O livro Biografia do Abismo, editora Happer Collins, 2023, e-book do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann, traça um panorama alarmante da polarização política no Brasil, me conduzindo à conclusão de que a radicalização que todos testemunhamos, conquanto graves os seus malefícios, tende a se perpetuar, em face da sua dimensão e profundidade.
O que se conclui dos dados contidos no manual é que, em ambos os espectros políticos – assim nominados esquerda e direita -, o radicalismo ultrapassou as cancelas das discussões/divergências civilizadas, contaminando até os ambientes familiares, impregnando-os de grave toxidade.
A revelar uma das faces mais nefastas da polarização/radicalização, o livro narra, por exemplo, que 43% de um espectro político, e 28% do lado oposto, ficariam infelizes se um filho se cassasse com alguém do outro grupo, a evidenciar que chegamos ao fundo do poço na radicalização da sociedade.
Não é só esse dado que estarrece, nada obstante.
O mesmo livro registra, ademais, que 15% dos chamados conservadores de direita e 16% dos ditos progressistas de esquerda deixariam de ouvir música de um cantor ou cantora que tenha dado apoio ao candidato colocado no espectro político oposto ao que se colocam.
A constatação óbvia é que vivemos num ambiente que, além de polarizado, se radicalizou por demais, disso resultando o clima de intolerância que se esparrama, por via reflexa, em toda sociedade.
Dois episódios, adiante destacados, darão ao leitor a dimensão da intolerância, com pitadas de maldade, que estamos vivenciando, a deixar claro que a sociedade está gravemente enferma e que a enfermidade não se dá apenas em razão da polarização/radicalização política, conquanto seja a sua face mais visível.
Pois bem. Thaís Medeiros, de 26 anos, que teve uma reação alérgica grave, tornando-se depende de cuidados especiais, após cheirar uma conserva de pimenta, tem sido acusada/atacada porque, dizem os detratores, teria, na verdade, cheirado cocaína, cumprindo destacar, de um perfil falso, a perversa afirmação: “Só o povo careta igual a vocês que não imaginavam que sua filhinha cheirava cocaína [e] que isso aconteceu por conta dela ter cheirado pimenta”.
A postagem, claro, teve milhares de visualizações e um número expressivo de comentários do mesmo jaez, a evidenciar que parte expressiva da sociedade está mesmo doente.
O outro episódio – igualmente estupefaciente a reafirmar a constatação supra, ou seja, de que a sociedade precisa urgentemente de tratamento – envolve Lua, filha dos influenciadores digitais Viih Tube e Eliezer.
Lua vem sendo vítima de ataques gordofóbicos nas redes sociais, desde que tinha três meses; ataques traduzidos em falas do tipo “De que adianta nascer rica, mas ser obesa?”. “Tinha tudo pra ser linda, mas é obesa”. “Tadinha”. “Ela vai explodir”.
As reflexões que fiz acima, decorrentes da polarização política no Brasil, e os exemplos que dei em razão dos ataques a Thais Medeiros e a Lua, expõem, a toda evidência, a intolerância que tem permeado a vida em sociedade, potencializada pela da licenciosidade/permissividade das redes sociais, ambientes nos quais o ser humano expõe a sua face mais cruel.
Dados do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) revelam que 148 milhões de brasileiros estão no Facebook, 105 milhões no You Tube, 99 milhões no Instagram, e, no X, antigo Twitter, são 19 milhões, cujos usuários, forçoso admitir, não se valem das redes apenas para veiculação, por exemplo, de conteúdos de entretenimento, educação, cultura ou informação, dentre outros.
As redes sociais, ao reverso e ademais, têm servido, lamentável dizer, para dar vazão aos instintos mais perversos que habitam na alma do ser humano, muitas das quais tribalizadas, fanatizadas, calcificadas, “bolhificadas”, impregnadas de preconceito e ódio, a merecer de todos nós o necessário repúdio, e, das instâncias de controle e fiscalização, até onde a legislação permite, a necessária resposta.
É isso.