INGÊNUOS?

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Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.

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Leio nos artigos, assisto em debates televisivos, ouço em palestras, testemunho em rodas de bate-papo, estudiosos dos mais variados matizes – cientistas políticos, analistas, articulistas, sociólogos, embaixadores, professores universitários etc. – alertando, à luz de argumentações teóricas, para a iminência de os nossos representantes receberem uma reprimenda nas eleições vindouras, diante de sua manifesta falta de sensibilidade para com as questões éticas e de interesse público; e dizem isso com rara convicção, levando o incauto a crer que, efetivamente, os que não honram os mandatos outorgados não se safarão do escrutínio popular.
O cidadão brasileiro, segundo esses teóricos, sairá de casa, no dia das eleições, determinado a não eleger corruptos, quem apoia corruptos ou quem, de qualquer forma, se envolveu com maracutaia. Será, nessa simplória avaliação, a revolução pelo voto. É dizer: depois das próximas eleições, nada será como antes; delas emergirá um novo país.
A expectativa criada, partindo de quem parte, pode levar um ingênuo a crer que, num passe de mágica, o eleitor brasileiro mudou a sua visão do mundo circundante, que não mais sufragará nomes que não estejam à altura da outorga, e que, a partir do próximo pleito, depurará a nossa política, escolhendo, com discernimento e critério, os nossos representantes.
Cá do meu canto, com o muito que aprendi e testemunhei, fico com a sensação de que os estudiosos aos quais me reportei parecem viver no mundo da fantasia, sem noção, portanto, de como, na prática, se conquista um mandato nos miseráveis rincões do nosso país.
Eles demonstram, é lamentável constatar, que não têm a exata noção da força que o poder econômico exerce sobre essas comunidades carentes, por onde transitam, a toda evidência, livres, leves e soltos, de forma decisiva e definitiva, os cabos eleitorais, os donos dos currais – os donos dos votos, enfim.
Se eles não sabem, ou preferem não saber, vou lembrá-los como funciona, na prática, a “autonomia” do eleitor nesses ambientes; como é que vota um leitor “consciente” nos grotões; como ele sai de casa “determinado” a votar no “melhor” candidato; como se dá a interferência externa a solapar a “liberdade” dos eleitores; como o eleitor carente forma a sua “convicção”.
Pois bem. Ainda em sua própria residência, ou na casa do cabo eleitoral, ou mesmo no comitê eleitoral, na rua ou a caminho de uma cabine eleitoral, ou até mesmo próximo de uma urna, ele, o eleitor, receberá do dono da sua “consciência”, da sua “convicção”, da sua “autonomia” e de sua “capacidade de discernimento” um cola com o número de um candidato. De posse do número do “seu” candidato, que ele nunca viu, ele se dirige à cabine eleitoral, e digita na urna eletrônica o número que recebeu, como se com esse gesto estivesse cumprindo o seu dever cívico, com independência e sem interferência de terceiros.
Depois de digitar o número de um candidato desconhecido para ele, de cumprir a sua “obrigação” eleitoral, quem vai prestar contas do seu voto e dos seus iguais, da sua “autonomia” e dos seus iguais, da sua “consciência cívica” e dos seus iguais, é o cabo eleitoral, que assumiu o compromisso com o candidato a quem prometeu um número X de votos.
Diante desse quadro, dizer, até com certa ingenuidade, que o eleitor dará a resposta ao candidato que não honrou o mandato, é uma avaliação pueril, convindo anotar, noutro giro, que mesmo nos centros mais avançados, não são poucos os eleitores que votam em face de um favor, em face do pedido de um amigo, por conta de uma amizade, em troca de uma promessa, de uma futura vantagem.
Por tudo isso é que, no exercício do mandato, não são poucos os que não estão nem aí para o que pensa o eleitor. Nesse panorama, ninguém se constrange de apoiar e defender um prefeito corrupto, um governador ímprobo ou um presidente quadrilheiro, porque tem a certeza de que tudo ficará como dantes, no quartel de Abrantes.
Nesse cenário, podem crer, no próximo pleito, mesmo os que estão atolados na Operação Lava Jato, mesmo os que são apontados como quadrilheiros, serão, como muita probabilidade, eleitos novamente, observadas as exceções que sustentam a regra.
Nesse quadro, quem corre o sério risco de não se eleger são os que não fazem da outorga um instrumento de trocas, os que têm ideal, os que não solapam a consciência do eleitor, os que respeitam a vontade do cidadão.
É esperar pra ver.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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