Vamos refletir em face de duas situações hipotéticas.
Primeira situação hipotética. A polícia de segurança, pelo seu serviço de inteligência, colhe a informação de que 10 (dez) homens, armados e com antecedentes criminais em face de crimes contra o patrimônio, estão reunidos, num determinado local da cidade, objetivando assaltar uma agência bancária.
O que deve fazer a força de segurança diante dessa informação? Esperar que ocorra, pelo menos, atos que indiquem princípio de execução, para, só depois, (re)agir? Ou, como o bom senso recomenda, deve intervir para prevenir a prática do crime, em face mesmo das consequências de uma ação desse porte?
Segunda situação hipotética. Numa manifestação pública, vê-se, à frente de milhares de pessoas, 10 homens mascarados, a indicar, em face de outras manifestações, que atentarão contra o patrimônio público e privado.
O que deve fazer a força de segurança nesse caso? Esperar que pratiquem os primeiros atos de execução, para, só então reagir? Ou, ao reverso, devem, preventivamente, agir para evitar que o crime ocorra? Nesse caso, sem atos de execução, a polícia de segurança está autorizada a retirar as máscaras dos manifestantes?
Do meu ponto de observação, com a Constituição diante dos olhos, entendo que a polícia de segurança deve intervir, nas duas hipóteses, para prevenir a prática dos crimes, ainda que não tenha havido atos de execução, ainda que não tenham os autores saído do mundo da cogitação e ultrapassado os umbrais da preparação.
Nesse contexto, conquanto não se possa prendê-los pela prática dos crimes cogitados, pode – e deve – a polícia intervir para evitar que os crimes ocorram. É o mínimo que se espera da polícia de segurança.
Dessa ação, digamos, a priori, os meliantes não deverão ser presos em flagrante em face do crime de assalto e em razão da cogitada depredação aos patrimônios público e privados, que apenas cogitaram.
Nas duas hipóteses, à luz das evidencias – não confundir evidencias com verdade – os meliantes cogitavam a prática de crimes, daí a legitimidade da ação preventiva, ainda que delas não resultem punições pelas transgressões que só cogitaram, sabido que, para a tipificação de crime, há que se praticar atos de execução, ainda que primários.
No caso específico das manifestações de rua, contextualizada a manifestação e assomando pelo menos indícios de que os mascarados objetivam atentar contra o patrimônio público e privado, em vista das ações antecedentes, devem, sim, ser compelidos a retirar as máscaras, para que sejam identificados, pois que as máscaras, nessa hipótese, são utilizadas como instrumentos para a prática de crimes, razão pela qual devem, inclusive, ser formalmente apreendidas, com a identificação do respectivo meliante.
Não se pode, nesses casos, contemporizar, invocar franquias constitucionais como um biombo para esconder os rostos de quem viola a ordem publica, pois se é verdade que a intimidade das pessoas deve ser preservada, não é menos verdadeiro que esse direito, conflitando com o interesse público, deve ser circunstancial e eventualmente tangenciado.
Os argumentos no sentido preservação da identidade do autor em potencial de atos de vandalismo é uma agressão à lógica e ao bom senso. Se todas as vezes que se pratica um crime na clandestinidade um dos mais tenazes e difíceis objetivos da persecução criminal é identificar o autor do fato, a conclusão óbvia é que, estando diante do autor das depredações ou de um potencial agressor, que se cuide logo de fazer a sua identificação, ainda que, para esse mister, se tenha que compelir que retirem as máscaras, sem que dessa atitude, desde o meu ponto de observação, se possa inferir qualquer violação à Constituição, sabido, de mais a mais, que não há direito absoluto, nem mesmo os ditos fundamentais.
De bom tom que fique consignado que não estou pregando que se responda a uma ação criminosa com outra ação do mesmo jaez. Não! O que defendo é que, nesses casos, sempre à luz do contexto, havendo conflito entre dois princípios – direito à intimidade e preservação da ordem pública – , deve a polícia de segurança optar pelo que mais interessa à sociedade.
A polícia de segurança não pode, sob qualquer argumento, diante de um crime ou de uma potencial ação criminosa, sublimar o privado em detrimento do público.
Transigir com os mascarados, que, sob o manto do anonimato, depredam os patrimônios público e privado, a pretexto de preservar a sua intimidade, é flertar com a desordem. Aquele que comete crimes ou se prepara para praticá-lo, tem que compreender, por um raciocínio lógico, que, em face dos crimes cometidos ou cogitados, pode ter que suportar o sacrifício de algum direito.
É claro que haverá quem se contraponha a essas reflexões argumentando que nenhum acusado é obrigado a produzir provas contra si ou se auto-acusar (nemo tenetur se detegere), razão pela qual pecaria por excesso subtrair-lhe a máscara.
Aos que argumentarem nesse sentido, anoto que, na hipótese aqui ventilada, a máscara é, na minha avaliação, é um instrumento, como outro qualquer, utilizado ( ou ser utilizado) para a prática de crime e que, por isso, deve, inclusive, ser apreendida como prova material da ocorrência, na hipótese dela ter ocorrido, ou, simplesmente, numa atitude preventiva que, todos concordam, não deve transbordar as balizas legais, para não malferir direitos de um presumidamente inocente.
Para finalizar, convém indagar: se pode a polícia de segurança agir preventivamente em face da cogitação de um assalto, por que não pode fazê-lo ante as evidências de que os patrimônios públicos e privados, noutra vertente, podem ser depredados, também?