Não há nada pior que ser vítima de uma injustiça. Não sei se teria altivez para aceitar, sem reagir, a uma injustiça. O ministro Celso de Mello parece que aceitou; pelo menos não chegou ao meu conhecimento que tivesse reagido.
O episódio que vou narrar a seguir merece reflexão, sobretudo dos homens públicos, que podem, aqui ou acolá, ser vítimas de uma vendeta, em face de suas atividades.
Pois bem.
Há muitos anos, ao ler as memórias ( ou autobiografia) do jurista e ex-ministro Saulo Ramos( Código da Vida), fiquei intrigado como uma acusação feita contra o ministro Celso de Melo. Segundo o renomado advogado, o ministro, indicado pelo então presidente Sarney ao STF, teria prometido votar a favor do mencionado político, numa questão em discussão do STF, acerca do seu domicílio eleitoral.
Sucede que, segundo o mesmo memorialista, o ministro, descumprindo o prometido, teria votado contra as pretensões de José Sarney.
Indagado pelo próprio Saulo a razão do descumprimento do prometido, Celso de Melo teria dito que como a questão já estava decidida em favor do político e como, ademais, um determinado jornal havia antecipado seu voto, decidiu mudar a direção, para evitar desconfianças.
Em face dessa explicação, Saulo Ramos teria dito a ele alguns desaforas, que não se diz a um marginal.
Pois bem. Depois que li essa passagem do livro, fiquei intrigado com a acusação e muito mais ainda em face do silêncio do ministro Celso de Melo.
Hoje, lendo a Folha de São Paulo, vejo uma matéria da autoria de Márcio Chaer, jornalista e diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico, da qual, a propósito do tema aqui albergado, apanho o seguinte excerto, que, a meu sentir, põe por terra a fantasiosa acusação de Saulo Ramos:
“[…]A pedrada mais tora contra o decano do STF, porém, foi a ressurreição, por jornalistas da Folha, de uma fantasia criada pelo ex-ministro da Justiça Saulo Ramos, morto em abril. Na autobiografia, escrita de memória, vingou-se de quem o magoou em vida(vide a resenha ‘Lorotas a granel’ na internet). Para ‘provar’ que Celso de Mello não era imune à pressão da imprensa, citou caso em que o ministro teria mudado voto para ficar bem na foto.
Discutia-se a validade do novo domicílio eleitoral do ex-presidente José Sarney, que foi quem levou o ministro ao STF. Diz Saulo que Celso, ‘o último a votar no julgamento’, telefonou-lhe para justificar por que seria contrário ao pedido: como a Folha anunciara que ele votaria a favor e a questão já fora decidida pelos outros dez ministros, sua posição não faria diferença. Inconformado, o memorialista escreve que disse um palavrão, bateu o telefone e jamais voltou a trocar uma palavra com o ministro[…]”
O jornalista arremata, deixando patenteada a mentira de Saulo Ramos:
“[…]Na vida real, Celso de Mello era o segundo mais novo ministro da corte. Portanto, um dos primeiros a votar. Seu voto foi enorme – desses que levam dias para preparar. Os arquivos da Folha não registram a notícia mencionada[…]”.
Mais adiante, fulminando, de vez, a farsa:
“[…]Sete anos depois, no beija-mão do ministro em sua posse na presidência do STF, abraçou-o efusivamente após Márcio Thomaz Bastos”.
A verdade às vezes tarda e nunca aparece; outras vezes, aparece, ainda que tenha tardado.
Fico feliz em, mesmo muitos anos depois, saber a verdade; verdade que só reafirma a minha admiração por Celso de Mello, e que coloca o memorialista no seu devido lugar: o de testemunha mendaz da história.