, pediu a pronúncia do acusado, nos termos da denúncia. (fls.211/215)

A defesa, de seu lado, pediu que seja o acusado absolvido sumariamente, porque teria agido ao abrigo da legítima defesa ou, na hipótese de pronúncia, que seja afastada a qualificadora e lhe seja concedido o direito de apelar em liberdade.(fls.217/225)

A defesa, noutra oportunidade, pediu a impronúncia do acusado, por faltar o indispensável exame cadavérico, prova material do crime. (fls.236v.)

 

Relatados. Decido.

 

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Reminiscência – I

O exercício do Poder, ainda que seja apenas um pequeno fragmento, determina, muitas vezes, o nosso destino, o nosso modo de ser, de pensar e de agir. 

O exercício do poder seleciona, até, as nossas “amizades”. O exercício do poder nos leva, muitas vezes, a navegar em águas revoltas.

Lembro, nesse sentido, que quando assumi a comarca de Presidente Dutra – minha primeira e mais difícil comarca – , fui obrigado a conviver com pessoas com as quais não nutria a mínima simpatia, para, no mesmo passo, afastar-me de pessoas pelas quais nutria um misto de admiração e respeito.

 

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