O que nos enlouquecem são as nossas certezas

Nós, muitas vezes, pensamos de nós, concluímos sobre nós o que nem sempre é a percepção dos outros. Ao constar essa realidade, nos flagramos, de regra,  decepcionados e tristes – quando não deprimidos.

Nesse sentido, lembro que, certa feita, estando com a minha família em viagem de férias, procurei, como sempre acho que faço, agradar, de todas as formas, aos meus filhos e à minha mulher, mesmo porque se um deles não está bem, eu, naturalmente, também não estarei bem.

Isso é próprio da minha personalidade. Não sei e não gosto de infelicitar  as pessoas; se eu não tiver condições de dar prazer aos que estão em volta de mim, seja no trabalho, seja na minha família, eu não fico bem comigo mesmo.

Pois bem. Eu dizia que, nessa viagem de férias, procurei fazer de tudo que estivesse ao meu alcance para que todos ficassem numa boa, para que as férias fossem prazerosas e, se possível, inesquecíveis,  pelo que de bom fosse desfrutado por nós.

Determinado dia, depois de muitas concessões a todos,  e quase nenhuma a mim, sem nada reclamar em face do brusco rompimento da minha rotina, resolvi bater o martelo e decidi, sem apelo, que, em determinado dia, eu voltaria para o hotel para almoçar no meu horário ( meio-dia) e para tirar uma sesta, já que estava com saudade da minha rotina.

Pronto! Foi o que bastou para que eu fosse escolhido como o mais chato da viagem – e por unanimidade, sem nenhuma concessão, sem apelo, sem direito a reexame da decisão.

O grave é que, na minha (falsa) percepção, imaginava exatamente o contrário.

Não preciso dizer da minha inquietação, da minha frustração.

Fiquei tão decepcionado que ainda insisti tentando convencê-los que eu já tinha feito tudo que um pai podia fazer para que eles não tivessem dissabores.

Mas que nada! Quanto mais eu tentava argumentar, mais eles reafirmavam que eu tinha sido um chato, cheio de mania, cheio de rotinas e que as rotinas, em viagem,  eram para ser quebradas, o que, de rigor, estou de acordo, tanto que só pedi um dia de concessão, que me foi negado.

Não teve jeito! Fui  confirmado, em segundo turno de votação, depois de tentativas vãs de me defender,   o mais chato, com o registro, de ofício, da minha  candidatura para as próximas férias, com enorme possibilidade de ser reeleito.

É por isso que se diz que os loucos, com muita convicção, narram os seus delírios, porque crêem neles. É por isso que se diz, ademais, que o que enlouquecem não são as nossas dúvidas; o que  nos enlouquecem são as nossas certezas.

A certeza que eu tinha de ter me doado ao máximo aos meus filhos para lhes proporcionar as férias dos sonhos, quase me enlouquece ao constatar que, diferente do que eu pensava, eu tinha sido o que de mais chato ocorreu na viagem.

Tivesse eu a mais remota dúvida acerca do meu desempenho como parceiro de férias, de pai e companheiro de viagem, eu não teria ficado tão magoado e tão próximo de enlouquecer, em face da minha já proverbial  – agora confirmada pelos insuspeitos filhos – incapacidade de ser boa companhia.

Resumindo, para ficar bem sedimentada a minha tese: são as nossas certezas,  e não as nossas dúvidas , o que nos enlouquecem.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “O que nos enlouquecem são as nossas certezas”

  1. Rs, gostei do comentário Dr.., o pior é que é verdade, eu também ja passei por situações semelhantes; mas… são nossos filhos!!!! parabens pela bem humorada dissertação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.