Abaixo o artigo, tal como foi publicado, na edição de hoje, do Jornal Pequeno.
Fui ao Cabana do Sol, restaurante, no dia 20 do corrente, domingo, com minha família. Tímido e pouco afeito aos cumprimentos públicos, coloquei os óculos escuros, e entrei no estabelecimento, com os olhos saltando do rosto, em busca de uma mesa.
Ao sentar-me à mesa, fui cumprimentado por um cliente que estava na mesa ao lado. Respondi ao cumprimento com um gesto, do modo que sei fazer, ou seja, de forma bem discreta, tímida, sem estardalhaço, mesmo porque não reconheci, de logo, de quem se tratava, malgrado me parecesse bem familiar.
Aproximou-se o garçom, com a solicitude habitual, a quem pedi uma cerveja, sem preocupação com a marca, com a condição de que viesse bem gelada, envolta no “véu de noiva”, como se diz no jargão dos aficionados, dos apreciadores da bebida.
Enquanto aguardava a cerveja, meu filho analisava o cardápio. Ele sabia que podia pedir o que quisesse, pois eu sou do tipo que não faz maiores exigências nessa questão – como de tudo, ou melhor, como de nada, vez que vivo eternamente de dieta.
Pois bem, antes mesmo de chegar a cerveja, o cidadão – o mesmo que havia me cumprimentado antes – levantou-se e dirigiu-se à minha mesa. Fiquei logo apreensivo, pois quando estou com minha família só gosto de dar atenção a ela e a mais ninguém – é que sou um pouco antissocial mesmo.
O cidadão se aproximou e me falou baixo, quase colado aos meus ouvidos, para que os que se faziam presentes não ouvissem:
– Desembargador, desculpa-me tê-lo cumprimentado pelo nome. Eu sei que vocês não gostam de ser chamados pelos nomes. Por ter cometido esse erro, estou pedindo desculpas.
Pronto! Reconheci a voz do cidadão. Agora sabia tratar-se de um dileto colega de faculdade. Estava muito diferente (o tempo é mesmo implacável), o que me impossibilitou de reconhecê-lo ao primeiro aceno.
Pedi-lhe desculpas pela quase desatenção, pelo cumprimento quase formal. Disse-lhe que não foi por maldade, nem por vaidade, como poderia ter deixado transparecer. Eu apenas não o reconheci de pronto, disse-lhe, quase pedindo perdão. Por não tê-lo reconhecido, disse mais, em minha defesa, que era mais do que natural que os cumprimentos ficassem restritos a um aceno de mão, um desinteressado gesto com a cabeça.
Mas, confesso, fiquei encabulado pela “descortesia”, conquanto tivesse plena convicção que não tinha agido em face da vaidade por estar no cargo que ora ocupo – a vaidade não é do cargo e nem prerrogativa dele, é da pessoa por estar nele -, o qual, por mais que pareça estranho, a mim não fascina, embora admita que, em face dele, me sinta lisonjeado e feliz, pois que é por meio dele que posso fazer alguma coisa pelos cidadãos do meu estado, sedentos de justiça.
Assim pensando, e assim estando, disse aos meus filhos da minha inquietação em face do ocorrido. Não só pelo fato de não ter reconhecido um colega dos tempos de faculdade, mas, sobretudo, por ter deixado transparecer que eu o tivesse tratado friamente por não gostar de ser chamado pelo nome – como se o meu nome de batismo fosse desembargador, como se eu não tivesse orgulho do nome que tenho.
Diante desse quadro de inquietação, tomei uma decisão. Eu não podia ficar com essa questão me “alugando“ a mente. Levantei-me da mesa, impus a mim mesmo uma quebra de ritual e das comezinhas regras de etiqueta. Fui à mesa do colega para abraçá-lo, para reiterar o pedido de desculpas, e para dizer-lhe que a mim pouco importa ser chamado de desembargador, que isso nada acrescenta à minha vida, que esse tipo de tratamento, muitas vezes, até me incomoda, sobretudo quando estou despido da toga, literalmente falando.
Acho que, em face de uma solenidade, durante uma sessão de julgamento, por exemplo, é recomendável que sejamos tratados formalmente. Mas na rua, nas esquinas, nos corredores do Tribunal ou em qualquer outra situação que não seja solene, não me apraz esse tipo de formalidade, que só serve para nos distanciar das pessoas. Prefiro ser chamado pelo meu nome de registro.
Claro que há quem goste e quem, até, exija que assim se faça, afinal não somos iguais. Mas cada é cada um. Não se deve condenar ninguém por isso.