O CHORO É LIVRE?

O choro, como manifestação visível de uma grande tristeza, de uma dor física ou de uma forte emoção, sempre despertou em mim uma inquietante curiosidade, na medida em que, sendo algo natural, não é encarado com a naturalidade que devia, vez que não é incomum testemunhar as pessoas dele se esquivando, para que não sejam flagradas numa situação que consideram, culturalmente, constrangedora.

Nessa perspectiva, todos já testemunhamos pedidos de desculpas de algumas pessoas que eventualmente tenham chorado em público, como se o choro fosse uma demonstração de fragilidade, algo antinatural, quando, em verdade, é uma reação decorrente de uma instabilidade emocional momentânea a que todos estamos suscetíveis, mas que é vista entre nós, ocidentais, com reserva, diferente do que ocorre no Japão, por exemplo, onde as pessoas costumam chorar ao apresentarem um singelo pedido de desculpas.

Nessa linha de pensar, importa lembrar que todos nós, levados às lágrimas em algum momento da vida, em face de uma descarga emocional, fomos instados pelos nossos pais a “engolir” o choro, porque, na compreensão deles, chorar, além de ridículo e inaceitável, é sintoma de fraqueza, traduzida no aforismo de todos conhecido segundo o qual “homem que é homem não chora”, conclusão que contrasta com a realidade e com a sensibilidade do poeta, para quem o homem também chora, também deseja colo, precisa de carinho, precisa de ternura, precisa de um abraço, da própria candura (Gonzaguinha).

A verdade é que, fruto de uma ancestralidade equivocada, de uma cultura enviesada, fomos criados sob a severa e implacável advertência de que é feio chorar, que chorar é para os fracos, disso resultando que o choro, conquanto livre, segundo máxima popular, se for inevitável, é para ser solitário, para se manifestar intramuros, porque, afinal, se o sol vai raiar, se o dia vai amanhecer e se a lua vai nascer, como simplifica o poeta, não há porque chorar, não há dor que justifique o choro.

Assisti, recentemente, num desses cortes que as redes sociais veiculam, uma participante de um reality show, amargurada, dizendo da certeza que tinha da decepção dos seus pais com o fato de estar chorando, na medida em que teve a sua formação construída a partir do aforismo segundo o qual é prova de fraqueza chorar, a reafirmar as nossas insuperáveis contradições, pois, conquanto se reafirme que o choro é livre, construiu-se, no mundo ocidental, uma cultura segundo a qual não se deve chorar para não dar o testemunho das nossas fragilidades, quando se sabe que o choro nada mais é que uma reação natural do ser humano, seja homem ou mulher, diante de uma situação adversa que a ele (a) inflija dor e/ou sofrimento.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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