As contradições das agências de controle

Tenho refletido, neste espaço, acerca das nossas contradições, que, não se há de negar, são muitas. Tenho reiterado, por exemplo,  que, com espantosa   facilidade, as agências de controle – formais e informais – condenam – e “condenam” – as condutas desviantes de uma determinada camada social, para, no mesmo passo, mostrarem-se benevolentes  com uma minoria criminosa, incrustadas nas classes mais favorecidas. 

Reafirmando as nossas contradições,  observo, ademais, que, além da discriminação quando do enfrentamento das condutas desviantes, sabido que nossas ações são voltadas, repito, fundamentalmente,   para punição dos integrantes do  grupo que rotulamos como criminoso ( cf. a teoria do  labeling approach, cuja tese central é no sentido de que o desvio e a criminalidade não são qualidade intrínseca da conduta e sim uma etiqueta atribuida a determinados indivíduos através de complexos processos de seleção),  ainda admitimos conviver, nos meios sociais, com os criminosos do colarinho branco (white-collar crime), como se fossem pessoas de bem a merecer a nossa atenção e consideração.

É  como se aqueles (os etiquetados)  merecessem o nosso desprezo – e para os quais devam ser canalizadas, com exclusividade as noções forças –  e estes  (os criminosos do colarinho branco), em função da posição que têm no espectro social, merececessem de nós atenção especial e benevolência,  como se os efeitos de sua ação criminosa fosse um indiferente penal. 

A verdade é que os criminosos do colarinho branco, conquanto todos saibamos  que os efeitos de sua conduta criminosa são muito mais desastrosos,  para o conjunto da sociedade, do que os praticados pelos etiquetados , das agências de controle não têm recebido o tratamento rigoroso que  deveriam receber, porque, não se pode negar,  têm a capacidade, inquestionável, de impor ao sistema uma quase total impunidade, razão pela qual, é de comezinha constatação,  a quase totalidade dos encarcerados é composta de pobres, não porque deliquem mais, mas porque têm maiores chances de ser criminalizados e etiquetados como delinquentes. 

O que se pode constatar, à luz de qualquer estudo que se faça da criminalidade, é que o sistema penal tem medo de hostilizar os “homens de negócios”, em virtude do poder que o dinheiro lhes confere,  e, até, em razão da capacidade que têm de responder ao  controle com represálias, se necessário, como, aliás, registra a história, a toda evidência. 

As agências de controle social, constata-se, têm, até, simpatia e admiração pelos criminosos  do colarinho branco, os quais, não raro, são recebidos,  por vários de nós, em gabinetes, com direito a cafezinho e rapidez no atendimento, como se pessoas honradas fossem, conquanto de suas ações criminosas resultem  prejuízos incalculáveis para o conjunto da sociedade, bastando, para essa constatação, verificar, exemplificativamente,  a quantas  andam as nossas estradas, a educação, segurança  e a saúde de quase todas as unidades da Federação.

 Nós, responsáveis pelas agências de controle, temos  a natural tendência de (re)agir –   com excessivo rigor, às vezes-   no sentido de punir os responsáveis pelos ataques diretos aos bens jurídicos – vida, patrimônio etc -; todavia,   temos sido lenientes, acomodados, frouxos e covardes, quando se trata de  enfrentar as ações dos criminosos do colarinho branco, cujos efeitos difusos para o conjunto da sociedade, não é demais repetir,  são muitos mais nefastos que os ataques diretos ao nosso patrimônio por meliantes de outro matiz.

Sei que não é fácil, que nunca será possível o combate efetivo aos desvios de conduta de determinada parcela (privilegiada)  da sociedade, sobretudo porque as violações da lei pelos chamados homens de negócios têm caráter complexo. Tenho convicção, inobstante, que algo precisa ser feito, sem mais demora, para punir, exemplarmente, com a expropriação dos bens, quando for o caso, os que, v.g., no exercício do poder, multiplicam o seu patrimônio, indiferentes aos efeitos daninhos de sua ação.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “As contradições das agências de controle”

  1. Realmente é isso o que mais acontece na prática, infelizmente! Fico revoltada com essa situação! É impressionante como o nosso sistema é complacente com os criminosos de colarinho branco, esses os principais resposáveis pelas mazelas da sociedade e que de uma certa forma contribuem para a criminalização dos “etiquetados”. No meu entender esses criminosos “sofisticados” deveriam merecer as mais duras penas e o nosso total desprezo!

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