“Imaginar, noutro giro, que a utilização do avanço tecnológico em benefício da celeridade processual é um mal é não saber enxergar a realidade que se descortina sob os nossos olhos.
Mais ou cedo ou mais tarde haveremos de adotar esse tipo de procedimento e, tenho certeza, aqueles que, hoje, se colocam contra a utilização da tecnologia em benefício do processo, perceberão quão retrógrados e positivistas foram na análise da questão, que, para mim, só atormenta quem não tem a exata noção de como funcionam os interrogatórios nos dias atuais.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Uma aluna da UFMA, cujo nome não estou autorizado a mencionar, me pediu, a toque de caixa, algumas reflexões sobre o interrogatório por videoconferência, para sua monografia.
Sem dispor de muito tempo para lhe atender, sentei no computador e fiz, sem revisão e sem profundidade, algumas reflexões, as quais estou publicando neste blog apenas para fomentar o debate e novas reflexões.
Antecipo, a seguir, alguns excertos.
- A experiência tem demonstrado que o acusado, conversando, com antecedência, com o seu representante legal (defesa técnica), quase nunca presta um depoimento que venha de encontra da tese que pretendam abraçar. Não seria, pois, o uso da tecnologia que o levaria a, por exemplo, se auto-cusar. Quem pensa assim desconhece a realidade da Justiça Criminal.
- Imaginar, noutro giro, que a utilização do avanço tecnológico em benefício da celeridade processual é um mal é não saber enxergar a realidade que se descortina sob os nossos olhos.
- Mais ou cedo ou mais tarde haveremos de adotar esse tipo de procedimento e, tenho certeza, aqueles que, hoje, se colocam contra a utilização da tecnologia em benefício do processo, perceberão quão retrógrados e positivistas foram na análise da questão, que, para mim, só atormenta quem não tem a exata noção de como funcionam os interrogatórios nos dias atuais.
- No exame desapaixonado dessa questão há uma vertente que não pode ser perdida de vista, qual seja, a possibilidade de, a qualquer tempo, o magistrado realizar novo interrogatório.
A seguir, o artigo, por inteiro.
01. Em face da questão posta à minha reflexão, devo dizer, em primeiro lugar, que, nos dias atuais, é inviável a realização de interrogatório por videoconferência por não existir legislação que discipline a espécie. Na minha compreensão, realizar o interrogatório por vídeoconferência, sem lei que discipline a realização do ato por esse método, contamina o processo de nulidade absoluta.
01.01. De lege ferenda, espera-se que o legislador, numa visão consentânea com os avanços tecnológicos que estamos vivenciando, discipline a espécie, em face das vantagens irrefragáveis que trarão ao processo, como vou tentar demonstrar a seguir.
02. Desde o meu olhar, com a experiência que acumulei em mais de 25(vinte e cinco) anos de judicatura, compreendo que o interrogatório por videoconferência não profana a ampla defesa.
02.01. Se ao acusado for deferido o direito de se reunir, pelo tempo que entender suficiente, com seu advogado, antes do interrogatório e se, ademais, realizar-se citação com tempo bastante para que ele se inteire do inteiro teor da imputação, creio que do interrogatório nesses moldes não resultará qualquer prejuízo à ampla defesa.
03. O que não se pode, sob qualquer pretexto, é hostilizar os direitos fundamentais do acusado. O que não devemos aceitar é que, em nome da rapidez processual e da economia de gastos, se alije o acusado do direito que tem de exercer a sua defesa amplamente, como proclama a Carta Política em vigor.
03.01. O acusado não pode, por exemplo, ser apenas requisitado para o ato ou alijado de se reunir com o seu representante legal, para bem esgrimir as linhas de defesa.
03.02. O acusado não deve, outrossim, ser interrogado sem que disponha de um tempo mínimo e razoável para se inteirar da imputação que lhe é feita.
04. Respeitadas essas premissas, para mim não resistirá o argumento de que o interrogatório vídeoconferência malfira o direito à ampla defesa.
05. Assegurado ao acusado – reafirmo, à guisa de reforço, em face da relevância da reflexão – o tempo que entender conveniente – claro que sem perder de vista a razoabilidade – para se reunir com o seu advogado – ou com o Defensor Público se não puder constituir procurador – e se, ademais, for cientificado, com brevidade, do inteiro teor da acusação, não vejo porque se deixar de realizar o interrogatório por videoconferência, ante o argumento de que dele resultará afronta à ampla defesa.
06. A experiência tem demonstrado que o acusado, conversando, com antecedência, com o seu representante legal (defesa técnica), quase nunca presta um depoimento que venha de encontra da tese que pretendam abraçar. Não seria, pois, o uso da tecnologia que o levaria a, por exemplo, se auto-cusar. Quem pensa assim desconhece a realidade da Justiça Criminal.
07. Imaginar, noutro giro, que a utilização do avanço tecnológico em benefício da celeridade processual é um mal é não saber enxergar a realidade que se descortina sob os nossos olhos.
07.01. Mais ou cedo ou mais tarde haveremos de adotar esse tipo de procedimento e, tenho certeza, aqueles que, hoje, se colocam contra a utilização da tecnologia em benefício do processo, perceberão quão retrógrados e positivistas foram na análise da questão, que, para mim, só atormenta quem não tem a exata noção de como funcionam os interrogatórios nos dias atuais.
08. No exame desapaixonado dessa questão há uma vertente que não pode ser perdida de vista, qual seja, a possibilidade de, a qualquer tempo, o magistrado realizar novo interrogatório.
08.01. Nesse passo, entendendo o magistrado, alfim de instrução, que do interrogatório por videoconferência resultou algum prejuízo para defesa do acusado, deve, ad cautelam, antes de sentenciar, antes mesmo das alegações finais, realizar um novo interrogatório, para suprir eventuais falhas que tenham assomado do interrogatório antes realizado.
09. Compreendo que o que prejudica a ampla da defesa do acusado é a falta de efetiva defesa técnica. Esse, sim, o grande, o problema maior, sobre o qual quase ninguém se debruça.
09.01. O que se assiste, no dia-a-dia, são “defesas técnicas” meramente contemplativas, pachorrentas, molengas, indolentes, fleumáticas. As defesas contemplativas, sim, afrontam a ampla defesa. Não há interrogatório por vídeoconferência que prejudique a defesa do acusado tanto quanto a deficiência da defesa técnica, problema que seria facilmente resolvido com a Defensoria Pública, que funciona sob as piores condições, mas que, pelo menos no Maranhão, presta um relevantíssimo serviço aos acusados hipossuficientes, que são, afinal, a clientela do direito penal.
09.01.01. Se se quer – e como deve ser, efetivamente – que seja observada a ampla defesa, deve-se, ao invés de refutar, pura e simplesmente, o uso da tecnologia em favor da celeridade processual, organizar as Defensorias Públicas, de modo que a todos os acusados – via de regra miseráveis, repito – seja assegurado o direito de ter uma defesa técnica de qualidade e não absorta e ascética como se vê nos dias atuais.
09.02. Nessa linha de pensar, importa afirmar, com sofreguidão, que, em face de a clientela do direito penal ser predominantemente composta de indigentes, a grande verdade é que, sem condições de constituírem advogados bem preparados, os acusados têm a cuidar de sua defesa advogados nem sempre à altura de litigar, com paridade de armas ( par conditio) com o Ministério Público.
10. Durante tantos anos que milito na área criminal, posso afirmar, com convicção, que, se a preocupação com a videoconferência é assegurar a ampla defesa, pois que se cuide, antes, de dar condições para que os acusados carecentes – quase todos – sejam representados em juízo por profissionais preparados, com o são, por exemplo, os Defensores Públicos do Estado e alguns advogados que exercem o mister nas varas criminais.
10.01. Sem que se assegure uma boa defesa técnica, tudo o mais é falácia, engodo, embuste, impostura. E não será a videoconferência – ou a falta dela – que resolverá o grave problema da deficiência de defesa.
10.01.01. Com ou sem interrogatório por videoconferência a verdade é que a situação dos acusados hipossuficientes não se alterará, se não forem adotadas as providências que mencionei, no sentido de dar a eles a defesa técnica que necessitam.
11. Para mim é insubsistente, também, o argumento de que o acusado só tem uma oportunidade de estar defronte do juiz para que possa analisar a sua personalidade, a sua sensibilidade, suas emoções em face de determinadas perguntas. Isso é mimetismo! Pura ilusão!
11.01. A grande verdade é que nenhum magistrado, quando vai entregar o provimento judicial, em face do tempo passado, se recorda sequer da fisionomia do acusado que interrogou.
11.01.01. Digo mais. Nem sempre o juiz que interroga é o que julga, sabido que não vige no direito processual penal o princípio da identidade física.
11.01.02. Vou adiante: o juiz não tem aptidões técnicas para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, disso inferindo-se que não passa de uma empulhação o argumento acerca da necessidade do contato físico entre o acusado e o juiz, para proporcionar o exercício amplo da defesa
11.01.03. O contato físico do magistrado com o acusado, devo dizer, é quase sem importância. Não por falta de sensibilidade do magistrado, não por falta de compromisso, não porque o magistrado não valorize esse momento. É que, obrigados a correr com os processos para dar conta da demanda, os magistrados, muitas vezes, agem com autômatos, verdadeiros fantoches, sem sentimento e sem alma, insensíveis para analisar, como se espera, a personalidade de um acusado que se posta à sua frente, acusado que, afinal, diante desse quadro, se traduz apenas em mais um número para realização de estatísticas, tão do interesse de quem pretende apenas impressionar, sem se preocupar com o mais relevante que é distribuir justiça.
11.01.04. O magistrado, nesse giro de avaliação, ao tempo em que realiza um interrogatório, está, muitas vezes, psicologicamente centrado em outras questões que estão a exigir providências – informações em face de habeas corpus, relaxamentos de prisão, liberdade provisória, revogações de prisão preventivas, decretos de prisão preventiva, sentenças por prolatar, advogados a espera para ser atendidos, parentes dos réus presos a lhe cobrar atenção, falta de condições de trabalho, dentre outras.
12. É preciso desmistificar esses argumentos contrários à videoconferência, pois que, na prática, o que vigora mesmo é a absoluta distância entre o magistrado e o acusado e, ademais, a absoluta disparidade entre os contendores, ou seja, entre o que acusa e o que defende.
13. O juiz, em face da demanda excessiva, em face da infinidade de pessoas que ouve antes da entrega de um provimento, não tem tempo para se sensibilizar com o depoimento de um acusado. Só excepcionalmente é capaz de fazê-lo.
14. Acostumado que fui, ao longo de minha carreira, ao não mascarar a realidade, tenho coragem de expor esse quadro, que muitos vêem mais fingem que não.
15. A informatização faz parte do nosso dia-a-dia e cada vez mais avança sobre as nossas tarefas cotidianas. Sobre o processo penal, não tenho dúvidas, ela avança a passos largos para nos dar eficiência, efetividade, celeridade e agilidade nos trabalhos.
16. Os benefícios da adoção da videoconferência são enormes e não podem ser descurados. Muitas, incontáveis, por exemplo, são as vezes que não se realiza um interrogatório por impossibilidade material de se apresentar o acusado à sala de audiências. Disso resulta que, com a adoção da vídeoconferência, emprestar-se-ia, dentre outros benefícios, celeridade aos feitos.
17. Compreendo que poder-se-ia mitigar o interrogatório, de modo que o acusado e seu representante legal poderiam decidir se aceitam ou não o interrogatório por videoconferência. Aceitando, realiza-se o ato; não aceitando, claro, voltar-se ao modelo tradicional. Essa é apenas uma das muitas sugestões que se poderia fazer.
18. Tenho quase certeza de que, em pouco tempo, nenhum advogado criaria qualquer obstáculo para realização do interrogatório por vídeo conferência, em face dos seus benefícios.
Olá,
Sou aluna do 4º. Período do curso de Direito na UFRJ, estava procurando algumas sentenças para melhor visualização da disciplina de Direito Penal e me deparei com seu blog. Gostei muito dos textos que achei, além das ótimas sentenças, é claro.
Parabéns pela iniciativa ousada e obrigada pelo conhecimento transmitido. Não é qualquer pessoa, por mais dotada de conhecimento que seja, que a coragem de expor idéias e opiniões na internet.
Até breve,
Thaís Fleury
Fiquei decepcionado com seu comentário acerca da negativa de liberdade provisória e fui até lá e fiz 2 comentários. O judiciário é guardião da Constituição e da lei e deve a todo tempo fiel a estas, o juiz não pode fazer papel de justiceiro. Negar é dizer que a Lei não serve então que se mude para não se instaurar um arbítrio tendo em vista que o poder judiciário tem a função de aplicá-las, e não de fazer análise valorativa dos problemas sociais. jalmiteles@hotmail.com e jalmiteles@yahoo.com.br/ é um absurdo!!!!! os juízes não estudam mais pq estão acomodados e decidem como leigos é triste!!!!!!!!!
Falta tempo pra estudar também o q é triste!!! fazer papel de justiceiro negar pedidos de liberdade provisória que a lei determina é não cumprir a função constitucional do poder judiciário q não deve carregar o ônus da violência na sociedade!!!!
porém o STJ com exceção da 5ª turma sabe muito bem do que me refiro e é constrangimento ilegal negar sem fundamentar. Coloco aqui minha indignação por me sentir palhaço em estudar, fundamentar na lei e receber argumentos inconsistentes que vão contra princípios e até contra a constituição Federal, não possuo nenhum processo na Vara em q vc é titular mas infelismente existem juízes como vc em outros lugares do país!!!
Gostei bastante da clareza e do posicionamento acerca da “polêmica” sobre o interrogatório on-line.
Aliás, gostei muito do blog.