Sigilo II

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA – Talvez a capivara perdida e depois capturada perto do Supremo Tribunal Federal tenha sido um sinal para as Excelências ali dentro, sede do Poder mais opaco da República.

Desde a volta do país à democracia, a transparência foi avançando. Hoje, quase tudo se sabe sobre deputados e senadores. De passagens aéreas a salários e vantagens obtidas no dia a dia. No Poder Executivo, o Portal da Transparência mostra uma vasta lista de despesas de cada órgão público.

O mesmo não se pode afirmar do Poder Judiciário. Nesta semana, as coisas pioraram. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, limitou o acesso -já pequeno- a processos disciplinares existentes contra seus pares.

Por um curto período foi possível conhecer as iniciais dos nomes de juízes processados. Agora, eliminou-se essa brecha. Houve uma justificativa legal, é claro. Um artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional determina que “o processo e o julgamento das representações e reclamações [contra juízes] serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado”.

Na categoria de iniquidade legal, esse artigo concorre como um dos mais indignos. A lei dos juízes está para ser reformada há anos, mas o Poder Judiciário não se move. O próprio Peluso, ao assumir, comprometeu-se a tratar do tema com vigor. Até agora, nada.

Qualquer cidadão em litígio na Justiça tem exposta a sua “capivara”, jargão policial para folha corrida. Deputados, senadores e ministros são escrutinados todos os dias, com suas fotos e declarações publicadas na mídia.

A proteção indevida que os juízes se autoconcedem não serve só para proteger os incompetentes e os corruptos. Quando essa minoria fica escondida, todos têm a imagem prejudicada. Até a capivara que apareceu ontem no STF sabe disso.

fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

Sigilo

ASCOM/AMB
22.11.2011  18:18 
CNJ veta divulgação de iniciais de nomes de Magistrados investigados

 A AMB conquistou importante vitória no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao ser atendida em seu requerimento administrativo contra a divulgação das iniciais dos nomes dos Magistrados investigados. O Presidente do Conselho e do STF, Ministro Cezar Peluso, decidiu vetar a divulgação das iniciais em processos disciplinares existentes contra Juízes e Desembargadores em Corregedorias e Tribunais locais. Antes, era possível saber as iniciais dos nomes dos processados. Agora, não será mais.

A AMB argumentou que esses processos são sigilosos e, com a divulgação das iniciais, seria possível saber exatamente quem estava sendo investigado. Peluso tomou a decisão com base no pedido da AMB.

“Nós, Juízes, somos uma pequena comunidade de protagonistas de poder de Estado, ou seja, pelas iniciais dá para identificar qualquer Magistrado. Divulgado os dados estatísticos pelo CNJ, no dia seguinte, sites divulgam os nomes de todos. O Presidente do CNJ, sensível à petição da AMB, decidiu rever isso. Afinal, quando o CNJ divulga um dado, ele lança uma suspeição de improbidade contra toda a Magistratura”, argumentou o Presidente Nelson Calandra.

STJ decide

DECISÃO

Concessionária de energia tem responsabilidade objetiva em acidente com rede elétrica

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a responsabilidade objetiva da Eletropaulo – Metropolitana Eletricidade de São Paulo em acidente que matou um limpador de piscinas, em 1988. Ele encostou a haste do aparelho de limpeza em fios de alta tensão. A concessionária de energia foi condenada ao pagamento de duas indenizações por danos morais no valor de 300 salários mínimos para a viúva e para o filho da vítima. 

A ação, ajuizada contra a Eletropaulo e os donos do imóvel onde se localiza a piscina, buscava reparação por danos materiais e compensação por danos morais. A Eletropaulo denunciou a lide à Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Cosesp). O juízo de primeiro grau julgou a ação improcedente, por considerar que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva da vítima. 

No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reafirmou a culpa exclusiva da vítima, pois uma manobra descuidada teria feito com que a haste do aparelho encostasse nos fios elétricos. A viúva argumentou que a Eletropaulo não fiscalizou a reforma do imóvel – que não respeitou as regras de segurança estabelecidas pela legislação. Porém, para o tribunal estadual, nenhuma culpa poderia ser imputada à Eletropaulo, pois a empresa não foi comunicada da reforma. Com as alterações, a rede elétrica teria deixado de respeitar a distância mínima do imóvel exigida pela legislação. 

Inconformada, a viúva e o filho do trabalhador recorreram ao STJ, insistindo na responsabilidade objetiva da empresa em razão do risco da atividade exercida, pois a companhia seria “responsável pela rede elétrica e cumprimento da legislação preventiva que, se tivesse sido observada, teria evitado o acidente fatal”. 

A ministra relatora, Nancy Andrighi, explicou que, nesses casos, basta a quem busca a indenização demonstrar a existência do dano e do nexo causal, ficando a cargo da ré o ônus de provar eventual causa excludente da responsabilidade. No entanto, o fato de não ter sido informada da reforma não é suficiente para excluir a responsabilidade da Eletropaulo. A ministra destacou que é dever da empresa fiscalizar periodicamente as instalações e verificar se estão de acordo com a legislação, independentemente de notificação. 

“O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo, necessária, pois, a manutenção e fiscalização rotineira das instalações exatamente para que os acidentes sejam evitados”, asseverou a ministra. Como a responsabilidade da empresa é objetiva, a verificação da culpa é desnecessária. Assim, a ministra reconheceu o direito ao ressarcimento de danos materiais, pensão mensal para o filho (até 25 anos) e para a viúva da vítima (até quando o marido completasse 65 anos) no valor de um salário mínimo para cada, e indenização por danos morais fixada em 300 salários mínimos para cada um. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

É como penso

CNJ e o princípio republicano da fiscalização externo

 Risco de um “default democrático” na ação da AMB

Sob o título “A importância do CNJ”, o artigo a seguir é de autoria do advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (*):

Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) não se pronunciar sobre os limites da competência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), questão da maior relevância para o futuro do Poder Judiciário, prevalecerão as dúvidas e polêmicas em torno da atuação do órgão responsável por fazer o controle externo. Consequentemente, haverá maior e crescente insatisfação da magistratura e da cidadania.

O debate sobre os limites de atuação do CNJ ganhou corpo com a proposição de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) questionando exatamente a extensão do papel e competência do conselho.

De início, alguns equívocos turvaram o foco real da questão. O primeiro deles foi vislumbrar na ação da AMB mera tentativa corporativista, uma defesa incondicional de seus pares, com intuito de proteger a magistratura e ensejar proteções a eventuais desvios dos togados. Ora, esqueceremos a preocupação e empenho históricos da AMB, verificáveis no Regime Militar (1964-1985), com a defesa da jurisdição? O fato de haver discordância com o sentido da Adin não nos autoriza a supor que a AMB esteja agindo em defesa do interesse particularista dos juízes. Logo, é preciso refutar tal interpretação. Até porque colabora para ampliar as dúvidas sobre o que está realmente em discussão.

E o que está em jogo? Em linhas gerais, saber o que diz nossa Constituição Federal sobre a competência do CNJ.

Na Adin, a pretensão é que a competência disciplinar do CNJ seja subsidiária. Isso quer dizer que, na interpretação da AMB, o Conselho tem caráter de instância derivada de controle disciplinar. Nesse sentido, não tem prerrogativa de realizar investigações paralelas às conduzidas pelas corregedorias dos tribunais. Nem atuar de forma imediata e plena a partir de uma denúncia direta do cidadão.

De acordo com o artigo 130-B, parágrafo 4º e incisos, da Constituição, o CNJ deve “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso” (inciso III).

Do dispositivo constitucional, depreende-se que o CNJ pode “avocar processos em curso” e “receber e conhecer” as queixas, portanto, tem prerrogativa para agir paralelamente às corregedorias estaduais bem como o dever de conhecer e decidir sobre denuncias diretamente opostas pelos cidadãos. Em linguagem jurídica, a Constituição prevê a possibilidade de competências concorrentes, ou seja, tanto o CNJ, como as corregedorias podem processar e julgar administrativamente integrantes do Judiciário —funcionários e juízes. Em suma, cabe ao CNJ realizar de forma plena a atividade de controle administrativo e disciplinar da jurisdição.

Posto isso, na minha avaliação, se for o STF fixar entendimento de que a competência do CNJ é subsidiária, estaremos retornando a um momento anterior à criação de um controle externo do Judiciário, quando este era o único dos três Poderes a se submeter apenas aos controles internos. Retroceder na criação do CNJ, instituído pela Emenda Constitucional 45/04 (Reforma do Judiciário), é ignorar que o controle externo surgiu não em decorrência da insatisfação com o trabalho das corregedorias, mas porque se fazia necessário estender o princípio republicano da fiscalização externa ao âmbito do Judiciário.

Após a reforma, Executivo, Legislativo e Judiciário se colocaram em pé de igualdade, submetendo-se a um duplo controle administrativo: os mecanismos internos e o controle externo, que valorizam os princípios republicanos e o Estado Democrático de Direito.

Ademais, se for acolhida a pretensão da AMB na Adin, estaremos subtraindo do cidadão o direito de requerer diretamente ao CNJ investigações sobre abusos ou desvios que partam de magistrados. Esse acesso direto e imediato da cidadania à instância que realiza o controle externo é extremamente valioso e caminha na direção de aproximar Justiça e cidadão.

O argumento de que algumas investigações conduzidas pelo CNJ desrespeitam o direito fundamental, resguardado pela Constituição, de ampla defesa dos investigados não pode anular a importância que um controle externo tem para o desenvolvimento da Justiça. Se muitas vezes a ação do CNJ é imperial e autoritária, possuímos condições de corrigir tais abusos, no âmbito individual de defesa de direitos. Vale destacar que o próprio STF tem, em diversos casos, garantido o respeito a esses direitos fundamentais —do contraditório e da ampla defesa— em decisões tomadas não apenas quando a vítima é um cidadão comum, mas também quando é um magistrado.

Em suma, os percalços na consolidação do CNJ requerem correções e ajustes ao seu funcionamento, não a limitação de seu crucial papel de apurar irregularidades no interior do Judiciário com a independência que a Constituição lhe confere.

Se não identifico na Constituição dispositivos que sustentem a pretensão da AMB, tampouco posso desprezar que é legítimo o eventual debate sobre as funções do CNJ. Contudo, o local adequado para travar esse debate é, indubitavelmente, o Congresso Nacional. Afinal, o STF não tem competência para legislar, mas para aplicar a Constituição e as leis. Nesse sentido, corremos o risco de experimentarmos um “default democrático” caso aceita a ação da AMB, posto que juízes não são eleitos pelo povo, nem podem inaugurar ou inovar primariamente a ordem jurídica.

Por essas razões, reputo inestimável perda à sociedade caso o Supremo dê guarida à demanda da AMB. Uma perda de duplo sentido: um desrespeito ao texto constitucional que define as competências do CNJ; e um desvio de função do Poder Judiciário para atuar no âmbito legislativo.

(*) O autor é professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP e autor dos livros “Região Metropolitana e seu regime constitucional” (Verbatim) e “Desvio de Poder na Função Legislativa” (FTD).

Capturada no blog do Frederico Vasconcelos.

Estupefação

Causou-me estupefação, sinceramente,  a reiteração da ameaça do Deputado Manoel Ribeiro de representar contra o Desembargador Jamil Gedeon, em face de não ter “respeitado” a Pec da Bengala.

A decisão do ilustrado Deputado de  representar contra o presidente do TJ/MA é inusitada e causa estupefação, pois que, pela primeira vez na vida,  desde que aprendi a discernir as coisas,  vou assistir  alguém ser “processado” porque tenha feito valer a Constituição do seu país.

E olha, eu já vi de tudo na vida!

Já vi culpado ser absolvido, e   inocente  ser condenado.

Já assisti a vitória da ignomínia e do embuste sobre a retidão e a nobreza de caráter.

Já vi pai desconhecendo filho,  e filho desconhecendo pai.

Já  vi a borrasca,  e testemunhei a chegada da bonança.

Já noite virar dia,  e dia virar noite.

Já testemunhei a verdade ser sobrepujada pela mentira.

Já senti dor lancinante, e prazer reconfortante.

Já senti saudade,  partindo,  e a alegria, chegando.

Já vi rico ficar pobre trabalhando, e  pobre ficar rico apenas tripudiando.

Já vi filho desonrando pai, e pai abandonando filho.

Já vi  sorrisos  na tristeza e, contraditoriamente, prantos na alegria.

Repito, pois, que de tudo já vi um pouco.

Cada dia, no entanto, me surpreendo mais com a capacidade do ser humano de se superar no inusitado.

Apesar de tudo que já vivi e testemunhei, confesso, todavia, que é a primeira vez que vejo alguém ser ameaçado de representação  por decidir cumprir a Constituição do seu país.

Não sei, sinceramente, onde vamos chegar.

Doravante, se a graça pega, qualquer um de nós que ousar, diante de uma antinomia, decidir pela aplicação de uma lei em face da outra, poderá ser representado por essa petulância.

Viver sem refletir

É claro que muitas das minhas reflexões não são palatáveis.

Sei, portanto, que o  que escrevo não é bem recebido por muitos. Só uns poucos, posso dizer, assinariam os meus textos.

Todavia, isso não me preocupa, pois, como dizia Sócrates, uma vida sem exame, ou seja, sem reflexão, sem indagações, sem que se busque novos ideais, novos caminhos, nova direção, não merece ser vivida.

Bem sei que, sobretudo numa corporação, o ideal mesmo é guardar as nossas inquietações no mais profundo recôndito da alma. O ideal mesmo é não falar, não dizer o que pensa – calar, enfim; deixar as coisas fluírem.

Não sei ser assim, contudo. Por isso, vou continuar dizendo o que penso, com a necessária responsabilidade, para não ferir.

Padre Antonio Vieira dizia que melhor que luzir todo tempo, é luzir somente a tempo, pois que, assim agindo, prossegue o santo padre, se enganam os olhos da inveja,  se concilia nos ânimos a estimação.

Deixar de luzir, ao que interpreto, é sair do proscênio, deixar a ribalta, para ser esquecido, para não ser lembrado, para espantar a inveja do semelhante.

Essa questão, inobstante, passa ao largo das minhas preocupações.

Sei que não sou digno da inveja de ninguém, pois custo muito a acreditar que alguém quisesse ser o que sou: um tipo enfadonho, incapaz de despertar qualquer sentimento que não seja da mais absoluta indiferença.

A minha hora de ser esquecido virá inevitavelmente. Enquanto esse dia não vem, não deixo  a ribalta.

Eu vou, sim, continuar pensando e consignando, em artigos, as minhas inquietações, as minhas reflexões, ainda que, assim o fazendo, corra o risco de ser mal interpretado.

Repito, com Amir Klink: na vida o maior fracasso é não partir.

Notícias do STJ

ESPECIAL
Os limites para pais e filhos na hora de se divertir
“Cineminha com o filho vai parar na Justiça.” O que poderia parecer o título de uma notícia absurda, na verdade, reflete situações concretas e serve como alerta importante para os pais na tão difícil missão de criar os filhos. 

E não só vai parar na Justiça. A questão é séria o bastante para que seja examinada em duplo grau de jurisdição, com recurso para tribunal superior, como é o caso dos muitos que chegam ao STJ. “Os genitores têm direito de conduzir a educação de seus filhos segundo os preceitos morais, religiosos, científicos e sociais que considerem adequados”, assinala a ministra Nancy Andrighi, em um deles (REsp 1.072.035). 

Segundo consta do processo, o pai, magistrado, e o filho, de nove anos, pediram, em ação, indenização por danos morais, após serem retirados de sala de exibição, onde pretendiam assistir ao filme “Desafio radical”, impróprio para a idade do filho. Em primeira instância, a United Cinemas International Brasil Ltda. foi condenada a pagar R$ 8 mil para cada um. A apelação interposta por pai e filho foi parcialmente provida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), apenas para aumentar o valor do pai para 15 mil reais. A apelação da empresa foi desprovida. 

A United recorreu, então, ao STJ, afirmando ter agido em estrito cumprimento do dever legal, pois está sujeita a multas administrativas caso venha a exibir filme classificado pelo órgão competente como inadequado a crianças ou adolescentes, tendo a decisão do TJRJ violado o artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC); os artigos 188, I, do Código Civil (CC/02), e os artigos 74, 75, 76, 255 e 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Sustentou, também, ofensa aos artigos 4º e 5º da LICC, 165 e 458 do CPC e 944 do CC/02, pois os danos morais foram fixados em excesso, além de ofensa à Portaria 796, de 8 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, e divergência de entendimento em relação a outros casos julgados pelo STJ. 

Em decisão unânime, a Terceira Turma deu provimento ao recurso da empresa, entendendo que o reconhecimento da liberdade de educação a ser dada pelos pais não significa admitir que ela seja irrestrita ou ilimitada. “Para além de um direito dos pais, a educação dos filhos é um dever que a legislação impõe”, ressalvou a relatora, ao mencionar o disposto no artigo 205 da Constituição, que estabelece ser a educação dever do Estado e da família, devendo visar ao pleno desenvolvimento da pessoa. 

Dignidade

Segundo lembrou a ministra, os filhos não são meros objetos da educação, mas seus sujeitos protagonistas e, por isso, o processo de desenvolvimento deve respeitar-lhes a individualidade, dignificando-os. “Conquanto os pais tenham o natural desejo de que seus filhos superem os mais variados limites e, de certa forma, realizem aquilo que nunca puderam ou que tiveram dificuldade de realizar, é certo que o filho menor tem suas próprias preferências e gostos”, observou. “Assim, de forma genérica, pode-se dizer que o primeiro limite da liberdade educacional reconhecida aos pais é a dignidade dos filhos”, acentuou. 

Ao dar provimento ao recurso da United, a ministra afirmou que, se o estabelecimento tinha razões para acreditar que estava sujeito a severas sanções, era justo que impedisse a entrada dos recorridos em suas salas de cinema. Os fatos que deram início ao processo ocorreram em 15 de fevereiro de 2003, durante a vigência da Portaria 796/00, do Ministério da Justiça. O documento apenas enquadrava os espetáculos em cinco faixas distintas, a saber: livres ou inadequados para menores de 12, 14, 16 e 18 anos. Além disso, regulava o procedimento de classificação, impondo normas específicas para a sua divulgação. 

“Do texto da Portaria 796/00 não se extrai qualquer norma que indicasse a flexibilização da classificação a pedido dos pais ou responsáveis”, afirmou a ministra, em seu voto. “Diante desse contexto, havia motivos para crer que a classificação era impositiva, pois o artigo 255 do ECA estabelecia sanções administrativas severas a quem exibisse ‘filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo’”, asseverou. 

Com a entrada em vigor da Portaria 1.100 do Ministério da Justiça, em 14 de julho de 2006 – acrescentou a ministra –, um segundo papel da classificação ficou mais claro e visível. Em primeiro lugar, o artigo 18 estabeleceu que a informação detalhada sobre o conteúdo da diversão pública e sua respectiva faixa etária é meramente indicativa aos pais e responsáveis que, no regular exercício de sua responsabilidade, podem decidir sobre o acesso de seus filhos, tutelados ou curatelados, a obras ou espetáculos cuja classificação indicativa seja superior a sua faixa etária. 

“Ao assim dispor, reforçou-se o papel indicativo da classificação, esclarecendo que os pais, mediante autorização escrita, podem autorizar o acesso de suas crianças ou adolescentes à diversão ou espetáculo cuja classificação indicativa seja superior à faixa etária destes, desde que acompanhadas por eles ou terceiros expressamente autorizados”, lembrou. O estabelecimento empresarial reterá a autorização expedida pelos pais e, com isso, assegura-se que sua conduta não será enquadrada em alguma infração administrativa. 

A ministra ressalvou, no entanto, que o artigo 19 da portaria também frisou que a autonomia dos pais não é tão larga a ponto de autorizar entrada de seus filhos menores em estabelecimento que exponha ao público espetáculo cuja classificação seja proibida para menores de 18 anos. 

Segundo observou, o ECA não se satisfaz com a simples tarefa de indicar os meios legais para que se reparem os danos causados a este ou aquele bem jurídico, mas pretende, antes de tudo, prevenir a ocorrência de lesão aos direitos que assegurou. “Foi com intuito de criar especial prevenção à criança e ao adolescente que o legislador impôs ao poder público o dever de regular as diversões e espetáculos públicos, classificando-os por faixas etárias”, afirmou. 

“Assim”, completou a ministra, “a classificação é indicativa porque os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação (artigo 74, parágrafo único, do ECA).” 

Ao dar provimento ao recurso, ela afirmou, também, que não seria razoável exigir que o estabelecimento, à época, interpretasse o artigo 255 do ECA, para concluir que poderia eximir-se de sanção administrativa se crianças e adolescentes estivessem em exibições impróprias, mas acompanhados de seus pais ou responsáveis, o que não ocorre. “Por tudo isso, a conduta do recorrente, diante de um cenário de lacuna regulamentar, revelou prudência e atenção ao princípio da prevenção especial, tomando as cautelas necessárias para evitar potenciais danos a crianças e adolescentes”, concluiu Nancy Andrighi. 

Responsáveis e autorização

Em outro processo (REsp 902.657), uma casa noturna foi condenada a pagar multa por desobediência aos artigos 149 e 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por permitir menores acompanhadas da tia em show impróprio para a idade delas. Nas alegações de seu recurso, a empresa afirmou que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), que havia confirmado a sentença, ofendeu o 149, I, “b”, do ECA. 

“A autorização judicial, mediante alvará, só é exigível quando o público-alvo incluir crianças ou adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis, o que não é o caso”, afirmou a defesa da Shock Produções Artísticas Ltda. “As menores estavam acompanhadas de uma responsável, não podendo o órgão julgador interpretar restritivamente o significado da palavra ‘responsável’ de forma a reduzir este conceito aos institutos civis da tutela e curatela, deixando à margem a figura de familiares que às vezes exercem funções típicas de pais e mães”, argumentou. 

A condenação foi mantida pela Primeira Turma, que negou provimento ao recurso especial. “A recorrente foi autuada por permitir a entrada e permanência de menores desacompanhados de seus pais ou responsável legal em estabelecimento dançante de sua propriedade, sem se preocupar em requerer o necessário alvará ou portaria judicial disciplinadores do acesso de criança ou adolescente”, afirmou o relator, ministro Teori Albino Zavascki, ao votar. “Saliente-se que a norma não comporta interpretação extensiva, de modo que o acompanhamento por tia não atende à exigência legal”, asseverou. 

Ao julgar outro processo (RMS 10.226), a Primeira Turma manteve decisão que impediu o acesso de menores em danceteria, com venda de bebida alcoólica, sem carteira expedida pelo juiz da Infância e da Juventude, em Minas Gerais. A carteira objetiva impedir a entrada de menores que praticaram atos infracionais, para a proteção de outros que nada fizeram de antissocial. 

“Se os menores têm encontrado dificuldade em lograr a identificação necessária e especial, porque especial também o motivo, essa possibilidade vem demonstrar a cautela da autoridade reputada coatora em deitar a mão vigilante sobre os seus jurisdicionados, podendo impor condições à manutenção da respectiva identificação, e nem se afrontou a Constituição e as leis”, afirmou o ministro Francisco Falcão, relator do caso, em seu voto. 

No REsp 636.460, a empresa responsável por um espetáculo, que permitiu a entrada de menores desacompanhados, e a administração da cidade-satélite de Planaltina (DF), que cedeu espaço para o show, foram condenados solidariamente. O Distrito Federal alegou no recurso que não poderia ser condenado como sujeito ativo das infrações penais, pois, para o cometimento da infração referida, era necessário que houvesse vontade consciente de não observar as determinações legais impostas pela legislação pertinente. 

Afirmou, ainda, ser pacífica a jurisprudência do STJ sobre o assunto, no sentido de que “a solidariedade prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se àquele que explora comercialmente o estabelecimento e o organizador do evento”. 

Em seu voto, o relator, ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), observou que ficou provado no processo que a empresa promotora do evento apresentou pedido de alvará perante a Vara da Infância e Juventude, sendo certo que, até a data da realização do evento, as exigências reclamadas pela equipe técnica da vara não haviam sido cumpridas, não tendo sido expedido o competente alvará. “Nada obstante, o evento realizou-se, a ele comparecendo menores desacompanhados”, assinalou o ministro. 

Para ele, é inquestionável que o Distrito Federal, por sua Administração Regional, conforme disposto no artigo 258 do ECA, deveria impedir a realização do evento em face da ausência da autorização da Vara da Infância e Juventude. “Ressoa inequívoca a responsabilidade solidária da administração pública que, instada a conferir alvará, e no exercício de seu poder de polícia, não evita a realização de evento em espaço público, cuja autorização para realização não se efetivou”, concluiu Fux. 

Protegendo os menores

Uma boate em Alagoas (AgRg no REsp 864.035) e uma danceteria em Santa Catarina (REsp 937.748) também foram condenadas pelas mesmas razões: presença de menores desacompanhadas em lugares impróprios para a idade, com venda de bebida alcoólica. “Ressoa do artigo 149, I, “d” e parágrafo 2º do ECA que a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhados dos pais ou responsável, em casa que explore comercialmente diversões eletrônicas, deverá ser punida” – consta de uma das decisões. 

O artigo 258 do ECA prevê expressamente o fechamento temporário do estabelecimento, em caso de reincidência, punição claramente dirigida à pessoa jurídica, sendo suficiente a demonstração de esta ser a parte legítima para figurar no processo. Geralmente é o Ministério Público estadual ou o Conselho Tutelar que pede a condenação. 

Da mesma forma como estão de olhos abertos para programinhas familiares que podem não ser tão inocentes assim, esses órgãos responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes se preocupam também com a participação de menores em programas televisivos – os quais nem sempre podem ser considerados edificantes. 

Multada após auto de infração lavrado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, pela violação do artigo 258 do ECA devido à participação de menores em programa de televisão sem o competente alvará judicial, vedado pelo artigo 149, II, “a”, também do ECA, a TV Globo alegou em recurso especial (REsp 605.260) que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) ofendeu o artigo 149, I, “e”, pois o caso em questão foi enquadrado erroneamente no inciso II, “a”, do mesmo dispositivo.

Segundo a defesa, o inciso II, “a”, cuja incidência foi acolhida pelo tribunal carioca, trata de participação de criança e adolescente em espetáculos públicos, ao passo que a atividade da empresa não é a promoção deste tipo de evento, mas de gravações de programas em estúdio, para veiculação em televisão, nos exatos termos do artigo 149, I, “e”, do ECA, que permite a permanência de criança e adolescente, nestes casos, acompanhados dos pais ou responsável. 

A empresa recorreu, mas a Primeira Turma manteve a decisão, afirmando que a autorização dos representantes legais não supre a falta de alvará judicial e rende ensejo à multa do artigo 258 do ECA. “Entrada e permanência em hipótese alguma podem ser tratadas como participação de menores em programas televisivos”, considerou o ministro Luiz Fux, relator do caso. 

Para ele, o grande número de espectadores das novelas atuais induz ao entendimento de que estes programas televisivos são verdadeiros “espetáculos públicos” – “devendo incidir, portanto, o disposto no artigo 149, inciso II, ‘a’, conforme entendeu o acórdão recorrido”, concluiu Fux. 

Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

De se lamentar!

Há mais de um ano a direção Sindicato dos Servidores do  Ministério Público Estadual (SINDSEMP), pressiona a administração da Procuradoria Geral de Justiça para que seja aprovado o novo PCCS. Ultrapassado todos os prazos e sem que instituição desse qualquer resposta sobre a aprovação do mesmo, hoje (dia 21), o SINDSEMP resolveu ocupar o gabinete da procuradora Fátima Travassos exigindo uma resposta. Cerca de 40 servidores de várias comarcas do estado estão agora no prédio.

Para conseguir a aprovação da proposta do novo plano de cargos enviada em setembro de 2010, de fevereiro a maio deste ano, o SINDSEMP organizou uma série de mobilizações para forçar o diálogo entre os servidores e a procuradora-geral de Justiça, Fátima Travassos. Com pressão feita pelas mobilizações, a categoria finalmente conseguiu algo inédito durante a gestão da atual procuradora-geral, sentar para negociar.

Em maio foi criada uma comissão de estudos para elaborar o Plano de Cargos baseados na proposta enviada pelo SINDSEMP, estudos estes encerrados em agosto, quando foi enviada ao sindicato uma minuta com proposta de mudanças no PCCS sugeridas pela comissão, portanto ainda não é a proposta oficial da Procuradoria.

A minuta com a proposta da comissão de estudos foi enviada para gabinete da procuradora-geral, onde espera aprovação. E sendo aprovada, será apresentada como proposta oficial da instituição para os servidores para apreciação. Após a negociação entre servidores e a instituição, a minuta definitiva será enviada para aprovação no Colégiode Procuradores do MPMA e finalmente à Assembleia Legislativa, onde deverá ser aprovado o projeto de lei que concederá o aumento aos servidores.

Fátima Travassos avisou que não irá a PGJ, e que o secretário institucional do MP, promotor Marco Aurélio e diretor geral, Pedro Lino negociem com os servidores que ocupam o gabinete da procuradora.

Fonte: blog do Itevaldo