Isolamento

Passei os últimos quatro dias “isolado” em Cururupu.

Explico: inobstante estivesse na companhia da minha família, perdi o contato com o mundo exterior, impossibilitado que fiquei de acessar internet.

Em face desse momentâneo isolamento, aproveitei para ler – e bastante.

Foi possível, nesse sentido, conhecer um pouco  mais do pensamento de  Heleno Fragoso, Evandro Lins e Silva, Nilo Batista, José Ortega y Gasset, Padre Antonio Vieira, dentre outros.

Claro que foram leituras quase superficiais, pois se limitaram a alguns artigos  acerca da obra de cada um deles.

De toda sorte,  posso dizer que o “isolamento” foi proveitoso, mesmo porque nunca viajo sem levar comigo artigos e livros que me possibilitem uma boa leitura.

De Evandro Lins e Silva apanhei, por exemplo,  uma declaração à revista Época que vai ao encontro do que tenho refutado, sobretudo em segunda instância, qual seja a de que, nos dias atuais ” não se julga o crime, mas a pessoa“, o que, convenhamos, é um despropósito, pois que, ademais,  afronta, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana; dignidade que, sabemos, é o valor-guia de toda ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional)

Noutro fragmento:

“Sou absolutamente contra a prisão como método penal. Deve-se segregar quem for realmente perigoso, quem põe em risco a vida alheia”.

Nesse excerto, nenhuma novidade, sobretudo em face da ação dos juízes garantistas.

Os que militaram na 7ª Vara Criminal, ao tempo em que dela fui titular (longos 19 anos), sabem que o meu rigor sempre foi destinado aos acusados perigosos; os que,  com sua ação, colocaram em risco a vida da pessoa. Nesse sentido, tratei, sim, como muito rigor, os roubadores, daí, creio,  a minha injusta fama de “mau”.

As pessoas haverão de recordar, nada obstante, que, em face de outros crimes, só excepcionalmente mantive uma prisão cautelar.

De Heleno Cláudio Fragoso, em entrevista dada ao Jornal “O Globo”, em 15.11.1981,  refletindo sobre as questões criminais, que é o que mais interessa para essas reflexões, em face do nosso mister, destaco o seguinte fragmento:

“O sistema de justiça criminal está em função de uma ordem social social profundamente injusta, e certamente não melhorará enquanto não se promoverem alterações ambiciosas nos planos social, econômico e político“.

Dito isso em 1981, a sensação que tenho é que, de lá para cá, não houve mudanças significativas, pois que, ao que se vê,  a justiça criminal continua com os olhos voltados apenas para um clientela específica, tema sobre o qual já refleti bastante neste espaço.

Para finalizar, uma pensamento de Antonio Vieira,  sobre o qual também refleti nos últimos dias:

“É melhor que luzir todo o tempo, o luzir somente a tempo; assim se enganam os olhos da inveja, e assim se concilia nos ânimos a estimação. Destes temperilhos necessita a fortuna, para se conservar próspera, e de tal maneira que, como o seu curso é uma roda, e no esférico não há primeiro e nem último lugar, pode o último vir a ser o primeiro, e o primeiro vir a ser o último”.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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