Nossas crenças

Há coisas que, nas nossas relações sociais, nós revelamos, sem nenhuma dificuldade. Revelamos o  filme favorito, o carro da nossa predileção, as lojas da nossa preferência, os ambientes que gostamos de frequentar, o whisky ou a cerveja que tomamos. Tudo isso o fazemos sem o menor constrangimento, sem nenhuma restrição, tudo muito natural.

Noutras oportunidades, revelamos, ademais, as nossas crenças. Digo melhor, algumas das nossas crenças. Muitas vezes afirmamos, por exemplo, acreditar que chuvisco faz mal à saúde, que não se deve comer manga com febre ou que, depois de uma cirurgia, não devemos comer comida reimosa: pato, carne de porco, surubim, camarão, etc.

Essas são algumas das crenças que ousamos revelar: sem receio, sem constrangimento, em qualquer lugar ou circunstância. Nós cremos e não nos envergonhamos de crer, mesmo naquilo que a ciência descrê.

Fazer o quê?

São crenças e ponto, afinal, ninguém  pode viver ser crer em algo. Acredita-se até em pastor que tira o diabo do coro das pecadoras fazendo sexo elas.

É que, repito, é preciso acreditar, ter fé, caso contrário a vida se tornaria um inferno.

A nossa crença é tamanha que, muitas vezes, acreditamos até em promessas de campanha política; como se fôssemos tolos, babacas, otários. Eu mesmo já acreditei!

Essas são algumas crenças que revelamos  até com certa naturalidade, porque estão, afinal, incorporadas ao nosso dia a dia. Não há, pois, como negá-las, pois as confessamos, repito, sem pudor.

A nós não nos causa nenhum constrangimento admitir, por exemplo, que jogamos um lençol sobre o espelho para não atrair raios ou que só levantamos com o pé direito, para começar bem o dia, desde que um gato preto, numa sexta-feira, não cruze o nosso caminho.

Mas ao lado das crenças reveláveis, as ditas costumeiras, muitas deles racionais  (onde há fumaça, há fogo ou quem bebe tende a se embriagar), outras, nem tanto, há o que chamo de  falsas crenças; aquelas que, por prudência ou medo, muitas vezes não saem da nossa subjetividade mas que, iludidos, as temos como verdadeiras.

Nesse sentido, cremos, por exemplo, que a nossa vontade é livre, que mandamos em nós mesmos, que sabemos escolher entre o bem e o mal, que sabemos discernir o bom do ruim, que não cometemos deslizes graves, que os nossos pecados são apenas veniais, que apenas os pecados dos outros merece expiação ou que as doenças graves só alcançam o vizinho etc.

Nessa senda, cremos, ademais, que um dia a corrupção deixará de existir, que o homem e a mulher serão tratados com igualdade (na medidas de suas desigualdades), que o Poder Judiciário um dia será célere, que as pessoas que amamos nos amam com reciprocidade, que os filhos do vizinho levam os nossos à perdição, que erramos induzidos pelos outros, etc.

E assim vamos vivendo: enganando-nos aqui, nos iludindo acolá, pouco importando se são falsas ou verdadeiras as nossas crenças, pois, afinal, o que importa mesmo é ser feliz, ter paz de espírito, ter força para enfrentar as dificuldades do dia a dia; e, para ser feliz, para ter o mínimo de conforto espiritual, é preciso crer.

Por tudo isso, eu creio sim…

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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