Homicídio culposo. Improvimento da apelação com o redimensionamento da pena

Antecipo, a seguir, excertos do voto que apresentei, em face de uma apelação criminal, manejada em razão de uma decisão de preceito sancionário, dando o apelante como incurso nas penas do artigo 302, do CTB.

Acerca da imprudência, em determinado fragmento anotei:

“[..]Esclareço, ademais, que a circunstância do apelante não ter “notado” que causou o acidente é absolutamente irrelevante, e não tem o condão de afastar, ou sequer atenuar, sua imprudência. Nesse passo, cumpre esclarecer que não se admite a compensação de culpas no Direito Penal, e somente a culpa exclusiva da vítima poderia, em tese, afastar a responsabilidade do apelante, o que, obviamente, não ocorreu in casu[...]

Na mesma linha argumentativa, ponderei:

“[…]Os dados factuais assomados dos autos demonstram que, de fato, o apelante não tomou todas as cautelas necessárias, exigíveis de uma pessoa de diligência comum, nas circunstâncias concretas em que o acidente ocorreu, pois trafegava, de forma deveras imprudente, no acostamento da BR, o que constitui, inclusive, infração administrativa gravíssima, repise-se[…]”

Quanto as penas inflingidas, à luz do princípio da proporcionalidade, consignei:

“[…] Muito embora o magistrado sentenciante tenha fixado a pena-base no piso legal, ou seja, dois anos de detenção, observo que, ao aplicar a causa de aumento de pena, prevista no inciso III, do art. 302, do CTB (omissão de socorro à vítima), exacerbou, de forma injustificada, a reprimenda pela metade, em seu patamar máximo, à vista de apenas uma única causa de aumento de pena, em absoluta inobservância ao princípio da razoabilidade, que deve sempre nortear a atividade judicante na fixação da resposta penal[…]”.

No que se refere à proporcionalidade entre as penas inflingidas ( privativa de liberdade e suspensão de habilitação), anotei:

“[…]Outrossim, obtempero que a punição de suspensão e/ou proibição para dirigir foi aplicada, pelo juízo sentenciante, de forma razoável (um ano), em consonância com os parâmetros fixados no art. 293, do CTB, e à pena por ele outrora fixada.

Nada obstante, ao cabo do redimensionamento da pena corporal, nesta sede recursal, sou compelido a, também, reduzir a pena de suspensão de habilitação, a fim de guardar a estrita proporcionalidade entre as duas reprimendas, cuja imposição é cumulada, conforme ponderei linhas acima[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 09 de novembro de 2010.

Nº Único: 0015233-38. 2010.8.10.0000

Apelação Criminal Nº. 023875-2010 – Estreito-MA

Apelante

Advogado

Apelado

Incidência Penal

Vara

Relator

Acórdão Nº_______

: Francisco das Chagas de Carvalho

: Herbene Nunes Moita

: Ministério Público Estadual

: Art. 302, caput, da Lei n. 9.503/97

: Vara Única da Comarca de Estreito-MA

: Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO PRATICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. FRAGILIDADE DAS PROVAS. INEXISTÊNCIA. MAJORANTE DO PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO ART. 302. INCREMENTO DA PENA EM SEU PATAMAR MÍNIMO. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. O tipo subjetivo do crime tipificado no art. 302, do CTB é marcado pela culpa, que se caracteriza pela inobservância do dever objetivo de cuidado, o qual, tendo relação direta com o dano (nexo causal entre a conduta e o resultado), era objetivamente previsível, por uma pessoa de diligência comum, nas circunstâncias em que o crime ocorreu, e por isso, evitável.

2. A exteriorização da conduta culposa pode ocorrer através de imprudência, negligência ou imperícia, conforme dispõe o art. 18, II, do CPB.

3. A prova pericial, aliada à prova indiciária colhida no inquérito, confirmada em juízo, mostra-se suficiente para manter a condenação.

4. A existência de uma única majorante, dentre as quatros previstas no parágrafo único, do art. 302, do CTB, não autoriza o incremento da pena em seu patamar máximo, se não há justificativa idônea para tanto.

5. Apelo conhecido e improvido, mas, redimensionada a pena, ex officio.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negar provimento ao recurso, e, de ofício, redimensionou a pena para 1/3 (um terço), ficando o apelante, pois, definitivamente condenado à pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção, substituída por duas restritivas de direitos, mantendo-se a proibição de dirigir veículos automotores, no prazo de 06 (seis) meses, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Rita de Cássia Maia Baptista Moreira.

São Luís, 09 de novembro de 2010.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Apelação Criminal Nº. 023875-2010 – Estreito-MA

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Francisco das Chagas de Carvalho, em face de sentença oriunda do Juízo da Vara Única da Comarca de Estreito, que o condenou por incidência comportamental no art. 302, III, da Lei n. 9.503/97.

Observo da inicial acusatória que:

I – que “[…] o ora denunciado no dia 29/03/98, por volta das 12:00 horas, no trecho da rodovia BR-010 que passa pela cidade Estreito/MA, próximo ao posto Minas Gerais, atropelou a vítima Antonio Ferreira de Melo, qualificado às fls. 09, provocando na mesma lesões corporais descritas no laudo de fls. 10, cuja gravidade provocou a morte imediata da aludida vítima no próprio local da colisão.

II – Segundo restou circunstanciado a vítima juntamente com sua esposa e dois filhos, um desses últimos ia sendo conduzido pela própria vítima em uma carroça de mão, deslocava-se pelo acostamento da pista de rolamento, no sentido contra-mão (sic) à direção dos veículos, quando já próximo ao sonorizador entre o posto fiscal e o posto Minas Gerais, inesperadamente surgiu a carreta conduzida pelo denunciado, trafegando pela faixa de segurança da pista de rolamento, onde se deslocava a vítima com a sua família, momento em que o denunciado ainda tentou retornar a sua faixa, mas veio a atingir violentamente a vítima, com a parte do reboque, provocando-lhe a morte instantânea no local do sinistro.”

Prossegue a denúncia afirmando que foi feita perícia no local do acidente, onde se constatou que o trecho da rodovia tinha boa visibilidade, e pavimento em bom estado de conservação.

A exordial foi instruída com os autos do inquérito policial n. 013, da Delegacia de Estreito, notadamente com o laudo de exame cadavérico de fls. 16/16v., laudo de exame em veículo (fls. 25/25v.), com relatório fotográfico anexo (fls. 26), e laudo de exame de reconstituição em local de acidente de tráfego com vítima fatal (fls. 46/48), acompanhado de croqui e tomadas fotográficas, às fls. 49 e 50, respectivamente.

Recebimento da denúncia às fls. 64.

Regularmente citado, conforme se vê pela certidão do meirinho às fls. 76/76v., o apelante foi qualificado e interrogado às fls. 78.

No curso da instrução criminal, foram inquiridas quatro testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 91, 92, 93 e 94), e uma, pela defesa (fls. 120).

Na fase do art. 499 do CPP, as partes nada requereram.

O Ministério Público apresentou suas razões finais, em forma de memoriais, às fls. 126/129, argumentando que a conduta criminosa atribuída ao apelante restou suficientemente demonstrada pelas provas dos autos, requerendo a condenação do apelante, como incurso nas sanções do art. 302, do CTB.

Nas derradeiras alegações aviadas pela defesa às fls. 130/133, postulou-se a absolvição do apelante, alegando, em suma, que não há provas suficientes para sustentar uma condenação, e que o recorrente não agiu com culpa, atribuindo o trágico resultado à circunstâncias fortuitas, dizendo que ele estava trafegando devagar, e, na ocasião do sinistro, chovia muito, a pista estava escorregadia e com pouca visibilidade.

Sobreveio a sentença condenatória de fls. 140/143, na qual o juízo a quo, fundamentou-a com base nas provas indiciárias colhidas na fase investigativa, sobretudo as periciais, aliada à prova testemunhal produzida em juízo. A resposta penal foi fixada em 04 (quatro) anos de detenção, e proibição de habilitação para conduzir veículos automotores, por 01 (um) ano. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, em favor dos familiares da vítima, e prestação de serviços à comunidade.

O apelante foi pessoalmente intimado da sentença condenatória, conforme se vê pela certidão de fls. 158/158v.

Contra esta decisão, o apelante interpôs seu recurso às fls. 159, com as inclusas razões às fls. 160/164, alegando, em resumo, fragilidade do suporte probatório para lastrear a condenação, desdobrado nos seguintes fundamentos:

I – que a constatação de um dano na parte traseira não pode conduzir, por si só, à conclusão de que o apelante atingiu a vítima com o veículo;

II – que o “motivo inusitado” consignado pelos peritos no respectivo laudo afastaria a culpa do apelante;

III – que, ante a ausência de marcas de frenagem, é de se inferir que o apelante trafegava em velocidade compatível com a via;

IV – que estava viajando em comboio, assim, qualquer outro veículo que o acompanhava poderia ser o causador do sinistro; e

V – que o apelante sequer teve conhecimento do acidente, até ser abordado por policiais federais.

Ao final pede sua absolvição, e sucessivamente, a reforma da reprimenda, para que seja afastada a pena relativa a proibição de conduzir veículos, por ser sua fonte de sustento e de sua famíla.

O Ministério Público apresentou suas contrarrazões às fls. 184/190, asseverando, em sinopse:

I – que a materialidade do crime é indiscutível;

II – que a autoria também restou suficientemente demonstrada, pois testemunhas anotaram a placa do veículo do apelante, e relataram o fato à polícia rodoviária federal, que o perseguiu e o interceptou;

III – que as conclusões do laudo pericial são claras, e o “inusitado motivo” o qual aludiram os peritos, refere-se à estranheza da manobra perpetrada pelo apelante, a qual reputou o Promotor de Justiça ter sido para desviar do sonorizador nas proximidades;

IV – que não chovia torrencialmente, e sim, uma leve precipitação atmosférica; e

V – que o nexo causal entre a imprudente conduta do apelante e o resultado danoso foi sobejamente demonstrado na sentença.

Pugnou, alfim, pelo conhecimento e improvimento do apelo.

Em seu douto parecer, a Procuradora de Justiça, Domingas de Jesus Froz Gomes, opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo, embasado nos seguintes fundamentos:

I – que as provas constantes nos autos são suficientes para embasar sua condenação;

II – que a culpa do apelante restou evidenciada, pelas provas periciais e testemunhais, demonstrando a sua imprudente conduta, pois adentrou de inopino com seu caminhão pelo acostamento; e,

III – que não houve qualquer irregularidade processual que pudesse macular as provas produzidas, ou o regular desenvolvimento do iter procedimental.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de apelação, dele conheço.

A irresignação recursal, ao que observo das razões encartadas nos autos, mira a absolvição, arrimando-se, em essência, na suposta fragilidade do patrimônio probante que lastreou a condenação, cujos argumentos, desde já adianto, não me pareceram suficientemente seguros a conceder o provimento pretendido.

À despeito da prova da materialidade delitiva não ter sido objetada no recurso, consigno que sua existência é incontestável, à vista do laudo de exame cadavérico de fls. 16/16v., laudo de exame em veículo (fls. 25/25v.), com relatório fotográfico anexo (fls. 26), e laudo de exame de reconstituição em local de acidente de tráfego com vítima fatal (fls. 46/48), acompanhado de croqui e tomadas fotográficas, às fls. 49 e 50, respectivamente.

Em seguida, analiso as irresignações do apelo.

O apelante assevera que não concorreu, culposamente, para o fatídico acidente que ceifou a vida da vítima, dizendo que um conjunto de circunstâncias fortuitas foi decisivo para o trágico acidente.

Entretanto, as provas coligidas nos autos não me conduzem a esta direção. Explico.

É consabido que a culpa é o elemento anímico do delito tipificado no art. 302, da Lei 9.503/97. A estruturação do tipo subjetivo culpa, segundo as lições doutrinárias[1], é formada pelos seguintes elementos:

Inobservância do cuidado objetivo devido.

A inobservância do cuidado objetivamente devido resulta da comparação da direção finalista real com a direção finalista exigida para evitar as lesões dos bens jurídicos. A infração desse dever de cuidado representa o injusto típico dos crimes culposos. No entanto, é indispensável investigar o que teria sido, in concreto, para o agente, o dever de cuidado. E, como segundo indagação, deve-se questionar se a ação do agente correspondeu a esse comportamento “adequado”. Somente nesta segunda hipótese, quando negativa, surge a reprovabilidade da conduta.

[…]

Produção de um resultado.

O resultado integra o injusto culposo. O crime culposo não tem existência real sem o resultado. Há crime culposo quando o agente não quer nem assume o risco da produção de um resultado, previsível, mas que mesmo assim ocorre. Se houver inobservância de um dever de cuidado, mas se o resultado não sobrevier, não haverá crime. […]

Relação de causa e efeito.

É indispensável que o resultado seja conseqüência da inobservância do cuidado devido, ou, em outros termos, que este seja a causa daquele. Com efeito, quando for observado o dever de cautela, e ainda assim o resultado ocorrer, não se poderá falar em crime culposo. Atribuir, nessa hipótese, a responsabilidade ao agente cauteloso constituirá responsabilidade objetiva, pela ausência de nexo causal.

[…]

Previsibilidade objetiva do resultado

O resultado deve ser objetivamente previsível. O aferimento da ação típica deve obedecer às condições concretas existentes no momento do fato e da necessidade objetiva, naquele instante, de proteger o bem jurídico. Assim como nos crimes dolosos o resultado dever ser abrangido pelo dolo, nos culposo deverá sê-lo pela previsibilidade. A previsibilidade objetiva se determina mediante um juízo levado a cabo colocando-se o observador (p. ex., o juiz) na posição do autor no momento do começo da ação, e levando em consideração as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente, mas as conhecidas pelo autor e a experiência comum da época sobre os cursos causais.

Conexão interna entre desvalor da ação e desvalor do resultado

O conteúdo do injusto no fato culposo é determinado pela coexistência do desvalor da ação e do desvalor do resultado. É indispensável a existência de uma conexão interna entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado, isto é, que o resultado decorra exatamente da inobservância do cuidado devido, ou, em outros termos, que esta seja a causa daquele. Com efeito, no delito culposo, o desvalor da ação está representando pela inobservância do cuidado objetivamente devido e o desvalor do resultado pela lesão ou perigo concreto de lesão para o bem jurídico.

A exteriorização da culpa se dá de acordo com as modalidades legalmente previstas no o art. 18, II, do CPB[2], e, não raro, é possível visualizar a ocorrência de duas delas em uma mesma conduta.

Com efeito, a imprudência é marcada por um agir precipitado, uma ação arriscada ou perigosa. O agente vai além de onde devia, extrapolando os limites que o dever objetivo de cuidado a todos impõe.

A negligência, em sentido oposto, é a falta de precaução, “[…] a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. […]”[3]

A imperícia, por seu turno, caracteriza-se por falta de conhecimentos técnicos específicos para o exercício de arte, ofício ou profissão.

Ao lume deste cabedal teórico dogmático acerca do tipo penal culposo, façamos o necessário cotejo com o acervo fático-probatório coligido nos autos.

Primeiramente, esclareço que a constatação de danos, na parte traseira do veículo conduzido pelo apelante é, sim, um importante vestígio, o qual foi considerado pelos peritos na análise e conclusão atinente à dinâmica do acidente.

Entretanto, não foi o único e decisivo elemento condicionante à conclusão pericial acerca da responsabilidade do acidente, como quer fazer crer o apelante.

Trata-se, em verdade, de evidência factual compatível com a natureza da colisão em apreço, que auxiliou na elucidação da dinâmica do acidente, ou seja, de que um veículo atingiu um corpo flácido, no caso, o corpo da vítima.

Pois bem.

Com efeito, observo do laudo de exame de reconstituição em local de acidente de tráfego com vítima fatal (fls. 46/48), que os peritos signatários concluíram o seguinte:

[…] IV – DISCUSSÃO: O veículo em epígrafe encontrava-se trafegando pela BR-010 obedecendo seu sentido correto de tráfego e mão-de-direção (sic) com deslocamento orientado da cidade de Porto Franco para Estreito, ocupando a sua faixa de tráfego mais precisamente a zona de imprimação da plataforma. Quando encontrava-se próximo ao Posto de Fiscalização da Receita Estadual, efetuou evasiva para sua direita passando a trafegar repentinamente pela faixa de segurança da pista de rolamento deparando frontalmente com a família da vítima, que deslocava-se pela zona de segurança em trajetória contrária a carreta. Quando o condutor do veículo fez golpe de direção corretivo, voltando para sua faixa de tráfego, momento em que a esposa e o filho da vítima pularam para a sua esquerda esquivando-se na parte angular posterior direita do REBOQUE, movimento seguido pelo filho menor que encontrava-se em posição sentado no carro-de-mão (sic), por estarem numa zona de mão escapada não teve tempo hábil para refugiarem-se tendo sido atingido por esta parte do REBOQUE tendo sido projetado por sobre o solo, vindo a ter morte instantânea no local do sinistro. […]

IV – CONCLUSÃO: Face o exposto concluem os Peritos que a causa determinante do acidente foi atribuída ao comportamento do condutor do veículo por motivo inusitado deslocou-se de sua faixa de tráfego para a zona de imprimação à sua direita, tendo ao tentar retornar colidiu com a citada vítima.

(Sem destaques no original) (Sic)

Conquanto não tenha sido possível aferir a velocidade que o apelante desenvolvia na ocasião, pondero que a conduta decisiva, para o fatídico resultado, foi a imprudente manobra por ele perpetrada, que, sem qualquer razão aparente ou justificável (daí o porquê dos peritos terem cunhado o termo “inusitado” no laudo), simplesmente, saiu de sua faixa de rolamento na pista, adentrando, indevidamente, no acostamento, e, na tentativa de corrigir seu rumo de direção, a fim de retornar para pista, colidiu a traseira do caminhão (mais precisamente, o reboque), com a vítima, conforme restou ilustrado pelo croqui de fls. 49, e tomada fotográfica de fls. 50.

Nessa quadra, entendo que a aferição da velocidade desenvolvida não guarda muita pertinência ao caso, porque o simples fato de trafegar na zona de acostamento, que é denominada pelos peritos, inclusive, de zona de segurança, já evidencia a imprudente conduta do apelante.

Oportuno trazer à lume as seguintes regras de circulação de veículos, previstas na Lei 9.503/97:

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

Omissis

V – o trânsito de veículos sobre passeios, calçadas e nos acostamentos, só poderá ocorrer para que se adentre ou se saia dos imóveis ou áreas especiais de estacionamento;

Art. 60. As vias abertas à circulação, de acordo com sua utilização, classificam-se em:

Omissis.

II – vias rurais:

a) rodovias;

b) estradas.

Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.

(Sem destaques no original).

É de se asseverar, à guisa reforço, à imprudência da conduta acoimada ao apelante, que o trânsito de veículos automotores em acostamentos constitui infração administrativa gravíssima, a teor do que dispõe o art. 193, do CTB, litteris:

Art. 193. Transitar com o veículo em calçadas, passeios, passarelas, ciclovias, ciclofaixas, ilhas, refúgios, ajardinamentos, canteiros centrais e divisores de pista de rolamento, acostamentos, marcas de canalização, gramados e jardins públicos:

Infração – gravíssima;

Penalidade – multa (três vezes).

(Sem destaques no orginal)

Portanto, não há dúvidas de que o apelante agiu de forma absolutamente imprudente, não se sustentando as razões recursais explicitadas nos itens I, II e III, acima relatados.

No que atine à tentativa de afastar-se o nexo causal, também não prosperam os argumentos defensivos.

O apelante, ao ser qualificado e interrogado, tanto na fase inquisitiva como em juízo, negou as imputações criminosas, por certo, exercendo seu infastável direito à autodefesa.

Nada obstante, os depoimentos testemunhais conduzem-me à inabalável certeza de que o apelante, de fato, foi o causador do acidente que ceifou a vítima da vítima.

Com efeito, a testemunha Sandro Miranda de Oliveira, agente da Polícia Rodoviária Federal, relatou em juízo às fls. 93:

“[…] que por volta das 12:50h da data do fato se encontrava de serviço no posto da policia (sic) rodoviária federal localizado na r 226, Km 07, Município de Palmeiras/TO, no momento em que parou uma caminhonete F1000 de cor azul tendo como condutor o Sr. Aluízio Milhomem Araújo; que o condutor do veículo disse para o depoente que momentos antes, próximo ao posto minas gerais, tinha presenciado uma carreta atropelar um pessoa e que o condutor da carreta nem se quer (sic) parou para socorrer a vítima e aumentou a velocidade; que logo em seguida deu uma forte chuva e a carreta passou em velocidade moderada mais não parou no posto da policia (sic) rodoviária; que o depoente saiu em perseguição e 3 Km do posto conseguiu fazer o motorista da carreta parar e o conduziu para o posto da polícia rodoviária federal; que o depoente veio a esta cidade para verificar a veracidade dos fatos e foi informado que uma carreta atropelou e matou uma pessoa; […] que lembra que a carreta estava com uma avaria na lanterna lateral traseira; […]”

(Sem destaques no original).

De importante relevo para a elucidação do caso são as palavras da Sra. Marineide Barbosa de Sousa, ex-esposa da vítima, que estava presente no momento da colisão, e visualizou a dinâmica do acidente (fls. 92):

“[…] que era esposa da vítima e estava juntamente com seus dois filhos com a mesma na hora do fato; que estavam andando pelo acostamento da BR nas proximidades do posto fiscal seguindo em direção ao posto minas gerais; que estava com o seu filho de seis anos e seu marido conduzia um carro de mão com sua filha de três anos dentro do mesmo; que caia uma chuva fina no momento do acidente; que o fato aconteceu por volta das 11:00h da manhã; que viu quando a carreta parou próximo a uma movelaria; que em seguida a carreta veio em sentido contrario (sic) da depoente; que percebeu que a carreta estava saindo da pista tendo avisado seu marido; que a carreta veio em direção a depoente e a sua família; que a depoente precisou se abaixar e proteger o seu filho para não serem atingidos; que a carroceria da carreta atingiu primeiramente o carro de mão; que seu marido conseguiu desviar o carro de mão e foi atingido pelo pneu traseiro da carreta; que o seu marido ficou engatado em um ferro que amarra a corda na altura do pneu sendo arrastado pela carreta; que quando se soltou o para-choque (sic) da carreta o atingiu e o mesmo caiu na posta batendo a cabeça no asfalto; que vi o motorista da carreta olhar pelo retrovisor sem parar para prestar socorro […] que quando chegou no hospital o seu marido já estava morto; […]”

(Sem destaques no original).

A testemunha de defesa, ouvida às fls. 120, não trouxe qualquer informação de relevo para a elucidação do fato criminoso ora em apuração, limitando-se a exaltar as boas qualidades do réu, sobretudo como motorista.

Portanto, observo que é totalmente insubsistente a tese defensiva de ausência de nexo causal, pois as declarações das testemunhas, uma delas ocular, inclusive, afasta de plano essa alegação, dando conta de que foi o apelante quem colidiu com o reboque de seu caminhão na vítima (não outro veículo do comboio, como alegou a defesa), corroborando a dinâmica do acidente, nos termos em que consignados no laudo pericial.

Esclareço, ademais, que a circunstância do apelante não ter “notado” que causou o acidente é absolutamente irrelevante, e não tem o condão de afastar, ou sequer atenuar, sua imprudência. Nesse passo, cumpre esclarecer que não se admite a compensação de culpas no Direito Penal, e somente a culpa exclusiva da vítima poderia, em tese, afastar a responsabilidade do apelante, o que, obviamente, não ocorreu in casu.

Nesse sentido a jurisprudência vaticina:

“[…] Ainda que se admitisse a possibilidade de análise de eventual conduta culposa por parte da vítima, nenhum benefício traria ao recorrente, pois em sede criminal não há que se falar em compensação de culpas. Agravo regimental a que se nega provimento.[4]

Por outro lado, as supostas condições de tempo informadas pelo apelante (muita chuva) não foram confirmadas por qualquer outro elemento probante carreado aos autos. Ao revés, apurou-se que, de fato, chovia, porém, de forma muito tênue (uma “chuva fina” como relatou a Sra. Marineide em juízo, bem como Sr. Demerval Barbosa barros – fls. 91), do que se infere a inconsistência da alegação do apelante de má visibilidade e pista muito escorregadia.

Desta forma, é de se concluir, com base nas provas constantes no caderno processual, que o apelante, ao sair de sua pista de rolamento, adentrando no acostamento da BR-010, o fez de forma imprudente, sem qualquer razão justificável para tanto, e, ao efetuar a manobra de correção, para retornar à sua faixa de rolamento na pista, acabou por atingir a vítima, com o reboque do caminhão, causando-lhe os ferimentos que o levaram à morte, instantaneamente, no local.

Os dados factuais assomados dos autos demonstram que, de fato, o apelante não tomou todas as cautelas necessárias, exigíveis de uma pessoa de diligência comum, nas circunstâncias concretas em que o acidente ocorreu, pois trafegava, de forma deveras imprudente, no acostamento da BR, o que constitui, inclusive, infração administrativa gravíssima, repise-se.

Na tentativa de retornar com seu veículo para a via, efetuou uma conversão à esquerda, cuja consequência, em razão das consideráveis dimensões do veículo (caminhão tipo “cavalo mecânico” com reboque atrelado), foi o choque da parte traseira (reboque), com a vítima.

Esta quadra fática, ou seja, uma manobra efetuada de forma açodada, para corrigir outra feita de forma imprudente, em uma BR, com trechos sinalizados e habitado nas redondezas (o que se infere das tomadas fotográficas da reconstituição do acidente, às fls. 50), evidencia, na espécie, a previsibilidade objetiva do resultado danoso, perfeitamente evitável.

Com efeito, a imprudente manobra do apelante foi o fator determinante da fatídica colisão, que ceifou a vida da vítima (nexo causal entre sua conduta e o resultado morte, o que foi, ademais, confirmando pelo laudo pericial).

Passo, em diante, a averiguar, ex officio, a adequação da resposta penal.

Muito embora o magistrado sentenciante tenha fixado a pena-base no piso legal, ou seja, dois anos de detenção, observo que, ao aplicar a causa de aumento de pena, prevista no inciso III, do art. 302, do CTB (omissão de socorro à vítima), exacerbou, de forma injustificada, a reprimenda pela metade, em seu patamar máximo, à vista de apenas uma única causa de aumento de pena, em absoluta inobservância ao princípio da razoabilidade, que deve sempre nortear a atividade judicante na fixação da resposta penal.

Nesse sentido, colaciono a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

“[…] 5. A presença de mais de uma causa de aumento de pena não é causa obrigatória de exasperação da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que o magistrado, considerando as peculiaridades do caso concreto, constate a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da majoração, o que não ocorreu na hipótese.

Enunciado da Súmula n.º 443 do Superior Tribunal de Justiça[5].

(Sem destaques no original).

Na mesma senda, em raciocínio análogo ao crime de roubo, o STJ também já assentou:

“[…] 2. O magistrado aumentou a sanção de 2/5 (dois quintos) em razão do emprego de arma de fogo, sem justificar, de qualquer modo, o acréscimo da pena em patamar superior ao mínimo previso no § 2º do art. 157 do Código Penal, de 1/3 (um terço). Ainda que se trate apenas de uma majorante, admite-se o acréscimo acima do mínimo legal, desde que devidamente fundamentada a decisão, o que não ocorreu na hipótese[6].

(Sem destaques no original).

Desta forma, à vista de uma única majorante, e, à mingua de fundamentação idônea, sou compelido a reduzir o acréscimo da pena, em seu mínimo legal, ou seja, em 1/3 (um terço), resultando em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção.

De outro giro, entendo que a imposição da pena de proibição de conduzir veículos é de rigor, não prosperando o argumento de que traria prejuízos ao apelante, por retirar seu sustendo desta atividade.

Ora, em minha compreensão, tal circunstância, de ser o apelante motorista profissional, lhe exige um dever objetivo de cuidado ainda maior na condução de veículos automotores, denotando, pois, a elevada reprovabilidade de sua conduta.

Nesse diapasão:

EMENTA: ACIDENTE DE TRÂNSITO – DUPLO HOMICÍDIO CULPOSO – NEXO DE CAUSALIDADE – DEVER DE CUIDADO OBJETIVO – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – INOCORRÊNCIA – SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO – CONSTITUCIONALIDADE. […]. 4. Ainda que o agente seja motorista profissional e necessite da CNH para o exercício de suas atividades profissionais, tal fato, por si só, não torna a pena de suspensão inconstitucional, pois além desta decorrer de expressa previsão legal (art. 302 do CTB), exige-se deste profissional maior cuidado objetivo, mostrando-se mais grave o seu descumprimento. 5. Recurso parcialmente provido[7].

(Sem destaques no original).

Na mesma alheta:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO. MOTORISTA PROFISSIONAL. ILICITUDE DA APLICAÇÃO DA PENA. CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA.

1. A cominação da pena de suspensão da habilitação decorre de opção política do Estado, cifrada na soberania popular. O fato de o condenado ser motorista profissional não infirma a aplicabilidade da referida resposta penal, visto que é justamente de tal categoria que mais se espera acuidade no trânsito.

2. Ordem denegada[8].

Ademais, anoto que o preceito secundário do art. 302, do CTB, prevê a pena corporal e a restritiva de forma cumulada, sendo absolutamente inviável ao juiz cindi-la, quando de sua aplicação.

Na esteira de tais argumentos:

“[…] 3. Não há como cassar a pena constante do preceito secundário do art. 302 do CTB, de suspensão ou proibição para dirigir veículo automotor, pois esta é aplicada cumulativamente com a pena corporal e a sua fixação deve guardar paridade com a pena privativa de liberdade imposta. 4. Recurso parcialmente provido.”[9].

Outrossim, obtempero que a punição de suspensão e/ou proibição para dirigir foi aplicada, pelo juízo sentenciante, de forma razoável (um ano), em consonância com os parâmetros fixados no art. 293[10], do CTB, e à pena por ele outrora fixada.

Nada obstante, ao cabo do redimensionamento da pena corporal, nesta sede recursal, sou compelido a, também, reduzir a pena de suspensão de habilitação, a fim de guardar a estrita proporcionalidade entre as duas reprimendas, cuja imposição é cumulada, conforme ponderei linhas acima.

Nesse sentido:

“[…]3. A pena de suspensão ou de proibição de se obter habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor, por se cuidar de sanção cumulativa, e não alternativa, deve guardar proporcionalidade com a detentiva aplicada, observados os limites fixados no art. 293 do Código de Trânsito Brasileiro [11]; […]”

Por conseguinte, entendo que a suspensão de habilitação para conduzir veículos, ou proibição de obtê-la, deve ser reduzida, de modo a compatibilizar-se com a quantidade de pena privativa de liberdade ora redimensionada, próxima ao piso legal.

Com as considerações supra, conheço do presente recurso, para, de acordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, negar-lhe provimento, entretanto, redimensiono a reprimenda, ex officio, e reduzo a causa de aumento de pena prevista no art. 302, parágrafo único, inciso III, para seu patamar mínimo, ou seja, 1/3 (um terço), ficando o apelante, pois, definitivamente condenado à pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção, a qual deve ser substituída por duas restritivas de direitos, nos termos já consignados na sentença condenatória, mantendo-se, outrossim, a proibição do apelante de dirigir veículos automotores, a qual fixo em 06 (seis) meses.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 09 de novembro de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] BITENCOURT, Cezar Robert. Código Penal Comentado. 4. ed. Saraiva, 2007, p. 63-64.


[2] Art. 18. Diz-se o crime: (…) II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

[3] Ob. cit., p. 65.

[4] AgRg no REsp 881.410/MT, Rel. MIN. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 13/11/2007, DJ 03/12/2007, p. 377.

[5] HC 163.491/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/05/2010, DJe 21/06/2010.

[6] HC 91.107/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 28/09/2009

[7] TJ/MG: APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0474.06.026002-0/001. RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS. DJ: 30/03/2010.

[8] HC 110.892/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 23/03/2009.

[9] TJ/MG: APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0476.06.003589-8/001. RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS. DJ: 05/05/2009.

[10] Art. 293. A penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos.

[11] HC 137.581/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 07/06/2010.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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