Eu supunha, quando era jovem,que velho tinha pouca sensibilidade. Eu confundia falta de agilidade com insensibilidade. É que idoso quase sempre reage às emoções ( também) com vagareza, como se lhe faltasse sensibilidade, quando, na verdade, o que lhe falta mesmo é agilidade, sobretudo se sedentário. Hoje, ao 60 anos, posso afirmar que, ao contrário do que eu mesmo supunha, a velheci vai nos tornando é muito mais sensível. Pelo menos, eu sou assim. Nos dias presentes, com efeito, tudo me sensibiliza. Tudo me faz chorar. Não aquele choro compulsivo, estridente, para fora, para ser visto. Não! É um choro leve, introspectivo, só pra mim, bem lá junto da alma, que é mesmo para que ninguém perceba.
A verdade é que, nos dias presentes, eu não consigno mais testemunhar certos acontecimentos sem me emocionar – e chorar; seja uma notícia, uma manifestação de afeto, de carinho e de solidariedade. Tudo, enfim, toca a minha alma. Nada passa desapercebido por mim. Eu vivo o que está em volta. Eu sinto o que muitos não sentem – ou fingem não sentir.
Eu sempre fui muito sensível, mas confesso que, na juventude, era diferente. Pouca coisa me emocionava a ponto de lervar-me às lágrimas, ainda que sentisse, sim, forte emoção. Agora, depois de idoso, choro, me emociono com muita facilidade. Mesmo assistindo ao noticiário televisivo ou lendo as notícias imperessas ou um bom livro, eu acabo sempre chorando.
Essa semana, por exemplo, não tive condições de ler a matéria de Veja sobre o dilema dos Beagles. A capa da revista, o olhar de tristeza do cão que está fotografado em destaque, me compeliram a não ler a reportagem; já havia lido matérias similares nos jornais da semana. Não havia por que voltar à leitura, para, mais uma vez, sofrer com dó dos cães. Mesmo porque o olhar do cão me fez lembrar o olhar do meu gato, por quem eu tinha adoração, poucas horas antes de morrer.
Estava lendo o jornal o Globo, de hoje, como faço todos os dias, e não pude deixar de me abalar com a notícia dos nigerianos que morreram, provavelmente de sede, no deserto de Saara, quando fugiam do seu país em busca de oportunidades. É impossível não se sensibilizar com os corpos em decomposição de adultos e crianças, imaginando e a dor que sentiram ao se despedirem tão tragicamente da vida na terra, exatamente quando buscam melhores condições para sobreviver.
Tenho compulsou por história e especialmente por biografias. Terminei de ler, pela segunda vez, o livro que trata da vida de Maria Antonieta. Não pude deixar de me emocionar com a forma abrupta com que a separaram do rei e de seus filhos – especialmente do seu filho.
Do livro, a propósito da separação de Maria Antonieta dos filhos, apanho o seguinte excerto, que compartilho agora com o leitor do meu blog:
“No dia 3 de julho, por volta das des horas, diversos funcionários municipais entraram no quarto da rainha, perturbando as ocupações pacíficas das três princesas. Um deles leu pomposamente um decreto. A rainha não os entendeu imediatamente; em seguida, a horrível verdade se torno claro: seu filho seria separado dela. Reunindo repentinamente toda energia que lhe restava, aquele mulher debilitada se ergueu como uma fúria, dando todos os argumentos possíveis para conservar o filho. Inflexíveis, os homens se aproximaram da cama do príncipe. Ele acordou e gritou lancinantemente. A mãe o abraçou com força. Mas quando os funcionários municipais ameaçaram chamar os guardas para levá-lo à força, a rainha cedeu. Ajudiu-o a levantar-se, vestiu-o e chorou ao beijá-lo e entregá-lo aos brutos. No dia seguinte, ficou completamente desolada ao saber que o ‘tutor’ do filho era um sapateiro alcóolotra de nome Simon”. ( Evelyne Lever, in Maria Antonieta, A ùltima Rainha da França, 2004, p. 324).
É possível não se sensibilizar, mesmo sabendo que o fato se passou em 1793?