Afronta ao direito de presença. Nulidade absoluta

No voto a seguir publicado, entendi devesse anular o processo em relação a um dos acusados, por entender que, em relação a ele, restaram malferidos os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois que não foi regularmente intimado – nem seu advogado – para se fazer presente durante a instrução probatório.

Antecipo, a seguir, fragmentos do voto:

“[…]É patente, pois, o prejuízo ocasionado à defesa do apelante supramencionado, haja vista que se viu tolhido do seu direito ao contraditório quando da inquirição da vítima e demais testemunhas ouvidas na audiência de instrução, da qual não participou nem teve sua defesa exercida por meio de advogado.

A toda evidência, é flagrante a nulidade dos depoimentos colhidos sem a presença do réu, ou seu defensor, a fim de que pudesse reperguntar e ter garantido o seu direito constitucional à ampla defesa.

Importante ressaltar que, na espécie, o recorrente J. A. da S. F. sequer foi intimado para a audiência de instrução, em face da sua transferência para outro estado da Federação, consoante certidão de fls. 571.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, erigidos a dogma constitucional, formam a base para um processo judicial justo e legítimo, sobretudo no que se refere ao processo penal, onde o que está em jogo é a própria liberdade do cidadão.

Dessa forma, parece inaceitável a inviabilização de garantias constitucionais, com manifesta disparidade de armas entre acusação e defesa, com graves reflexos em um dos bens mais valiosos da vida – a liberdade -, em função de conduta imputada ao próprio Estado.

Ante o exposto, entendo que o processo, em relação ao apelante J. A. da S. F., deva ser fulminado pelo vício da nulidade absoluta, desde a audiência de instrução, na qual foram colhidos os depoimentos das testemunhas do rol da acusação, sem a sua presença[…]”

A seguir, o voto, por inteiro:


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 28 de setembro de 2010.

Nº Único: 0002282-82.2008.8.10.0000

Apelação Criminal Nº 2282/2008 – Codó

1º Apelante : M. A. B. e outros
Advogado : O. M. B. F.
2º Apelante : J. A. da S. F.
Advogado : J. R. R. N. F.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, §2º, IV e V, e 288, ambos  do CP

Acórdão Nº …………………

Ementa. APELAÇÕES CRIMINAIS. ROUBO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRETENSÕES ABSOLUTÓRIAS INVIÁVEIS. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NA FASE INQUISITORIAL. INOCORRÊNCIA. HARMONIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO AMEALHADO  EM SEDE JUDICIAL. PRESENÇA OS ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DEVIDAMENTE VALORADAS. APELOS IMPROVIDOS. NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA EX OFFICIO EM RELAÇÃO A UM DOS APELANTES,  QUE TEVE O DIREITO  À AMPLA DEFESA HOSTILIZADO.

1. A pretensão absolutória  dos recorrentes esamece  diante da constatação de que dos autos assomam  provas inequívocas acerca da  autoria e da  materialidade, produzidas ao longo da persecução criminal.

2. Não há  que se dar azo à pretensão absolutória, ademais,  se as provas que serviram de base ao édito condenatório foram  colhidas  em sede judicial, oxigenadas pela ampla defesa e contraditório, colorários do devido processo legal.

3. As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal foram plenamente valoradas pelo juízo a quo, devendo, portanto, ser mantida a pena fixada na sentença.

4.Recursos conhecidos e improvidos.

5.Nulidade absoluta reconhecida, e declarada de ofício, em relação a um dos apelantes, cuja defesa restou prejudicada pela ausência de intimação para audiência na qual foram produzidas provas relevantes para o desfecho condenatório.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo, em parte, com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, a Primeira Câmara Criminal declarou, ex officio, nulo o processo, no que se refere ao recorrente J. A. da S. F., a partir das fls. 581 dos autos, e, acolhendo o parecer ministerial, negou provimento aos recursos ajuizados por M. A. B., M. A. V. e M. A. B., para manter integralmente a sentença por eles impugnada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Raimundo Nonato Magalhães Melo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e José Ribamar Froz Sobrinho. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.

São Luís(MA), 28 de setembro de 2010.

DESEMBARGADOR Raimundo Nonato Magalhães Melo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal Nº 2282/2008 – Codó

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recursos de apelação interpostos por M. A. B., M. A.V., M. A. B. e J. A. da S. F., contra a sentença de fls. 1133/1150, que os condenou por incidência comportamental no artigo 157, §2º, IV e V, e art. 288, parágrafo único, c/c art. 69, todos do Código Penal.

Com base em elementos colhidos durante a fase pré-processual, o Ministério Público ofertou denúncia contra os apelantes e mais seis indivíduos, imputando aos mesmos os crimes de roubo qualificado e formação de quadrilha armada.

Segundo consta na inicial acusatória, em síntese, os recorrentes são integrantes de uma numerosa e bem articulada quadrilha, especializada em roubo de cargas que são transportadas entre vários Estados.

A descoberta da quadrilha, de acordo com a exordial, deu-se com a prisão em flagrante de M. A. V., M. A. B., M. A. B. e D. A. da S., em uma fazenda onde foi construído um túnel de aproximadamente 400m², destinado ao armazenamento dos produtos do crime (carros e carga de caminhões). Em seguida, ao serem interrogados na Delegacia, revelaram os nomes dos demais participantes da quadrilha, entre eles, J. A. da S. F..

A denúncia foi recebida às fls. 361/362.

Na decisão de fls. 544, o processo foi separado em relação aos réus foragidos, prosseguindo quanto aos apelantes.

Às fls. 527/532 consta o interrogatório de M. A. V., M. A. B. e M. A. B. e, às fls. 535, as respectivas defesas prévias.

J. A. da S. F. foi citado e interrogado por meio de carta precatória (fls. 693/694), apresentando defesa prévia às fls. 695/696.

Das testemunhas arroladas na denúncia, foram ouvidas: R. N. L. G. (fls. 574), Z. C. T. (fls. 575A), R. F. da S. (fls. 577), L. da S. S. (fls. 578), E. D. D. (fls. 579), R. de J. C. (fls. 977) e M.  S. V. da S. (fls. 978), além da vítima F. W. da P. A.(fls. 770).

Das testemunhas indicadas pelos apelantes M. A. B., M. A. V. e M. A. B., prestaram depoimento: L. J. da S. e M. A. B. às fls. 665/668 e A. de J. A. S., às fls. 681/682.

As testemunhas arroladas pela defesa de J. A. da S. foram ouvidas às fls. 805 (R.L. da S.), 823 (M. M. de S.) e 1027/1028 (L. M. da S.).

Em sede de alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação dos apelantes nos termos da denúncia (fls. 1073/1077).

M. A. B., M. A. V. e M. A. B., em suas alegações finais, pugnaram pela absolvição com base no art. 386, IV e VI, do CPP, alegando não existirem provas da prática do crime (fls. 1088/1099).

J. A. da S. F., na mesma oportunidade, requereu, da mesma forma, sua absolvição por ausência de provas (fls. 1100/1121).

O juízo de primeiro grau julgou procedente a denúncia, condenando os recorrentes pela prática de roubo qualificado (157, §2º, IV e V, do CP) em concurso material com o crime de quadrilha (art. 288, caput, e parágrafo único, do CP), às penas a seguir discriminadas:

1. M. A. B.: 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto;

2. M. A. V.: 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto;

3. M. A. B.: 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto; e

4. J. A. da S. F.: 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Os três primeiros recorrentes apelaram da decisão condenatória postulando por suas absolvições, alegando a invalidade das provas colhidas na fase inquisitorial para efeito de condenação, sustentando, ainda, a inexistência de vínculo associativo para a formação de quadrilha e a inobservância, por parte do juiz sentenciante, das circunstâncias judiciais que lhe são favoráveis (fls. 1262/1276).

J. A. da S. F., em suas razões recursais, também sustenta que as provas, produzidas extrajudicialmente, logo, sem o crivo do contraditório, são insuficientes para sua condenação e que a sentença recorrida não atende aos preceitos contidos no art. 59, do CP; ao final, pleiteia pela sua absolvição (fls. 1234/1261).

Em suas contrarrazões, o Ministério Público requereu o improvimento do apelo, ante a fragilidade de seus argumentos, mantendo-se intacta a sentença recorrida (fls. 1281/1287).

Com vista dos autos, a Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 1319/1333, manifestou-se pelo improvimento do recurso, no sentido de que seja mantida a sentença a quo, com a condenação dos apelantes M. A. V., M. A. B., M. A. B. e J. A. da S. F., em concurso material, nos crimes previstos nos arts. 157, §2º, IV e V, e 288, caput e parágrafo único, do Código Penal.

É o relatório.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.

Consoante relatado, M. A. B., M. A. V., M. A. B. e J. A. da S. F. foram condenados em primeira instância pela prática dos delitos previstos nos artigos 157, §2º, IV e V, e 288, parágrafo único, c/c art. 69, todos do Codex Penal.

Inconformados, os recorrentes apelaram da decisão, pleiteando sua absolvição das acusações que lhes foram imputadas.

A apreciação do mérito de um dos recursos interpostos, no entanto, resta prejudicada pela constatação da ocorrência de nulidade absoluta, verificada ainda na fase da instrução processual.

Trata-se da realização da audiência de inquirição das testemunhas arroladas na denúncia (fls. 581/590), sem a presença do réu José A. da S. F., bem como de seu defensor, ocasionando evidente prejuízo à sua defesa e demais garantias inerentes ao devido processo legal.

Com efeito, a irregularidade teve início desde o recebimento da denúncia, visto que a juíza de base deixou de ordenar a citação dos réus, cingindo-se a decretar sua prisão preventiva, conforme se verifica às fls. 361/362.

Não obstante a referida omissão, os apelantes M. A. B., M. A. V. e M. A. B., que se encontravam presos, foram devidamente citados (fls. 520), qualificados e interrogados em audiência realizada no dia 21/09/2004 (fls. 526/532).

J. A. da S. F., por sua vez, teve sua prisão cautelar efetivada em 20/08/2004, na cidade de Curimatá/PI (fls. 494). Posteriormente, foi transferido para o estado do Pará, por conta de um mandado de prisão preventiva expedido pela autoridade judicial daquela localidade (fls. 551/552).

No despacho de fls. 244, designou-se audiência para inquirição das testemunhas do rol da acusação. Antes de iniciar o ato processual, a juíza que presidiu o feito consignou, em assentada, o “não comparecimento do acusado J. A. da S., em razão do mesmo ter sido transferido para o Estado do Pará, conforme informações do Delegado Regional”; e, em seguida, deliberou pela expedição de carta precatória para sua citação e interrogatório (fls. 573).

Observa-se que a audiência foi realizada, em 25/01/2005, com a tomada de declarações da vítima e oitiva de quatro testemunhas, sem que, ao menos, fosse nomeado defensor para atuar na defesa do réu, ora apelante, que se encontrava ausente, preso em outra comarca e sequer citado.

A citação do recorrente J. A. da S. F. deu-se apenas em 10/05/2005, conforme se constata às fls. 692, na comarca de Santa Izabel, no estado do Pará, onde foi qualificado e interrogado (fls. 692/694).

É patente, pois, o prejuízo ocasionado à defesa do apelante supramencionado, haja vista que se viu tolhido do seu direito ao contraditório quando da inquirição da vítima e demais testemunhas ouvidas na audiência de instrução, da qual não participou nem teve sua defesa exercida por meio de advogado.

A toda evidência, é flagrante a nulidade dos depoimentos colhidos sem a presença do réu, ou seu defensor, a fim de que pudesse reperguntar e ter garantido o seu direito constitucional à ampla defesa.

Acerca do direito de presença do réu nas audiências, o Supremo Tribunal Federal, em voto proferido pelo Min. Celso de Melo, já se pronunciou no sentido de que se trata de prerrogativa essencial, cujo desrespeito não pode ser legitimado por razões de conveniência administrativa ou governamental. Confira-se:

O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos da própria comarca, do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência (HC 86.634/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). – O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu.[1]

Importante ressaltar que, na espécie, o recorrente J. A. da S. F. sequer foi intimado para a audiência de instrução, em face da sua transferência para outro estado da Federação, consoante certidão de fls. 571.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa, erigidos a dogma constitucional, formam a base para um processo judicial justo e legítimo, sobretudo no que se refere ao processo penal, onde o que está em jogo é a própria liberdade do cidadão.

Esses dois princípios, portanto, constituem-se como

cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontrando-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção penal.[2]

Dessa forma, parece inaceitável a inviabilização de garantias constitucionais, com manifesta disparidade de armas entre acusação e defesa, com graves reflexos em um dos bens mais valiosos da vida – a liberdade -, em função de conduta imputada ao próprio Estado.

Ante o exposto, entendo que o processo, em relação ao apelante J. A. da S. F., deva ser fulminado pelo vício da nulidade absoluta, desde a audiência de instrução, na qual foram colhidos os depoimentos das testemunhas do rol da acusação, sem a sua presença.

Consigno que a nulidade ora constatada não se estende aos demais apelantes, os quais se fizeram presentes durante toda a instrução, devidamente representados por procurador habilitado nos autos, não ocorrendo qualquer prejuízo.

Passo, nesse momento, à análise do mérito dos recursos interpostos por M.A. B., M. A. V. e M. A. B..

Observa-se que os recorrentes se insurgem contra pontos comuns, presentes na sentença que os condenou pela prática dos crimes previstos nos artigos 157, §2º, IV e V, e art. 288, parágrafo único, c/c art. 69, todos do Código Penal.

O primeiro ponto questionado pelos apelantes refere-se às provas que serviram de base para a sua condenação. Segundo alegam em seus recursos, as provas que deram sustentação ao édito condenatório foram produzidas exclusivamente na fase de inquérito policial, razão pela qual não poderiam servir de base a um decreto condenatório.

Sustentam os recorrentes a necessidade de que as provas nas quais se baseou o Ministério Público para pedir a condenação tivessem sido produzidas em juízo, pois, somente assim, poderiam ser por eles contra- argumentadas.

A tese dos apelantes, no entanto, não merece prosperar, visto que a sentença atacada fundamentou-se em provas colhidas em sedes administrativa e judicial, e foram analisadas de acordo com o sistema do livre convencimento motivado, adotado como regra geral pelo nosso ordenamento jurídico[3].

Da decisão a quo (fls. 1133/1150), apanho fragmentos que reforçam as afirmações supra, verbis:

“[…]Os depoimentos prestados pelos acusados M. A. B. e M. A. V. (fls. 325/333), perante a DEIC/MA, apresentam o mesmo sentido dos trechos acima reproduzidos, revelando quais as suas respectivas funções na execução dos crimes perpetrados pelo bando, bem assim apontando o acusado J. A. como um dos líderes da quadrilha que efetivamente tomaram parte no roubo de carga objeto da denúncia[…]”.

De outro trecho, destaco:

“[…]Segundo colhe-se do depoimento em juízo do acusado M. A. B., o mesmo, juntamente com os acusados M. E M. foram contratados por J. A. para fazerem a reforma do túnel localizado na fazenda próxima de Codó-MA, já tendo participado da construção de outro túnel na cidade de Ipixuma-PA […]”

(fls. 530/531).

A sentença proferida pelo juízo de base encontra-se devidamente fundamentada e não se deteve, sobreleva reafirmar, apenas em elementos de prova produzidos na fase inquisitorial. Ao contrário, foi analisada, também, levando em conta o conjunto probatório amealhado em sede judicial.

A materialidade delitiva restou provada pelo auto circunstanciado de busca e apreensão (fls. 76/80), cópia das notas fiscais das mercadorias apreendidas (fls. 41/63), auto de apresentação e apreensão (fls. 109/115) e pelo termo de restituição (fls. 116/120).

Quanto à autoria, sua comprovação se deu por meio dos depoimentos colhidos nas duas etapas da persecução criminal.

As afirmações feitas, em sede policial, por M. A. B., M. A. V. e M. A. B., quanto à construção do túnel, descarregamento e armazenamento das mercadorias roubadas pela quadrilha (fls. 85/93 e 321/324), foram confirmadas em juízo (fls. 527/532).

Acerca da validade das provas extrajudiciais, veja-se, a propósito, a seguinte ementa, da lavra do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PROVAS EXTRAJUDICIAIS CORROBORADAS PELA CONFISSÃO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE.

RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que não é possível a condenação do acusado com base em provas produzidas exclusivamente no inquérito policial.

2. Tendo sido as provas extrajudiciais confirmadas em Juízo pela confissão do acusado, não há falar em insuficiência do conjunto probatório para a condenação.

3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória.[4]

No mesmo sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 33 E 35, DA LEI N° 11.343/2006. ALEGAÇÃO DE CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL RETRATADA EM JUÍZO. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA QUE FORMARAM A CONVICÇÃO DO JULGADOR. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. REQUISITOS. PACIENTE QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO.

I – Na hipótese dos autos não restou configurada qualquer ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, porquanto, ao contrário do afirmado, a condenação não está baseada apenas na confissão extrajudicial retratada em juízo, mas também em depoimentos testemunhais colhidos durante a instrução criminal.

[…]

Ordem denegada.[5]

Vê-se, portanto, que a condenação dos apelantes não se baseou, exclusivamente, nas provas colhidas na fase pré-processual. A decisão recorrida utilizou-se, também, dos depoimentos coligidos em sede judicial, sob os crivos do contraditório e da ampla defesa, corolários do dwe process of law.

Destarte, restando comprovadas a autoria e a materialidade pelo conjunto probatório constante nos autos, não vejo como prover o apelo, absolvendo os recorrentes.

No que concerne à alegação de ausência de vínculo associativo, da mesma forma, não há como subsistir, em face dos elementos de prova que restaram consolidados nos autos e que, por isso mesmo, serviram para fundamentar a sentença condenatória hostilizada.

O delito de quadrilha é tipificado no artigo 288, do Código Penal com a seguinte redação:

“associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”.

São elementos objetivos do tipo a reunião, de, no mínimo, quatro pessoas, com caráter estável e permanente, visando a prática de delitos[6].

O propósito comum de participação nos crimes de formação de quadrilha e roubo de cargas é demonstrado através dos interrogatórios prestados pelos acusados.

M. A. V., perante a autoridade policial, descreve como se dera a sua participação na caracterização dos delitos:

[…] que, os seus primos, aqui ora também conduzidos, já se encontravam na fazenda; que, quando chegou já tinha mercadoria dentro do buraco; que o buraco era de aproximadamente 50m e estava todo coberto de terra apoiado por madeiras; que o fundo era todo cimentado; que fez o transporte da carga do caminhão do Armazém Paraíba juntamente com sete homens […] (fls. 265/266)

Em juízo, o mesmo apelante confirma e esclarece suas alegações:

[…] que tinha consciência que a referida mercadoria pertencia ao Armazém Paraíba, vez que o caminhão baú estava identificado; que não sabe dizer se outras mercadorias, objeto de outros assaltos, tenham sido encontradas naquela fazenda; que dos acusados conhece apenas M. A. B. e M. A. B., estes seus primos e também trabalhadores na fazenda […] (fls.527/528)

M. A. B., diante da autoridade judiciária, também deixa claro que tinha conhecimento da origem da mercadoria que estava armazenando, conforme se vê do trecho de seu interrogatório abaixo transcrito:

[…] que no dia desse assalto, ali chegou, naquela fazenda, W. e mais quatro comparsas, todos encapuzados, sendo que W. retirou o capuz e ficou conversando com o acusado, com o seu irmão M. e com o seu primo M., ocasião em que este lhe dizia para guardar e enterrar as ditas mercadorias e ficar trabalhando normalmente, pois não era para os mesmos falarem nada, sendo que não lhe ameaçou com arma e nem com palavras; que o caminhão baú apreendido estava identificado como pertencente ao Paraíba […] (fls. 531)

Não há dúvidas, portanto, que os apelantes formavam uma quadrilha, bem estruturada e organizada, que dividiam as tarefas entre o grupo, ficando uns encarregados do roubo e outros do armazenamento dos bens subtraídos.

Ressalte-se, ainda, que, através dos apelantes, presos em flagrante, a polícia localizou, no interior do depósito subterrâneo, armas de fogo, metralhadoras e pistolas (fls. 78), o que, juntamente com a ocorrência do crime de roubo, ratifica a causa de aumento de pena constante no parágrafo único do art. 288, do Código Penal.

No tocante ao crime de roubo, as declarações prestadas pela vítima (fls. 770) e os interrogatórios dos apelantes M. A. V., M. A. B. e M. A. Bastos permitem concluir pela cumplicidade e participação dos apelantes.

Embora a vítima não tenha reconhecido os autores do roubo, o conhecimento, pelos recorrentes, de que a carga que armazenavam era proveniente do assalto ao caminhão do armazém Paraíba revelam o liame subjetivo existente entre todos os integrantes da quadrilha.

A ocultação e vigilância da carga subtraída, por si só, já caracteriza participação no crime de roubo. São atuações que, apesar de secundárias, exercem influência na prática da infração penal.

A propósito, convém recordar que o nosso Código Penal, no que concerne ao concurso de pessoas, adotou a teoria monista, segundo a qual todos aqueles que concorrem para o crime incidem nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade[7]. Dessa forma, tem-se que a diversidade de condutas não impede a unidade do crime[8].

No que se refere à dosimetria da pena, a alegação dos apelantes M. A. B., M.A.e M. A. B., de que não foram observadas circunstâncias judiciais que lhes eram favoráveis, da mesma forma, não deve prevalecer.

Com efeito, a decisão condenatória proferida na primeira instância observou cada uma das etapas que compõem o critério trifásico de aplicação da pena, conforme se vê da parte dispositiva da sentença (fls. 1145/1150).

Para o apelante M. A. V.,

pelo crime de roubo, a pena-base foi fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, diminuída em 3 meses por força do disposto no art. 65, I, CP e elevada em 1/3 devido a presença da causa especial de pena constante no art. 157, §2º, IV e V do CP, resultando em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Já em relação ao crime de quadrilha, a pena-base foi fixada em 1 (um) ano e um mês de reclusão, atenuada em 1 (um) mês por ser  menor de 21 anos à época do fato, quantum esse dobrado por se tratar de grupo armado, perfazendo o total de 2 (dois) anos de reclusão. Em observância à regra do art. 69, do CP, a pena definitiva totalizou 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto.

Para o apelante M. A. B.,

pelo crime de roubo, a pena-base foi fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, diminuída em 3 meses por força do disposto no art. 65, I, CP e elevada em 1/3 devido a presença da causa especial de pena constante no art. 157, §2º, IV e V, do CP, resultando em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Quanto ao crime de quadrilha, a pena-base foi fixada em 1 (um) ano e um mês de reclusão, atenuada em 1 (um) mês por ser  menor de 21 anos à época do fato, quantum esse dobrado por se tratar de grupo armado, perfazendo o total de 2 (dois) anos de reclusão. Em observância à regra do art. 69, do CP, a pena definitiva totalizou 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto.

O recorrente M. A. B., por sua vez, recebeu a seguinte dosimetria:

pelo crime de roubo, a pena-base foi fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, elevada em 1/3 por estar presente a causa especial de aumento de pena prevista no art. 157, §2º, IV e V, do CP, resultando em 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão. No que se refere ao crime de quadrilha, a pena-base foi fixada em 1 (um) ano e um mês de reclusão, quantum esse dobrado por se tratar de grupo armado, perfazendo o total de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão. Em observância à regra do art. 69, do CP, a pena definitiva totalizou 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto.

Observa-se, portanto, que a dosimetria da pena atende aos critérios fixados em lei, razão pela qual não merece reparo.

Ante tais considerações, declaro, ex officio, nulo o processo, no que se refere ao recorrente J. A. da S. F., a partir das fls. 581, inclusive e, acolhendo o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, nego provimento aos recursos ajuizados por M. A. B., M. A. V. e M. A. B., mantendo integralmente a sentença por eles impugnada.

Determino, por conseguinte, a extração de cópia dos autos e sua remessa à comarca de origem para que se proceda a nova instrução no que diz respeito ao réu J. A. da S. F., desta vez com observância das garantias do devido processo legal.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em, 28 de setembro de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] HC 93503, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-03 PP-00456 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 514-525.

[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de processo penal, 10 ed. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 32.

[3] Art. 155, CPP – O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

[4] REsp 1112658/MS, Rel. Ministro  Arnaldo Esteves Lima, quinta turma, julgado em 19/11/2009, DJe 14/12/2009.

[5] HC 148.044/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 12/04/2010.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: partes geral e especial. 4 ed. Ver., atual e ampl. 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 891.

[7] Art. 29, do CP

[8] COSTA Jr., Paulo José da, Curso de direito penal, 10 ed. Ver., atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 134.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Afronta ao direito de presença. Nulidade absoluta”

  1. por favor eu queria saber mais sobre esse processo, se trata de algum pedido de prisão, e quando foi pedido?

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