A falência de Pedrinhas

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Antecipo, para os leitores do meu blog, o artigo que será publicado no próximo domingo no Jornal Pequeno.

A seguir, o texto, como concebido definitivamente, já que, antes, eu já havia refletido sobre a questão, neste mesmo espaço.

Por diversas vezes tenho afirmado que as cadeias brasileiras são um depósito de gente, e Pedrinhas é o retrato mais bem acabado de um sistema falido, por absoluta falta de determinação e sensibilidade dos nossos governantes.

Por que isso ocorre? Fácil compreender! É que, também tenho dito, prisão no Brasil tem como clientela uma determinada classe de pessoas, que, aos olhos de quem nos dirige, é merecedora de desprezo, como se todos que eventualmente cometessem um ilícito penal e que por isso tenham sido condenados, sejam rebotalho, gente de segunda categoria, a quem o Estado empresta apenas o seu desprezo, pouco importando o preceito constitucional que destaca a dignidade da pessoa humana como um patrimônio social e como fundamento sobre o qual se erige o Estado Democrático de Direito.

Não se refletirá racionalmente sobre a desumanidade das nossas prisões, se nos limitamos a “jogar” no seu interior preferencialmente as pessoas mais humildes, como se elas, pela sua origem e posição social, não fossem gente como nós outros, não tivessem sentimento ou não sentissem dor. Dor e sentimento que, é preciso convir, transcendem sempre os limites de uma instituição celular, para alcançarem os terceiros envolvidos circunstancialmente em face da transgressão praticada.

O que se constata nesse quadro degradante e estupefaciente que se descortina sob os nossos olhos – muitas vezes sem sensibilizar os corações e as mentes dos governantes – é uma incômoda sensação de que os que dirigem os nossos destinos pensam, do pedestal de onde fazem esparramar a sua prepotência e de onde derramam a sua obliterada visão, que o princípio da dignidade da pessoa só oferece embasamento axiológico para concretização do direito justo aos bem aquinhoados, a uma casta de privilegiados, para a qual tudo o mais é sobra.

É como se os mais humildes que não ascenderam socialmente, pelos mais diversos motivos, não tivessem sensibilidade. É como se o paradigma da dignidade fosse seletivo e excludente, a nos fazer lembrar, guardadas as devidas proporções, o regime de escravidão que manchou a nossa história com as tintas da iniquidade, mercê do tratamento desumano e degradante dispensado aos nossos irmãos africanos.

É engano pensar que pessoas humildes, ao cometeram crimes, devam ser tratadas como pessoas de segunda categoria. Tratadas dessa forma, elas são embrutecidas e voltam ao convívio social sem a mínima condição de nela serem reinseridas. Quem segue essa linha equivocada de entendimento, tem a mesma visão do cão estúpido que morde a pedra que a ele atingiu, em vez de procurar a mão que a arremessou.

Os agentes do Estado – aqui incluídos o próprio Poder Judiciário, o Ministério Público e as Polícias – precisam se conscientizar do sentido ético-jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana como pressuposto para a materialização dos direitos fundamentais dos cidadãos, a legitimar a pretensão de qualquer encarcerado de ser respeitado pelos demais membros da sociedade e pelo próprio Estado.

Entre os humildes, ainda que condenados e por isso cumprindo pena, há sim pessoas que só circunstancialmente enveredaram pelo mundo da criminalidade, as quais não são, necessariamente, perigosas. E ainda que o fossem, não deveriam só por isso receber tratamento indigno e degradante, conquanto admitam que devam receber do Estado, pelas suas instâncias persecutórias, tratamento diferenciado, com a observância rigorosa dos limites e balizas consolidados na Carta Política em vigor.

Uma pessoa, importa reafirmar, não se torna necessariamente má e perigosa, a merecer a ira e o desprezo estatal, apenas porque em alguma circunstância tenha cometido um ilícito penal. Admitamos que há sim os que mereçam tratamento diferenciado, por apresentarem índole perigosa. Nada, no entanto, que possa afrontar a sua condição de ser humano, pois o Estado não pode agir como agem os facínoras ou a eles se igualar, a pretexto de punição, ainda que reconheça que parte da população pense de forma diferente, entorpecida e revoltada com os índices de criminalidade que são próprios de uma sociedade de risco.

É inegável que o encarceramento em nosso sistema prisional fracassado não melhora o detido, não o corrige para o mundo exterior, não o recupera para o retorno à sociedade, em face da falência das chamadas instituições totais, fato constatado, de resto, por tantos quantos lidam com a questão.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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