Espaço aberto

Quem quer ser um milionário?

Sônia-AmaralSônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro(*)
Recentemente, entrou em vigor o Plano de Previdência Pública Complementar dos servidos do Poder Executivo Federal, que tem como objetivo principal, reduzir o déficit da previdência pública estatal, causado pelo pagamento integral das aposentadorias dos servidores públicos, afirmam.
Malgrado alguns apontarem que o déficit não tem origem prioritariamente nesse fato, mas sim na má gestão e no pagamento de benefícios àqueles que nunca contribuíram, o certo é que há déficit e soluções têm de ser buscadas. O que não sei, sinceramente, é se essa solução é suficiente e/ou é a melhor e/ou se não terá outras conseqüências em termos maior precarização dos serviços públicos.
Confesso a minha incapacidade de afirmar se o déficit existente tem como principal fundamento o pagamento das aposentadorias aos servidores públicos e se a solução apontada agora é suficiente, pois desconheço os fatos em profundidade e sou neófita no que diz respeito a cálculos atuariais, que apontam que essa medida reduzirá o déficit em 20 anos e o zerará em 30 anos. Vamos torcer!
Contudo, será que é a melhor solução, será se não que não precarizará ainda mais os serviços públicos?
Não é novidade nenhuma que os planos de previdência complementar das empresas estatais brasileiras, com muita constância, são alvos de denúncia na mídia, pelo uso político do dinheiro dos fundos, pelos partidos políticos de plantão. Numa breve análise de alguns estatutos é fácil saber por quê: “o administrador”, que é a pessoa jurídica (a empresa estatal) instituidora do fundo, é que detém o maior poder de indicação dos seus dirigentes, logo controla e direciona os investimentos, ou seja, quem e como será beneficiado pelo dinheiro do fundo. Bem, “o porquê” (se vale a pena, se é um bom negócio) sempre é de somenos, bastando na maioria das vezes ser amigo do “rei” e contribuir com as campanhas políticas.
Muitas vezes, presidir um fundo desses é melhor do que estar à frente de um Ministério, pois a independência do gestor é maior e estamos a falar de bilhões. Em grande parte, o orçamento destinado a muitos Ministérios somados não chegam perto do valor que transita nos fundos e existem até pequenos países da América Latina com orçamento inferior.
No caso do fundo ora em questão, a Ministra do Planejamento afirmou que este não só será o maior fundo de pensão do Brasil, como da América Latina.
Isso não é tentador? Com certeza. Porém, para nós outros aqui de baixo, os tais beneficiários, servidores que ingressarem a partir de agora no serviço público federal, é preocupante. Na verdade, a sociedade brasileira também deve se preocupar também, pois isso poderá intervir na qualidade dos serviços públicos que virão.
Não estou a dizer com isso que o que existe agora, em termos de serviços públicos, é bom, muitas vezes não chega sequer à regular e a culpa, em grande parte, é dos próprios servidores. O que estou a dizer é que pode piorar mais.
Em apertada síntese, existem dois tipos de servidores nos quadros públicos, os estáveis e os comissionados. Os primeiros, via de regra, adquiriram esse status pelo concurso, e os outros por indicação política, no sentido amplo.
No primeiro contexto, da qualidade, há bons e dedicados servidores tanto entre concursados, quanto em relação a comissionados. Porém, como em qualquer instituição formada por homens, e não anjos, existem muitos pouco comprometidos
com o serviço público, muito mais preocupados com o salário no final do mês e, em alguns casos, adeptos de posturas antiéticas e criminosas, como a corrupção.
Entre os concursados, preocupa-me sobremaneira a postura de alguns que, por terem enfrentado um concurso, se comportam como donos da função, como se isso lhes dessem liberdade plena para fazer o que bem entendessem, inclusive e principalmente não trabalhar com afinco; de atender com descaso o seu verdadeiro patrão, o cidadão, como se isso lhe fosse permitido pois, como chegam a afirmar, “eu sou concursado”.
Nesse jogo, quem é maioria, os bons ou maus servidores? Não tenho números para poder responder essa questão, mas é sintomático que é difícil encontrar um cidadão que use adjetivos positivos em relações a nós, servidores.
Mas, como disse no início, ainda pode ficar pior, por conta de outro fator.
Quem almeja ingressar no serviço público, nos dias de hoje, enfrenta uma guerra, pois as vagas são poucas para tantos candidatos preparadíssimos. Para quem tem uma visão mais empresarial, o negócio que dá muito dinheiro são os cursos preparatórios e especializados nesse segmento.
Ora, no fundo dos nossos corações, se a maioria faz concurso público sonhando com a tal da estabilidade financeira, que a iniciativa privada – quer como empregado, quer como empreendedor – não confere, quem serão os dispostos a enfrentar essa guerra, não tendo a certeza se, no apagar das luzes, terá assegurado um dos maiores atrativos: aposentadoria integral? Será que os mais preparados não migrarão para iniciativa privada, que a despeito de não garantir aposentadoria integral, na ativa o empregado pode, por competência, alçar maiores vôos, ganhar muito dinheiro e fazer seu pé de meia? Será que não aumentará os que já ingressarão com interesses pouco republicanos?
É, mas alguns me dirão, mas a estabilidade funcional, quase que automática, persistirá, pois dificilmente o mau servidor é colocado na rua, como acontecesse na iniciativa privada. E eu respondo: Isso não deveria também ser mudado e até com mais urgência? Não deveríamos exigir legislações mais rígidas? Não deveríamos exigir, como nos países mais desenvolvidos, menos cargos comissionados em todas as esferas de poder? Dúvidas, muitas dúvidas.
O certo é que, quem entra no serviço público por competência e vocação, não fez a opção por ser milionário. Mesmo os que ganham igual ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, teto salarial dos servidores, não podem ser considerados milionários, se, é claro, vivem só do salário. Os que ganham no teto têm um bom padrão de vida, principalmente se compararmos à multidão de excluídos nos Estados mais pobres do Brasil, mas nem chegam perto dos vencimentos, vantagens e bônus recebidos por executivos e donos de empreendimentos privados de relativo sucesso.
Enfim, déficit existe e tem de ser resolvido. Essa é a melhor solução? Talvez. E a gestão dos fundos será igual ao que vemos hoje? Temo que sim. O serviço público hoje é bom, na maioria? Acredito que não. Pode piorar? Com certeza. Não tem jeito? Só o tempo dirá, pois se os fundos derem certo e garantirem a integridade das aposentadorias, a partir de gestões profissionais e não politizadas, há esperança no fim do túnel.

(*) Juíza de Direito, sonia.amaral@globo.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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