Em face da indagação/título desse artigo, respondo afirmando que o aforismo, quando invocado, está, quase sempre, condicionado às conveniências de quem o proclama.
Importa reconhecer, contudo, ser esse o apotegma presente nas nossas relações com o semelhante; princípio de alcance moral que, não raro, se traduz apenas em um sopro, mera força de expressão, dependente, como antecipei acima, das conveniências de quem dele faz uso.
A sentença moral referida, é verdade, permeia as relações sociais desde sempre; às vezes, reafirmo, apenas como uma banalização da expressão, sem consequência prática nas nossas relações, pois que dita, como tantas outras, ao sabor das circunstâncias/conveniências, na medida em que não são poucos os que, ante ao erro ou a uma ação/reação decorrente de uma falsa percepção da realidade, são implacáveis censores.
Os meus sentidos me alertam que o erro só é reconhecido, como próprio da nossa condição de seres humanos, quando cuidamos dos nossos próprios deslizes, para os quais emprestamos toda a nossa complacência, toda a nossa delicadeza e compreensão. É que, verdade iniludível, quando lidamos com os erros dos outros, a eles emprestamos apenas a nossa repulsa e reprovação.
Essas reflexões resultam, portanto, de uma constatação óbvia: nós não encaramos os erros – dos outros, claro – com a naturalidade que o aforismo pretende traduzir, a infirmar outra máxima popular, que complementa a original, segundo a qual se “errar é humano, perdoar é divino”.
Eu mesmo, por diversas vezes, fruto de muita incompreensão, precipitei-me nos julgamentos que fiz em face dos erros dos semelhantes, muitos dos quais menos graves que os deslizes que já cometi, a reafirmar que, se errar é humano, essa constatação/reconhecimento está a depender da posição que nos colocamos diante do erro cometido.
Diante das falhas/desacertos/lapsos dos iguais, para os quais reservamos a nossa avidez punitiva/censória, só somos capazes de refluir, de reavaliar, enfim, as nossas posições, quando, racionalmente, nos colocamos na posição desses mesmos iguais.
A verdade é que tendemos a julgar o comportamento dos congêneres como se fôssemos perfeitos, incapazes de um deslize, como se, na jornada da vida, permeada de vicissitudes, pertencêssemos a uma raça imune ao erro.
Para além de reconhecer que errar é humano, mais importante é ser capaz de perdoar o erro, à luz de uma necessária e inexcedível tolerância, na medida em que, nessa vida, só não erra quem não tentou acertar, por omissão ou covardia.
A questão que se coloca, portanto, e é esse o alvitre dessas reflexões, é saber se, em face do erro do semelhante, que muitos invocam para si como uma decorrência inevitável de nossa condição de seres humanos, somos capazes de, na mesma situação, perdoar quem errou, ou se o perdão é apenas uma manifestação oportunista que depende da nossa avaliação subjetiva e das nossas conveniências pessoais.
A verdade, sabida e ressabida, é que ninguém passa pela vida sem deslizes, pequenos ou grandes, daí por que todos deveríamos, com a mesma sofreguidão e parcimônia com que julgamos/perdoamos os nossos próprios erros, avaliar/perdoar os erros dos semelhantes, sem perder de vista, numa perspectiva filosófica, que o erro, no sentido empregado nessas reflexões, decorre, muitas vezes, apenas de um equívoco de julgamento do espírito.
É isso.