Volto ao tema sobre o qual já refleti em outras oportunidades, em face da compreensão que tenho que, nos dias atuais, os debates de ideais descambaram para a insensatez e incivilidade. Dessa forma, está quase impossível “os de cá” sentarem com “os de lá” para uma discussão civilizada em torno de questões de interesse público, situação que, de resto, contaminou até os nossos pretórios, como todos nós testemunhamos, mesmo na nossa Suprema Corte.
A propósito do tema em questão, inicio lembrando, com os estoicos, que ser sábio é tomar a razão como guia, enquanto ser louco é deixar-se levar ao sabor das paixões.
À luz dessa lição, pode-se afirmar, em vista do que testemunhamos nos dias presentes, que somos um pouco loucos, pois, não raro, abdicamos da razão para agir movidos pela paixão; e, mesmo pagando um preço alto em face de uma atitude insensata, persistimos agindo, algumas vezes, sob o domínio das paixões.
Diante dessa realidade, tenho afirmado que o homem não deveria, sob qualquer pretexto, se orgulhar de vencer uma disputa – sobretudo no campo das ideias – que não fosse pela razão e pela inteligência, pela força dos seus argumentos, racionalmente esgrimidos, sem violência – verbal ou física -, sem agressão, sem baixaria, sem ataques covardes, sem estar dominado pela paixão, portanto.
Todos os que enfrentam argumentos contrários sob o domínio das paixões, esmurrando a mesa, agredindo verbalmente, parolando acima do tom civilizado, assim o fazem por lhes faltarem força argumentativa. Daí a opção pela estridência, pelo barulho e pela descortesia, pela falta de respeito, pela utilização de argumentos pobres e incivilizados, numa postura que só galvaniza a simpatia dos seus iguais.
A força física e os impropérios, os ataques grosseiros, enfim, não deveriam permear um debate de ideias entre pessoas civilizadas, motivo pelo qual me recuso a emprestar a minha lucidez a uma discussão incivilizada, ainda quando sou instado, mediante provocação, a fazê-lo, pois compreendo que participar desse tipo de discussão, que nada constrói, que nada edifica, seria emprestar a minha aquiescência à falta de compostura, que não me permito em face do poder que exerço, que exige de mim um comportamento altivo e digno.
Desde a minha compreensão, ou o opositor tem força argumentativa ou se cala e dá a contenda por perdida. Daí que, na minha avaliação e na de tantos quantos como eu optam pela racionalidade intelectual, não valem os argumentos laterais, os argumentos menores, o menoscabo, enfim, como linha argumentativa.
Ademais, não são o tom de voz alterado, o murro na mesa, a postura estridente e desequilibrada, enfim, que definem o vencedor numa pugna de ideais. Logo, não é agindo assim que fazemos prevalecer as nossas ideias.
Muitas vezes, é preferível sair “derrotado” que “vencer” um debate na base da lei do mais forte, do grito e do achincalhe, pois atitudes dessa ordem traduzem, em verdade, atos de pura covardia, permeada de pobreza de argumentos e de baixaria que, entre os racionais, não valem como argumentos e nem enaltecem o contendor; antes o diminuem aos olhos dos dotados de capacidade discernimento e de compreensão da realidade.
É inaceitável, de mais a mais, que o homem, como ser racional, não se dê conta quando, numa disputa, deixou de agir com a razão para agir movido pela paixão que oblitera a mente, que leva à irracionalidade, a qual leva aos desatinos e aos caminhos nos quais só trafegam os irracionais.
Na defesa de uma tese, de uma linha de argumentação, o debatedor que levanta a voz, que dá murro na mesa, que parte para agressão pessoal e para descompostura, na tentativa de sobrepujar os argumentos do oponente, o faz como agem os animais selvagens, ou seja, com o uso da força e da violência, justificáveis no mundo animal, mas intoleráveis nas relações entre pessoas civilizadas.
Nesse cenário, fico sempre com a sensação de que quem mais grita é quem menos argumentos tem para o debate, quem menos tem razão. Por isso, eleva a voz, gesticula, arregala os olhos, aponta o dedo, fica ruborizado, tem a sensação de desmaio, olha para os lados em busca de um aceno, de uma manifestação que seja, na vã tentativa de se convencer a si próprio de que está certo. Uma “vitória” nesses moldes, antes de orgulhar, deve, ao contrário, envergonhar o contendor.
Os leões, os ursos, os javalis, os tubarões, dentre outros, combatem com a força física, o que é muito natural; já o homem, inobstante, dotado de inteligência e discernimento, não deve usar da violência, nas suas mais diversas formas, para sobrepujar aquele que enfrenta eventualmente como oponente, se a pugna se dá apenas no campo das ideias.
Buscando força ilustrativa na obra ficcional de Thomas Morus (A utopia), anoto que os utopianos lamentavam e chegavam mesmo a se envergonhar com a informação de que, numa disputa, um dos contendores possa ter alcançado a vitória de forma sangrenta, considerando mesmo uma loucura alcançá-la por esse preço. Os mesmos utopianos se ufanavam quando a vitória era alcançada pela inteligência e pela astúcia, pela força dos argumentos.
E assim, quando numa discussão me virem deixar o “campo de luta”, não pensem que me deixei abater, que saí derrotado; é que, simplesmente, me recuso a discutir qualquer questão que não seja civilizadamente.
É isso.