Nas nações democráticas uma das mais festejadas formas de controle social são as eleições. Todavia, aqui no Brasil, essa forma de controle vive uma grave crise. O próprio eleitor não se dá conta da importância do voto.
A verdade é que o eleitor, ao que parece, não está muito interessado nessa forma de controle; ele se dirige à cabine eleitoral quase sem nenhuma convicção no voto que vai depositar – vota porque é obrigado. Muitas vezes o faz, também, em face de um pedido ou em troca de um favor.
Não se faz controle social desse jeito!
Via de regra, sobretudo no que se refere às eleições proporcionais, o eleitor, passada a eleição, esquece até o nome do candidato que votou; se o eleitor esquece, poucos dias depois do pleito, do nome do candidato, é de convir-se que, se eleito, o candidato não receberá nenhuma forma de cobrança, mesmo porque, no mais das vezes, faz promessas que sabe não cumprirá.
A crise nessa forma de controle avulta de importância, ademais, quando sabemos que, de regra, os candidatos não têm nenhuma ideologia, nenhum compromisso com o programa partidário; ele se abriga sob uma legenda, até que isso lhe seja conveniente. Na primeira oportunidade pula fora. Tem sido assim desde sempre.
Candidatos com esse perfil, é claro que não têm nenhuma intenção de honrar os compromissos assumidos. Aliás, honra é uma palavra fora de moda. Honra, nos dias atuais – sobretudo nos meios políticos – , é coisa de otário. Honra e dignidade, nos dias presentes, não são predicados que se enalteça em dia de eleição – ou mesmo depois delas. O que vale nesse campo é a esperteza e a trapaça. Quem pensa e age de modo diferente é um Zé Mané sem habilidade para as pugnas eleitorais. Em pouco tempo ver-se-á defenestrado das pugnas eleitorais.
Uma outra vertente que deixa entrever a crise nessa forma de controle social, é a certeza que todos temos, sem reagir, de que o dinheiro jogado fora nas campanhas eleitorais será subtraído do imposto que pagamos, convindo consignar que a cada eleição se torra com mais sofreguidão o dinheiro público, cientes os candidatos que em face disso não haverá nenhuma consequência, mesmo porque, ao que se vê e sente, as instituições de controle formal ( Ministério Público e Polícias, principalmente), parece não ter nenhum interesse que esse quadro mude.
Acreditar que neste ano será diferente do que tem sido sempre, é o mesmo que acreditar em papai noel e mula sem cabeça.
Encerrada a campanha, constatamos, algo estarrecidos, os gastos exorbitantes que foram feitos; tudo o que foi gasto, é necessário convir, será subtraído, por uma via ou outra, do dinheiro destinado à saúde e/ou educação, só para ficar em dois exemplos. O mais grave é que essa pouca vergonha é vendida aos incautos e indiferentes eleitores como uma festa democrática, como se fosse democrático o desvio de dinheiro para engodar o caixa de campanha. Ou será que alguém acredita que o dinheiro torrado na campanha cairá do céu para irrigar as contas dos doadores? Ou há quem acredite que os doadores de campanha o fizeram desinteressadamente, por acreditarem nos ideais dos candidatos? E qual candidato tem ideal ou compromissos com as promessas que fez?
Haverá quem argumente que há exceções. Direi eu: exceções, há, sim, mas apenas para confirmar a regra.
É uma pena que o que deveria ser uma grande festa democrática não seja mais que a oficialização da roubalheira do dinheiro público.
Preparem-se todos, pois, para pagar a conta. Daqui há dois anos haverá nova eleição – e tudo se repetirá, com a nossa conivência, vez que o controle que deveríamos exercer na oportunidade, não passa de uma ficção, tanto que os candidatos corruptos, que enriqueceram à custa do dinheiro público, voltarão a pedir-lhe o voto – e você certamente o dará, sem contestá-los -, na certeza de que somos mesmo uma nação de poucos sabidos e muitos otários.
Professor José Luís,
Creio ter compreendido a irresignação do mestre e com ela estou de acordo em sua quase totalidade. No entanto, permita-me discordar pontualmente de sua análise, a partir de minha experiência.
Por Vossa Excelência foi afirmado que “as instituições de controle formal (Ministério Público e Polícias, principalmente), parece não ter nenhum interesse que esse quadro mude”.
Não falo pelas Polícias, mas, como membro do Ministério Público, não posso deixar de pontuar que, observando a realidade em minha volta, mais especificamente na Comarca de minha atuação, é o Ministério Público a instituição que busca obstinadamente a mudança da realidade a que Vossa Excelência se refere no seu belo texto. Certamente, essa situação não é um apanágio que eu possa ostentar, mas, sim, um atributo espalhado pelos órgãos ministeriais deste Estado.
Infelizmente, nem o Ministério Público, nem a sociedade por ele representada, têm a resposta que se espera do Poder Judiciário quando se busca exercer o controle social. A impunidade é a maior parideira de agentes públicos desonestos e, assim, de descontrole social. É fácil constatar isso, fazendo um levantamento das ações ajuizadas pelo Ministério Público e a resposta dada, quando dada, pelo Poder Judiciário.
Isso tudo laborando os membros do Ministério Público em condições estruturais precárias, extremamente inferiores às quais são colocadas à disposição dos juízes. Tanto no primeiro grau, quanto no segundo. Comparemos um gabinete de desembargador com um gabinete de procurador de justiça. Façamos a mesma comparação entre as condições de trabalho, material e humana, do promotor de justiça com as do juiz de direito. Estenda mais essa comparação para os orçamentos anuais dum e doutro. É digna de lástima.
Somos o primo pobre da relação, mas que, ainda assim, demanda, profusamente, no Poder (oso) Judiciário, em busca da responsabilização de maus agentes públicos, além de outros, sem, contudo, obter uma resposta positiva desse Poder, sem o que não há controle social que resista e, por isso mesmo, passa a apresentar debilidades. Problemas na atuação ministerial existem, sobretudo a sua falta de profissionalização. O que não se admite é identificar o Ministério Público como uma instituição que não busca exercer o controle social. É, exatamente, o inverso. O Ministério Público, não obstante todas as precariedades de estrutura que enfrenta, diferentemente do Poder Judiciário, é a instituição que ainda busca esse controle.
Já escrevi em outra oportunidade a respeito e ora repiso o que penso.
É curioso, chega a ser intrigante, como um mesmo acontecimento pode ser percebido de tantas formas diferentes por observadores de boa fé. As nossas percepções dependem de vários fatores que nos influenciam no momento exato da observação e de outros amealhados ao longo da vida. Sem nos dar conta, é muito comum, nessas horas – de observação de um fato – a interrupção da percepção pelo fenômeno do “reconhecimento”. Explico. Não raro, quando nos deparamos com um fato e iniciamos o processo de percepção, o objeto cognoscível é capturado por algo que já se encontra recolhido na nossa mente, momento em que, subitamente, interrompemos a ação intelectiva, sem mais qualquer preocupação se aquele objeto esconde algo que nos é desconhecido. De outro lado, nos casos em que o objeto cognoscível não é capturado, também é usual cessarmos repentinamente o processo de percepção, apressando-se na formulação de julgamentos fáceis, v. g., “isso é muito estranho” ou “é fora da realidade”.
Num e noutro caso, a interrupção do processo intelectivo deve-se ao pouco alcance que damos à realidade. Esse processo estender-se-ia buscando maiores esclarecimentos se nos déssemos conta de que a realidade não se resume àquilo com que nos deparamos no momento exato em que se inicia a percepção. Nessa hora, é injuntivo notar que aquele instante em que nos encontramos é somente parte de um processo muito maior e mais complexo que já se desenvolve há mais tempo e que ali não se encerra. Aproveito para citar Oscar Motomura, Diretor Geral do Grupo Amana Key, um centro de excelência na formação, desenvolvimento e atualização de líderes: “Minha própria experiência é que quanto mais entendemos a grande realidade na qual vivemos, mais humildes nos tornamos. Adquirimos um respeito excepcional por todos os seres vivos – sem qualquer exclusão. Passamos a ter um relacionamento melhor com todos. Desenvolvemos uma nova ética, não nos deixando levar por falsos valores. Conseguimos viver sem ansiedades, com mais flexibilidade e tolerância. Quanto melhor entendemos essa realidade, mais claramente enxergamos as formas de dar significado às nossas vidas, principalmente através do nosso dia-a-dia. Cada ato nosso, por mais simples que seja, passa a ser vivenciado com uma forte consciência de que ele está afetando a existência do todo em seus planos mais sutis”.
Alguns chamam, por exemplo, de desculpa a limitação orçamentária do Ministério Público em Estados do porte econômico e financeiro como o Maranhão. É apequenar um grave e sério problema, revelando uma percepção falha e um profundo desconhecimento da realidade da instituição ministerial nesses Estados. Só para deixar como objeto de reflexão, recolhamo-nos a um exame interior e pensemos nos tamanhos físicos dos quadros de pessoal do Ministério Público e do Poder Judiciário nos Estados. Representamos apenas um terço desse Poder? Foi o que achou o legislador ao dispor o art. 20, inc. II, alíneas “b” e “d”, da Lei Complementar nº 101/2000, a epitetada Lei de Responsabilidade Fiscal. Nem falo igual; mas um terço?! O Poder Legislativo e o Tribunal de Contas do Estado que, juntos, possuem somente 02 (duas) sedes no Maranhão todo, ficaram com o limite comum de 3% (três por cento) da receita corrente líquida de cada período de apuração. O Ministério Público, sediado em 110 (cento e dez) Comarcas, ficou limitado a 2% (dois por cento). A Assembléia Legislativa do Maranhão é composta por 42 (quarenta e dois) deputados, o Tribunal de Contas do Estado compõe-se de 07 (sete) conselheiros, enquanto, no Ministério Público deste Estado, alcançamos o número de 300 (trezentos) membros.
Já deve ser do conhecimento de Vossa Excelência a inclassificável decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão, escorada no Tribunal Superior Eleitoral, em não remunerar os promotores eleitorais auxiliares no pleito de 2012, a despeito dessa remuneração estar garantida aos juízes. Mas não nos enganemos. O enviesado discrímen do TRE/MA é, apenas, a ponta do rabo que ficou para fora desse mostrengo doido para nos devorar. Essa decisão do TRE/MA é, afinal, o coroamento da humilhação a que o Ministério Público vem sendo submetido ao longo de todo o processo eleitoral, não só nessa fase de votação das eleições que se avizinham. O que se repete a cada pleito. Lutamos contra inimigos ocultos, muito poderosos, que não têm interesse que o Ministério Público atue e, principalmente, atue dotado de condições estruturais dignas de atuar.
O dito acima não serve para nos acomodarmos. Entanto, é fato que, com muito menos estruturas material e humana, o Ministério Público leva, sim, a demanda da sociedade ao Poder Judiciário. Ainda estamos aquém do que é preciso ser feito, mas a resposta dos juízes é desanimadora.
Ao mestre, um abraço com carinho. Vossa Excelência honra a toga que enverga.
Celso Coutinho, filho.
Promotor de Justiça – titular da Promotoria de Justiça da Comarca de São Bento/MA.