Desde que ingressei no Poder Judiciário, em 1986, que ouço falar que havia desembargadores que tinham retificado a sua certidão de nascimento para permanecer mais tempo no poder. Àquela época, e até há bem pouco tempo, desembargador podia muito, por isso todos desejavam passar mais tempo no poder. Os anos se passaram e, até hoje, não tive provas de que efetivamente algum colega tenha retificado sua idade para permanecer mais tempo no poder.
O certo é que, sendo o poder, quando não usado no sentido antropológico, algo fascinante, para os que dele se servem, muito são os que são capazes de qualquer coisa para nele permanecer. No caso do Poder Judiciário, muitos são os que não concebem passar, por pura vaidade, sem deixar um retrato na galeria dos ex-presidentes ou ex-corregedores. Essa constatação me levou a escrever uma crônica intitulada “Apenas um retrato na parede“, na qual faço algumas reflexões sobre essa obsessão, depois de, certa feita, ainda juiz de 4ª entrância (hoje entrância final), ter passado, numa manhã de um ano que não me recordo, e ter visto um ex-presidente, já aposentado, passando a mão em sua fotografia, embevecido com o retrato na parede, prova material de que tinha passado pelo poder, ainda que eu, pessoalmente, não me recorde de nenhuma grande obra dessa criatura.
Leio, agora, nos jornais, que o ministro Raimundo Carreiro, do Tribunal de Contas da União,alterou a sua idade, na comarca de São Raimundo das Mangabeiras, com o que permanecerá no TCU, até alcançar a sua presidência, o que, curial compreender, não alcançaria se não ficasse mais novo dois anos, por conta de uma decisão judicial.
Não entro no mérito da decisão, mas me permito a especular, como fez a grande imprensa, que é muito, muitíssimo estranho essa postergação de aposentadora, sobretudo porque o ínclito ministro se valeu da idade anterior para se aposentar do senado federal, sem que lhe passasse pela cabeça, imagino, retificar a sua idade, à época, para permanecer mais tempo na condição de funcionário do Senado Federal.
Pelo sim e pelo não, o certo é que o poder é fascinante, por isso muitos são capazes de tanto para não perder poder. Pelo menos é o que tenho constatado deste sempre. Acredito, todavia, que se o poder fosse exercido apenas para servir, poucos seriam os que se aventurariam ao desgaste emocional que ele acarreta.
Nessa linha de pensar, calha lembrar as palavras do Papa Francisco: “Pensar que o poder é impor o meu caminho, alinhar todo mundo, e fazê-los andar por essa trilha me parece errado. Agora, se concebo o poder de uma maneira antropológica, como um serviço à comunidade, é outra coisa”.
Descreves bem o poder quando diz que poucos gostariam de exercê-lo se somente o ato de servir fosse levado em conta; o problema do poder não é a sua essência, e sim a fetichização que o cerca.