Criatividade interpretativa

Há números da criminalidade que estarrecem. Exemplo. O jornal o Globo, de hoje, noticia que o número de estupros registrados no ano passado no Brasil (50.617) superou o de homicídios (47.136) no mesmo período, segundo dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

No país, segundo o mesmo Anuário, houve 26,1 estupros por grupo de cem mil habitantes em 2012, o que significa um aumento de 18,17% em relação a 2011, quando a taxa era de 22,1.

É claro que esses números são alarmantes. Mas é claro, também, que  podem ser são números irreais, porque, seguramente, um percentual muito significativo de crimes dessa natureza não é sequer denunciado – ou por opção da vítima em preservar a sua privacidade ou por pura descrença nos órgãos de persecução.

A verdade é que, à luz desses e de outros dados, concluo que, infelizmente, vivemos uma crise moral sem precedentes.

Compreendo que, se é utópico imaginar uma sociedade sem crimes, é possível, sim, com o envolvimento responsável e determinado das várias agências de controle, minimizá-los, trazendo-os para as estatísticas aceitáveis no mundo civilizado.

Vivemos uma quadra de desalento e quase sem perspectivas de futuro promissor, no que concerne à criminalidade.

Leio nos duas matutinos da nossa cidade, por exemplo, que foram cometidos 08 crimes de homicídio só neste final de semana em São Luis. Esses dados, pelo que têm de assustador, estarrecem, ante a certeza de que, se nada for feito, efetivamente, veremos, no futuro bem próximo,  sucumbir a sociedade dos homens de bem, para nela florescer e preponderar as ações de bandidos dos mais variados matizes.

O grave é que, diante de um quadro de tamanha gravidade, ainda somos compelidos a relaxar a prisão de marginais perigosos, em face da pouca dedicação dos agentes das instâncias de controle, aqui consideradas todas elas, sem exceção.

Não podemos, diante dessa grave realidade, contemporizar com as ações marginais, sobretudo no que concerne com a criminalidade violenta e reiterada. É necessário, nesse cenário, agir com denodo, com a necessária sofreguidão, afastando do nossos convívio social os que teimam nas práticas criminosas e os que, podendo, nada fazem para prevenir ou para punir os transgressores.

Se é verdade, como ensina Luis Roberto Barroso, que cabe ao intérprete dar um toque de humanidade à lei, não é menos verdade que, diante da realidade que vivemos, cabe ao juiz, sem solapar as franquias constitucionais dos acusados, dar um toque de rigor nas suas ações, sobretudo no que respeita aos pedidos de liberdade provisória e relaxamento de prisão, em face de uma formalidade menor,  perfeitamente superável, sem que disso resulte qualquer afronta ao garantismo penal.

O intérprete tem que ser um sujeito do seu tempo. As leis tem que ser interpretadas à luz do momento em que vivemos. Nessa perspectiva, tem papel relevante, o juiz que não se prende exageradamente ao texto legal, e que o interpreta à luz da realidade que se descortina sob os seus olhos, sem excessos que o façam parecer arbitrário, e sem tibieza que faça parecer um covarde.

Ao legalista empedernidos, anoto, com Capelleti, que não há texto, musical, poético ou legislativo, que não deixe espaço para a criatividade interpretativa.

A lei, diferente do que pensam os positivistas, não é a expressão superior da razão. Não é de bom alvitre a crença em dogmas segundo os quais a interpretação jurídica se dá apenas através de um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma. O juiz não é, para mim, apenas um revelador das verdades abrigadas no comando geral e abstrato, sem que lhe reste qualquer papel criativo. O intérprete deve, sim, buscar a justiça, ainda quando não a encontre na lei.  Não se faz nenhuma análise do sistema normativo insulando-o da realidade e da  filosofia moral que deve inspirá-lo.

É preciso ter presente que toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico. Não se pode interpretar a lei, como tenho dito, com os olhos voltados para o passado, sem levar em conta, portanto, a conjuntura em que se deram os fatos, e sem identificar o cenário e os protagonistas dos fatos que se pretendem ver  interpretados.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.