“SÁBIOS-IGNORANTES”

Homo sum; humani nil a me alienum puto.

“Sou humano, nada do que é humano me é estranho”, esse o sentido do aforismo.

A pergunta que deve ser feita, a propósito: somos capazes de compreender o ser humano a ponto de não estranhá-lo, como sugere o título?

Penso que não. Aliás, tenho convicção que não.

A verdade é que tenho uma enorme dificuldade de compreender o ser humano, muitos deles de alma impenetrável e incognoscível, daí que, para os meus olhos, ele, de rigor, é, sim, um estranho, dada, sobretudo, a sua compacidade de surpreender.

Por ser o homem estranho e surpreendente, nada do que faça deveria, de rigor, causar estupefação. Todavia, não é o que ocorre.

A capacidade que o homem tem de dissimular, de maquinar, de ludibriar, de trair e de falsear a verdade é inesgotável.

Para ficar num exemplo, potencializado pela onipresença, às vezes nefasta, das redes sociais na nossa vida, todos testemunhamos como o homem se comporta em face, por exemplo, de uma fala qualquer, interpretando-a, quase sempre, de acordo com as suas conveniências e os seus interesses, dando a ela a conotação que mais lhe convém, sobretudo a considerar a abertura semântica dos termos, a favorecer interpretações várias.

É claro que, para as relações, o ideal seria que o ser humano fosse apenas bom ou mau, pois que, se as pessoas fossem apenas boas ou más, não seria difícil distingui-las, a minimizar os efeitos de sua capacidade de surpreender.

Mas não é isso que ocorre, entrementes. E os exemplos estão aí para provar que não estou errado.

A verdade é que há pessoas que, além de más, são complexas, surpreendentes e contraditórias, daí que o mesmo ser humano que pode ser protagonista de um ato heroico/humanitário, desses que testemunhamos todos os dias, pode, noutro giro, praticar atos de pura vilania, solapando a nossa fé na humanidade.

Faço as ponderações acima para lembrar, sobretudo aos jovens profissionais do direito – advogados, defensores públicos, delegados, promotores, procuradores e magistrados -, os quais, por óbvias razões, tendem a especialização (mestrado, doutorado, pós-doutorado etc.), que, para além da ciência, é preciso um foco especial no ser humano, sob pena de encontrarem sérias dificuldades para o desempenho do seu múnus, e se deixar contaminar, ademais, pelo mal ou pela injustiça que se propõem a combater, afinal, como concluiu Nietzsche, “quem luta contra monstros deve se precaver para não se tornar também um monstro”.

Como adverte o filósofo espanhol Ortega y Gassete, os profissionais do direito, como de qualquer outro ramo, devem estar atentos para não se tornarem “sábios-ignorantes”, focando sua expertise apenas no seu ramo, no conhecimento de uma determinada área do direito, deixando de lado o foco especial que deve ser destinado, necessária, precípua e fundamentalmente, ao ser humano.

A verdade é que o profissional do direito – como qualquer outro, enfim – só desempenhará bem o seu papel se for um bom ser humano e se tiver sensibilidade para conhecer e entender o semelhante, sensibilidade que reclama habilidades que ele só pode alcançar se tiver uma boa formação cultural, que o ajudará, ouso afirmar, a compreender a humanidade.

Para concluir, anoto que, desde a minha avaliação, sem pelo menos tentar entender o ser humano, para o qual o direito se destina, limitando o foco na expertise e na ciência, tomando o direito como um fato e não como um valor, nenhum jurista, incluso o magistrado, cumprirá bem a sua difícil missão.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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