O POVO BRASILEIRO E A SÍNDROME DA AVESTRUZ

“[…]Enquanto o povo, acomodado, a tudo assiste, sem esboçar a menor reação, o nosso dinheiro se esvai. São bilhões distribuídos em verbas parlamentares, as quais só Deus sabe o destino final, pois é pouco provável que sejam aplicadas, com o necessário rigor, em obras e serviços de interesse do povo[…]”

Com o perdão do clichê, devo dizer, beirando a obviedade, que vivemos atualmente uma quadra difícil – afirmação com a qual todos haverão de concordar -, proporcionada, sobretudo, por uma maioria significativa de homens públicos que só defendem os seus próprios interesses, aproveitando-se, o que é mais grave, de uma outorga popular.

Nunca, em tempo algum, as negociatas no parlamento nacional estiveram tão em voga, tão à luz do dia, tão evidentes, tão claras, a nos indignar a todos nós. A mercancia de votos no Congresso Nacional, com efeito, jamais foi feita com tanta clareza, com tanta pujança, tão desavergonhadamente, sem receio, sem titubeio, sem enleio, às claras, à vista de todos, como se deu recentemente, por exemplo, com a decisão que sustou a persecução criminal em desfavor do atual presidente da República.

Até onde a minha vista alcança, nunca o processo político esteve tão contaminado, tão degradado – no ápice de uma crise econômica grave, anote-se – pelo uso indiscriminado de verbas públicas, disfarçadas de emendas parlamentares e outras mesuras que, embora com a aparência de legalidade, são contaminadas pela imoralidade, pelos fins escusos a que se destinam, alfim e ao cabo.

Nunca se viu tanta grana do contribuinte sendo distribuída a parlamentares, à luz do dia, a nos afrontar, a nos agredir a todos, como um ultraje, um escárnio, consequência de ações que são próprias de quem acredita na impunidade, a considerar que muitos são os parlamentares investigados, abrigados, todavia, sob o manto do fórum privilegiado.

A ação despudorada de alguns dos nossos representantes beira a obscenidade e nos agride, nos insulta a todos, nos faz descrer da classe política, principal beneficiária das “negociações” que são feitas à luz do dia, sem nenhum recato, discrição ou pundonor, quase sempre em detrimento do interesse público.

O povo, principal vítima das negociações que são feitas para manutenção do status quo, com a distribuição indecorosa de cargos públicos, quase sempre para atender aos interesses pessoais dos parlamentares, a tudo isso assiste sonolento, omisso, inerte, cabisbaixo, conformado, quieto, anestesiado, em total estado de letargia.

A verdade é que, de rigor, diante do quadro de degradação moral que se descortina sob os nossos olhos, ninguém reage, ninguém protesta, as panelas, antes tão ativas, hoje dormitam numa gaveta de armário, como se tudo estivesse na mais perfeita ordem.

Enquanto o povo, acomodado, a tudo assiste, sem esboçar a menor reação, o nosso dinheiro se esvai. São bilhões distribuídos em verbas parlamentares, as quais só Deus sabe o destino final, pois é pouco provável que sejam aplicadas, com o necessário rigor, em obras e serviços de interesse do povo.

O que mais revolta em tudo isso é a desfaçatez dos beneficiados com as verbas, cargos públicos e outras benesses – que não é o povo, registre-se. O que causa indignação é ouvir parlamentares, sem nenhuma cerimônia, depois de devidamente contemplados, candidamente, como se fossem um exército de querubins, como se não tivessem a quem dar satisfação, afirmando, com evidente mofa, que votam de acordo com a sua consciência.

Enquanto isso, repito, o povo permanece inerte, indolente, indiferente diante de tantas traquinices, o que me leva a indagar inquieto, com perplexidade: o que levou o cidadão brasileiro, até há bem pouco tempo tão ativo, altivo e indignado, a se deixar levar pela síndrome da avestruz, a decidir, ao que parece, por enterrar a cabeça na areia para não confrontar a realidade, a não esboçar reação alguma diante das transações em benefícios de uns poucos – que, registre-se, já foram tenebrosas, envoltas em mistérios, disfarçadas, e hoje se mostram à luz do dia – que são realizadas em Brasília?

O que ocorre com o povo brasileiro, nos dias atuais, que resolveu não sair da comodidade de seu lar, como se vivesse no mais honesto dos mundos, como se não testemunhasse o Estado brasileiro ser inventariado, dilapidado, sucateado para atender à ambição de quem quer, a qualquer custo, se manter no poder e/ou dele tirar proveito?

Cá do meu canto, como atento observador da conjuntura, creio que o povo se acomodou porque simplesmente perdeu a esperança, tanto nas instituições quanto nos homens públicos que as representam.

O povo não acredita, com efeito, que saindo às ruas para protestar conseguirá fazer refluir as ações nefandas dos nossos representantes e muito menos conseguirá fazer com que as instâncias persecutórias punam exemplarmente os desvios de conduta, ante a óbvia constatação de que o que testemunhamos na famigerada Operação Lava Jato é apenas a ponta do iceberg, em face de uma sociedade carcomida pela cultura da corrupção.

Desde a minha compreensão, o que ocorre nos dias atuais é, pura e simplesmente, descrença, desalento com tudo o que está aí. O povo já não acredita que haverá mudança de comportamento dos homens públicos se optar por protestar, e nem acredita, ademais, que as instituições, como anotei acima, darão resposta pronta e eficaz para os desvios de conduta, motivos pelos quais se acomodou, perdeu a esperança.

Diante desse quadro de degradação moral e em vista da ineficiência das instâncias punitivas, o povo refluiu, perdeu a fé e preferiu ficar em casa, porque cansou de gritar, de sair às ruas, de bater panelas. Agora, desalentado, não reage, optando por viver a sua vida, horrorizado, escandalizado, anestesiado com tudo que vê.

O povo, lamentável constatar, cansou – e se acomodou, uma vez que não acredita em mais nada. Perdeu a fé nas instituições e nos homens públicos. Por isso, não reage. O povo sabe, é triste admitir, que indo ou não às ruas, tudo permanecerá como está. Nada mudará. E, o que é mais grave, muitos dos que protagonizam as negociatas que todos nós testemunhamos, valendo-se dos mandatos que lhes foram outorgados, serão reeleitos, para, mais uma vez, procederem da mesma forma, num círculo vicioso que destrói os nossos sonhos, as nossas esperanças.

A verdade é que ninguém acredita que, aderindo às manifestações ou simplesmente batendo panelas nas sacadas dos apartamentos, conseguirá mudar a conduta viciada e deletéria dos nossos representantes, posto que não há meios capazes de mudar a conduta de quem prefere ser contemplado com cargos e verbas públicas a seguir algum ideal, mesmo porque, dez milhões de reais de emendas parlamentares, por exemplo, são muito mais sedutores que o grito das ruas, que qualquer ideologia.

É isso.

LEIS FROUXAS E INSTÂNCIAS DE CONTROLE LENIENTES: CENÁRIO PARA IMPUNIDADE

“[…]Em face da frouxidão legislativa e da leniência com que essas questões são tratadas pelas instâncias de controle, o que tem ocorrido, com certa frequência, é que os autores crimes dessa natureza resultam impunes, muitos dos quais beneficiados pela prescrição, executória ou da pretensão punitiva, incutindo na sociedade um malfazejo sentimento de que vale a pena ser desonesto[…]”.

Todos veem, todos percebem, todos sentem, e muitos até se revoltam com a grave e danosa sensação de impunidade que decorre da frouxidão da legislação – e a leniência das instâncias de controle – com os que desviam o dinheiro público.
Para esses casos, as leis, parecem (?) ter sido feitas para não ter consequência prática. São leis frouxas, as quais, somadas, em alguns casos, ao descaso das instâncias de controle, não atendem às expectativas da população; antes, revolta, quando não funciona como estímulo aos que assumem a direção de uma entidade pública, movidos pelo desejo de auferir vantagens de ordem pessoal.
Por isso, tenho reafirmado, nos meus votos, com indisfarçada revolta, sempre que julgamos alguém em face do desvio de verbas públicas, que, para esses crimes, as penas deveriam ser maiores, de modo que dificultassem a prescrição e, no mesmo passo, possibilitassem que os autores efetivamente cumprissem penas presos (além, claro, do ressarcimento dos cofres públicos), o que não ocorre nos dias presentes, posto que, via de regra, quando condenados (o que já é incomum), são beneficiados com penas alternativas, as quais, pela falta de rigor, deixam na população a sensação de que não houve punição.
Nesse cenário, tenho dito, reiteradas vezes, que todos nós, responsáveis pelas instâncias de controle, deveríamos expender esforços no sentido de julgar, a tempo e hora, os agentes que malversam verbas públicas, para que se crie na sociedade uma cultura punitiva que possa desestimular essas práticas, cujos efeitos para o conjunto da sociedade, de tão graves que são, não é possível avaliar, embora se constate que, por isso, os serviços públicos são, muitas vezes, de péssima qualidade.
Tenho consignado, da mesma forma e com a mesma sofreguidão, que os nossos legisladores precisam pensar seriamente na reformulação das nossas leis, para possibilitar que as punições se façam mais efetivas e eficazes; para que os potenciais ladravazes do dinheiro público se sintam desestimulados a persistir nas suas ações danosas em detrimento do patrimônio público.
Em face da frouxidão legislativa e da leniência com que essas questões são tratadas pelas instâncias de controle, o que tem ocorrido, com certa frequência, é que os autores crimes dessa natureza resultam impunes, muitos dos quais beneficiados pela prescrição, executória ou da pretensão punitiva, incutindo na sociedade um malfazejo sentimento de que vale a pena ser desonesto.
Essa situação nos deixa a todos em situação desconfortável perante o jurisdicionado, pois as pessoas, definitivamente, já não conseguem entender por que prendemos o batedor de carteira e não somos capazes de punir os que desviam milhões e milhões de reais destinados à saúde e educação, para ficar apenas em dois exemplos.
O grave é que essas figuras encontram sempre, em qualquer instância, alguma pessoa influente a agir em seu benefício – o que é condenável – ou advogados habilidosos a defender teses bem alinhavadas em razão das quais muitos são absolvidos – o que é compreensivo, gerando, todavia, por uma via ou outra, a incompreensão e o inconformismo do cidadão comum, que não entende por que, definitivamente, não somos todos iguais perante a lei.
Entendo que enquanto não formos capazes de punir exemplarmente esse tipo de criminoso – que vive esnobando com o dinheiro público, às vezes frequentando o mesmo ambiente frequentado por nós, como se fosse um igual, distribuindo afagos e abraços em tantos quantos estão a sua volta -, deveríamos, no mínimo, nos sentir envergonhados de prender e punir apenas os ladrões de galinha, o batedor de carteiras ou o pequeno traficante.
A jornalista de Época, Ruth de Aquino, a propósito, disse, certa feita, que “quem rouba para encher seu bolso e o bolso de filhos e parentes, ou então para ganhar eleições, deveria ter uma punição exemplar. Quem desvia centenas de milhões de dólares de dinheiro público e de nossas estatais, num país em que tudo falta – educação, saúde, segurança, saneamento, habitação, transporte, infraestrutura, dignidade –, está assaltando a infância, a juventude, a velhice, os ideais e o futuro do Brasil. Para criminosos dessa estirpe, o que a Justiça dos homens deveria reservar seria a cassação de direitos políticos e cadeia. Simples assim. Deveria ser simples assim.”
É de Luis Barroso a afirmação de que no Brasil é muito mais fácil punir um jovem que tenha consigo 100 gramas de maconha do que o empresário ou servidor público que fraudou uma licitação em um milhão de reais, para concluir, com a habitual lucidez, que “temos uma justiça que é mansa com os ricos e dura com os pobres”.

NINGUÉM TEM O PODER DE APRISIONAR O FUTURO

“[…]O futuro chegará, sim, às vezes mais breve do que imaginamos. Nessa hora, teremos, repito, que prestar contas das nossas ações e/ou omissões; seremos forçados a parar para pensar, sobretudo, quando sentirmos que as nossas forças estão se esvaindo, sem tempo para corrigir a rota, para rever os nossos erros, o mal que eventualmente tenhamos feito ao semelhante. Nessa hora, desanimados e tristes, veremos a vida escapando das mãos como um sabonete molhado[…]”.

Não me lembro onde li a frase que tomo de empréstimo para dar título a essas reflexões. Não sei, tampouco, de quem é a sua autoria. Mas achei que, a partir dela, seria possível fazer uma interessante reflexão, sem me importar se o autor da frase pretendia desenvolver o mesmo raciocínio que vou desenvolver aqui e agora. Mas antes de fazê-lo, peço desculpas pela insolência e eventual falta de fidelidade
O ponto de partida dessas reflexões será o que, imagino, possa ser inferido da frase em comento, tão profundamente construída, e a partir da qual pretendo fazer uma análise que me conduza a uma avaliação das consequências do que fazemos hoje, em face do porvir.
Nesse sentido, posso iniciar dizendo que, como traduz no título – desde a minha interpretação, claro -, a ninguém é dado o poder de aprisionar o futuro, dado a sua óbvia inevitabilidade. Ninguém tem, portanto, como evitar o porvir, a menos que nos faltem a vida ou a capacidade de discernimento para a efetiva constatação da sua inevitabilidade.
O futuro é, portanto, logo ali; inevitavelmente ali, muito próximo da gente, tanto que posso, com a minha capacidade reflexiva e algumas ponderações, vê-lo se aproximando, celeremente, de maneira inclemente, batendo à porta, insolente, sem controle, inevitavelmente. Ele, o futuro, o porvir, está mais próximo do que somoscapazes de imaginar na maioria das vezes, sobretudo, se vivemos apenas o presente, sem nenhuma preocupação com a inevitabilidade do que estar por vir.
Vivemos fazendo planos a longo prazo, como se o futuro fosse algo distante, como se pudéssemos aprisioná-lo lá longe,bem distante, onde os olhos e a mente não possam alcançá-lo, como um meio de impedi-lo de nos atingir.
Todavia,ainda que assim pensemos, um dia, quase que inesperadamente, somos surpreendidos com o futuro que chegou, com todos os seus consectários, com as consequências que decorrem da passagem inclemente do tempo.
Temos, portanto – e é bom que não nos iludamos – compromisso com o futuro, data marcada para esse encontro, para inexorabilidade desse encontro. Por isso, é preciso viver e curtir o presente, saber estar nele, sem se olvidar de que o futuro é logo ali, muito próximo, próximo mesmo.
É preciso, portanto, estar preparado para o que vier pela frente, pois é lá, mais adiante, que vamos prestar contas dos nossos atos, das nossas ações, dos nossos erros, das maldades que fizemos, da dor que causamos ao semelhante.
O futuro chegará, sim, às vezes mais breve do que imaginamos. Nessa hora, teremos, repito, que prestar contas das nossas ações e/ou omissões; seremos forçados a parar para pensar, sobretudo, quando sentirmos que as nossas forças estão se esvaindo, sem tempo para corrigir a rota, para rever os nossos erros, o mal que eventualmente tenhamos feito ao semelhante. Nessa hora, desanimados e tristes, veremos a vida escapando das mãos como um sabonete molhado.
É que, segundo o velho clichê, a vida segue; tudo flui, enfim;nada é eterno. Ninguém banha nas mesmas águas de um rio duas vezes (Heráclito). Assim sendo, logo, logo estaremos no futuro. E é lá, no futuro, que, inelutavelmente, pagaremos pelos nossos erros ou colheremos os frutos do bem que realizamos, da obra que edificamos, da história que construímos.
E feliz será aquele que, diante do futuro, com os olhos voltados para o passado, não se constranger em face do caminho que trilhou, da história que construiu, das renúncias que fez, da postura que adotou para preservar o seu nome e o respeito de sua família.
Do futuro, não tenha dúvidas, repito a obviedade, nenhum de nós escapará, ainda que, para alguns, ele já tenha chegado sem que se apercebessem, embevecidos, muitas vezes, pela vaidade do cargo que exercem ou do poder que eventualmente lhe tenha chegado às mãos.
Decerto que, mais dia menos dia, teremos um encontro marcado com o que virá, o que pode estar próximo ou distante, como dito acima. Mas será inevitável. E nesse dia, não adianta lamentar pelo que se fez no passado. Por isso, é preciso, enquanto o presente não é futuro, que sejamos capazes de fazer uma revisão das nossas ações/omissões, que sejamos capazes de refluir, de reexaminar, de rediscutir, de reavaliar, de repensar, de rever posições, enquanto é tempo.
Mas, antes, é preciso viver o presente, sem pressa, contemplando as coisas belas, contemplando o que for bom de ser contemplado, vivendo intensamente, sem cultivar esperanças impossíveis, pois, como diz Umberto Eco, quem cultiva sonhos impossíveis já é um perdedor (Número Zero); sem pressa diante das coisas boas, sem sentimentos maldosos, cumprindo lembrar, para ilustrar essas reflexões, as belas palavras do ex-Ministro Carlos Ayres Brito, segundo o qualo sentimento abre as portas do pensamento, e assim, quando se começa uma atividade racional pelo sentimento, já começamos bem as nossas tarefas intelectuais.
Não se perde por esperar, o que fazemos nos dias presentes virá no futuro para nos punir ou nos premiar, conquanto se compreenda que não se deva fazer algo com o objetivo de ser recompensado, da mesma forma que não se deve fazê-lo apenas pelo prazer de fazer o mal.
Devemos fazer o que pede o coração, o que aconselha a razão. E quem age racionalmente e tem um bom coração, sempre colherá bons frutos, porque tende a fazer o bem, afinal, como diz Ferreira Gullar, nessa vida é melhor ser feliz que ter razão.
Uma última reflexão: quando não guardamos magoas, quando não projetamos nenhuma vingança em face do mal que nos fizeram, quando não procuramos magoar os corações, fiquemos certos, todos os corações estarão a nosso favor(Voltaire).
É assim que pretendo esperar o futuro.