Da Folha de São Paulo

Modesto Carvalhosa:

Resgate necessário

Honra? Onde se pronuncia ou se escuta essa palavra? O sentimento foi banido. O vocábulo está em pleno desuso. Como se poderia supor hoje o sacrifício extremo, pela honra, como ocorreu com Getulio Vargas em 1954? Onde está a exigência pela sociedade civil do exercício honrado da Presidência, como sucedeu em 1992, levando ao impeachment de Fernando Collor?

Foi esse princípio substituído pelo vocábulo liturgia. O poder deve ser exercido com o máximo de liturgia, não mais com dignidade.

Outra palavra abandonada foi o decoro, lembrado apenas pelo Legislativo para negá-lo, em explícita afronta aos cânones da República.

O mau uso das prerrogativas institucionais nos abala a esperança de formação de uma sociedade fundada em governantes que se legitimem na prevalência do fato moral.

Também esse fundamento desapareceu da vida pública brasileira. Não basta a punição daqueles corruptos que, por acaso, são apontados e alguns até processados e condenados. A sociedade não pode se aperfeiçoar assistindo ao ininterrupto desfile dos delinquentes do setor público, sucessivamente pilhados.

O imperativo moral, a honra, a dignidade e o decoro não mais informam a conduta dos governantes. Perdeu-se a noção de que a legitimidade de um governo não advém apenas da vitória eleitoral, mas, sobretudo, do exercício do poder voltado para a missão civilizatória.

Sem cumprir esse desiderato de aperfeiçoamento contínuo da cidadania que advém do comportamento ético no exercício do poder, a legitimidade desaparece, refletindo-se no não-governo que, embora onipresente, perde a autoridade no meio social como valor. O poder funda sua legitimidade quando se mantém como referência de ética pública.

Se não podemos mais atribuir nenhum valor moral aos nossos governantes, tudo será permitido no seio da sociedade. Confunde-se o sentido do bem e do mal. Rompe-se a solidariedade social. Nada mais se respeita. Não haverá mais um povo, apenas a massa consumidora.

A febre de poder como um fim em si mesmo, própria dos homens medíocres, traz uma questão de consciência que se coloca em função de uma lei que nunca foi escrita, aquela da probidade inconteste e presumida. A honra torna-se uma exigência que é, ao mesmo tempo, um limite à desmesura dos poderosos e uma referência da cidadania.

O exercício do poder sem o primado do fato moral leva à formação de uma sociedade cínica e reprodutora do vácuo de valores políticos.

Daí resulta que as novas gerações não mais se acreditam vocacionadas a refazer o mundo. O bem e o mal passam a ser identificados conforme as conveniências de cada um, o que leva infalivelmente à absoluta confusão entre justiça e injustiça.

Há que se mobilizar a cidadania para que se restabeleça a honra –expressão suprema da consciência humana– na arte de governar.

Deve a cidadania ter segurança de que o poder não é sempre empolgado por uma malta de salteadores, mas por governantes em quem se possa confiar por estarem submetidos ao imperativo moral. Que o debate eleitoral que se avizinha possa girar em torno desses fundamentos e que o povo possa, assim, distinguir o bem do mal político.

MODESTO CARVALHOSA, 81, é jurista e autor de “Livro Negro da Corrupção”, vencedor do prêmio Jabuti na categoria Literatura Jornalística

Cururupu abandonada

Todos sabem do carinho que tenho por Cururupu, que adotei como minha terra, depois que me afastei da minha terra natal.

O meu amor por Cururupu foi à primeira vista. Tão logo a conheci, decidi que um dia construiria uma casa por lá para poder desfrutar mais amúde dos seus encantos. E os encantos de Cururupu, como disse na palestra que proferi na última segunda-feira, são, principalmente, a sua gente. Refiro-me, claro, aos homens e mulheres de bem.  Não  aos marginais, aos facínoras, aos assaltantes ou aos drogados o que infernizam a nossa vida. Meu fascínio é por pessoas simples e ordeiras, as quais, como eu, amam Cururupu. Refiro-me, dentre outros, a Passaopau, Calha, Bico, Nhozinho, Buchica, Mariano, Mica, Janjão,  Grilo, Manelito, Ângela, dentre outros.

Essas e outras tantas pessoas que poderiam ser nominadas – e uns poucos homens públicos, cujos nomes não declino para que não façam mau uso das minhas reflexões -são o que há de melhor em Cururupu. A história está aí para dar sustentação ao que digo.

Posso dizer, portanto, que o melhor de Cururupu,  é sua gente; e, claro, o peixe e o camarão frescos, ao lado, claro, de suas belezas naturais.

Por isso me constrange e revolta o tratamento que tem sido dado a Cururupu pelos seus dirigentes. O povo de Cururupu não merece o tratamento que tem sido dado à sua cidade. A cidade-sede de Cururupu, lamento dizer, é a tradução perfeita da palavra abandono. As suas ruas estão quase intrafegáveis; a rua principal (do comércio) é a tradução do caos, do descaso e do desmando.

Definitivamente,  povo de Cururupu não merece o tratamento que tem sido dado à cidade.

Sempre que vou a Cururupu sou tomado de desânimo com o que vejo. O pior é que não  vislumbro dias melhores. Tudo parece feito para não funcionar, para perpetuar o descaso e o abandono.

A verdade que salta aos olhos é que nada se faz por aquela cidade. As pessoas me questionam, quando a visitam, o que vi em Cururupu, qual a razão de tanto desprezo pelas nossas coisas.  Ninguém consegue entender a razão de tanto abandono.  Eu também não compreendo. Eu também me revolto. Eu também lamento. Lamento, mas nada posso fazer. O que posso fazer estou fazendo agora: expondo a minha indignação.

Espero que o desvelo e a dedicação do Dr. Celso Serafim contaminam os dirigentes dos demais Poderes.

O povo de Cururupu tem vivido de esperança. Eu também aprendi a viver de esperança.

Mas até quando?

Um juiz comprometido

Tenho viajado muito – a trabalho -, razão pela qual não tenho postado matérias com a regularidade que desejo. Ontem, por exemplo, estive em Cururupu, a pedido do colega Celso Serafim, para fazer uma palestra educativa, que faz parte de seu projeto de trabalho para a comarca.

Antes da palestra, procurei ouvir, de pessoas idôneas, sobre a atuação do colega, em face de algumas medidas que ele tem implementado na comarca, e que têm contrariado uns poucos. De todos ouvi, sem exceção, apenas elogios ao trabalho do colega.

Confesso que a atuação destemida do colega, numa comarca acostumada com a omissão das autoridades, me impressionou pelo arrojo e pelo comprometimento – e, também, pelos riscos de uma empreitada de tal envergadura. A cidade, em pouco tempo, pude constatar, já tem uma outra feição. As pessoas, agora, sabem que tem uma autoridade disposta a coibir velhas e nefastas práticas que vinham infernizando a vida de muitos, sobretudo das pessoas de bem.

Eu já tinha registrado, neste blog, que Cururupu era uma cidade sem lei e sem autoridade. Esse quadro, agora, está mudando, ainda que para desagrado de uns poucos, sobretudo dos que tiravam proveito da desordem,  da baderna e da falta de autoridade.

O que espero é que o colega não desanime, pois é certo que  terá dificuldades de implementar algumas medidas, já que uma parte – ainda que pequena, mas barulhenta –  da cidade estava viciada, repito, em desordem, e tem apostado no “quanto pior melhor”.

Espero que, com a ação do colega Celso, se possa, doravante, ter o prazer de pelo menos sentar na porta da rua, ato que fomos obrigados a banir de nossas vidas, em face do caos estabelecido na cidade, sobretudo no que se refere a segurança pública.

O Poder Executivo, agora, tem que fazer a sua parte. Tem  que se unir com o Poder Judiciário, para, juntos, colocarem em prática medidas que visem coibir a prática de abusos por parte de alguns poucos descomprometidos.

É inaceitável, por exemplo, que veículos, sobretudo motocicletas, continuem trafegando sem placas, sem habilitação dos condutores e sem capacete, naquilo que vejo como uma afronta ao Estado de Direito, própria das comunidades onde impera a lei do mais forte

Cururupu, nos dias presentes, ainda se parece com aquelas cidades do velho oeste, onde preponderava a lei do mais forte, onde o mais rápido no gatilho ditava as regras de convivência. Mas logo, logo respirará novos ares; tenho certeza disso, porque vi determinação nas ações do colega Celso.

Eu não quero um Leviatã, do tipo imaginado por Hobbes.  Ninguém deseja um estado arrogante e arbitrário. O que todos desejamos é, tão somente, que o império da lei volte a preponderar, que a ordem volte a ser a regra e não a exceção. E que se danem e que se punam os que não sabem viver sob o império da lei

Ouvi, sim, para não dizer que tudo está perfeito, alguns comentários sobre eventuais excessos do colega. Mas não tenho dúvidas que, se houve algum excesso, ele saberá reavaliar as suas ações, saberá mudar a direção, pois é inteligente e bem-intencionado.

O certo é que, pelo que testemunhei, temos um juiz comprometido em fazer o que é certo, e que, em face da situação de descalabrado, deve ter se sentido na obrigação de agir com mais rigor que o necessário. Mas esse pecadilho, se é que houve, não deslustra o seu trabalho, não retira os meus aplausos pela sua ação.

Posso dizer, como cidadão de Cururupu, que vi esperança no rosto das pessoas de bem, e que o colega Celso está no caminho certo. E que pode, por isso, contar com o meu apoio, inclusive e se assim me for permitido, para aconselhamentos, já que o tempo me deu a experiência para, quando for o caso, contribuir, também, com a minha maturidade.

Nessa guerra contra o mal – drogas, assaltos,desordem no trânsito, etc – todos temos que nos unir. Guardando, claro, as devidas proporções, mas lembrando o dado histórico só a guisa de ilustração, façamos como fizeram os brasileiros na guerra contra o Paraguai, quando se uniram em torna da causa comum brancos, negros, ricos, pobres, chamados voluntários da pátria.

Todos os que amam Cururupu, portanto, estão convidados a dar a sua contribuição.