Sentença absolutória. Confusão que se fez entre posse e porte de arma de fogo

O Ministério Público, equivocadamente, denunciou o acusado por porte de arma de fogo, quando, em verdade, se tratava de posse. Em razão desse equívoco e considerando que o crime foi praticado no período de anistia, entendi devesse absolver o acusado, por ser atípica a sua conduta.

Antecipo, a seguir,  um relevante excerto da decisão:

  1. A par do quadro de provas, com destaque para a confissão do acusado, depois corroborada, no que interessa, pela testemunha C. S. S., a verdade é que a arma de fogo foi apreendida estando na residência do acusado, daí que, para mim, o representante do Ministério Público estabeleceu uma confusão entre posse e porte de arma, que são coisas diferentes.
  2. Se a arma de fogo foi apreendida na casa do acusado, ter-se-á de convir que aqui se cuida de posse de arma de fogo, alcançada pela a abolitio criminis temporalis, daí que, para mim, a conduta do acusado é atípica.

A seguir, a sentença, integralmente.

Processo nº 53862007
Ação Penal Pública
Acusado: J.C. P. R.
Vítima: Incolumidade Pública

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra J. C. P. R. brasileiro, solteiro, sem profissão definida, filho de M. dos A.R. e M. M. P. R., residente e domiciliado à Travessa da Rua São José, casa 18m Vila Embratel, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento, em face de, no dia 12 de março de 2007, por volta das 14h00, ter sido preso em flagrante portanto uma revólver calibre 38, marca Taurus, cinco tiros, registrado sob o nº OJ20959, municiado com três balas do mesmo calibre.
A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls.06/10).
Auto de apresentação e apreensão às fls. 12.
Recebimento da denúncia às fls.83/84.
O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.92/93.
Laudo de exame em arma de fogo às fls. 107.
Durante a instrução criminal foi ouvida a testemunha C. S. S..(fls.116/117)
Na fase de diligências, nada foi requerido pelo Ministério Público (fls.125v.) e pela defesa.(fls.131)
O Ministério Público em alegações finais, pediu a condenação do nos termos da denúncia(fls.133/136).
A defesa, de seu lado, pede a sua absolvição, afirmando não ter cometido o crime que se lhe imputa a prática o Ministério Público.

Relatados. Decido.

01.00. J. C. P. R.foi denunciado pelo Ministério Público, à alegação de ter malferido o preceptum iuris do artigo 14, da Lei 10.826/2003, por ter sido preso em flagrante portando arma de fogo, ou seja, uma revólver calibre 38, taurus, nºOJ20959, municiado com três balas do mesmo calibre.
02.00. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa do acusado, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
02.01. Tudo isso porque, sabe-se, ao magistrado é defeso julgar o réu por fato de que não foi acusado(extra petita ou ultra petita), ou por fato mais grave(in pejus), proferindo sentença que se afaste do requisitório da acusação.
03.00. A persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.
04.00. A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame das provas amealhadas ao longo da instrução probatória.
05.00. Pois bem, a primeira fase, teve início com a prisão em flagrante do acusado(fls.06/10).
06.00. O acusado, ouvido pela autoridade policial, confessou estar portando arma de fogo, um revólver calibre 38, marca Taurus, municiado com três balas do mesmo calibre. (fls. 09)
07.00. O acusado, no entanto, se negou a prosseguir falando, reservando-se o direito de só falar em juízo.(ibidem)
08.00. Na mesma face foi apreendida a arma que portava o acusado, bem assim a munição da mesma. (fls.12).
09.00. A arma apreendida foi periciada, tendo os senhores peritos concluído que tinha eficiência para efetuar disparos.(fls. 107)
10.00. Vê-se que, já no primeiro momento da persecução, a prova consolidada, com destaque para a confissão suso mencionada e para apreensão da arma de fogo em seu poder, fazia emergir os claros contornos da ação ilícita do acusado.
11.00. Com os dados acima mencionados posso afirmar, prima facie, que o acusado, com sua ação, malferiu, sim, a ordem jurídica.
12.00. Faz-se necessário, no entanto, continuar analisando o quadro probatório, pois que, sabe-se, a prova administrativa, isolada, não serve à edição de um decreto de preceito sancionatório.
13.00. Encerrada a primeira fase, o Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado, imputando ao mesmo o malferimento do artigo 14, da Lei 10.826/2003 fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
14.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emerge o interrogatório do acusado. (audiatur et altera pars).
15.00. O acusado, diferente do que fizera em sede extrajudicial, disse aqui que a arma de fogo foi apreendida em sua residência, onde estava guardada a pedido de Carlos Eduardo, seu legítimo proprietário.(fls. 92/93)
16.00. Em seguida, foi ouvida a testemunha Clésio Santos Silva, policial civil, que a arma de fogo apreendida estava, realmente, na residência do ofendido, mas que a mesma já tinha sido emprestada para que Bonifácio de tal praticasse assalto.(fls.116)
17.00. A par do quadro de provas, com destaque para a confissão do acusado, depois corroborada, no que interessa, pela testemunha C.S. S., a verdade é que a arma de fogo foi apreendida estando na residência do acusado, daí que, para mim, o representante do Ministério Público estabeleceu uma confusão entre posse e porte de arma, que são coisas diferentes.
18.00. Se a arma de fogo foi apreendida na casa do acusado, ter-se-á de convir que aqui se cuida de posse de arma de fogo, alcançada pela a abolitio criminis temporalis, daí que, para mim, a conduta do acusado é atípica.
19.00. A questão não é de difícil desate, tendo em vista que já está pacificada nos Tribunais, à frente o e. Superior Tribunal de Justiça, que tem decidido, iterativamente, no sentido de que a posse de arma de fogo é, nos dias atuais, id est, até o dia 31 de dezembro do ano corrente, atípica, como se constata das decisões a seguir transcritas, verbis:

Acórdão Acompanhamento
Processual Resultado sem Formatação Imprimir/Salvar Processo HC 77710 / MG HABEAS CORPUS 2007/0041176-6 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 21/08/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 22/09/2008
Ementa PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI 10.826/03). ATIPICIDADE DA CONDUTA. FLAGRANTE OCORRIDO DENTRO DO PERÍODO DE REGULARIZAÇÃO. LEI 11.706/08. VACATIO LEGIS INDIRETA. RESTITUIÇÃO DAS ARMAS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA. 1. É incabível o pleito de devolução de coisas apreendidas em sede de habeas corpus, remédio heróico que tem por escopo garantir da liberdade de locomoção do ser humano. 2. A conduta prevista no art. 12 da Lei 10.826/03 (posse ilegal de arma de fogo de uso permitido) praticada dentro do período de regularização da arma de fogo perante a Polícia Federal não é dotada de tipicidade. 3. Flagrado o paciente dentro do período chamado de vacatio legis indireta (15/8/06), que, de acordo com a alteração promovida pela Lei 11.706/08, tem seu término previsto para o dia 31/12/08, estando, pois, até essa data, suspensa a eficácia do preceito legal que dispõe sobre o delito que lhe foi imputado, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, concedida para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, pela prática do delito previsto no art. 12 da Lei 10.826/03.

20.00. No mesmo diapasão:

REsp 982089 / RS RECURSO ESPECIAL 2007/0203325-6 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 30/05/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 04/08/2008
Ementa PENAL. RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRAZO PARA A REGULARIZAÇÃO DA ARMA. ARTIGOS 30, 31 E 32, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. ROUBO MAJORADO. REINCIDÊNCIA. AGRAVANTE. NON BIS IN IDEM. I – Não se pode confundir posse de arma de fogo com o porte de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho. (Precedentes). II – Os prazos a que se referem os artigos 30, 31 e 32, da Lei nº 10.826/2003, só beneficiam os possuidores de arma de fogo, i.e., quem a possui em sua residência ou emprego. Ademais, cumpre asseverar que o mencionado prazo teve seu termo inicial em 23 de dezembro de 2003, e possui termo final previsto para 31 de dezembro de 2008 (nos termos do art. 1º da Medida Provisória nº 417, de 31 de janeiro de 2008, que conferiu nova redação aos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03). Desta maneira, nas hipóteses ocorridas dentro de tal prazo, ninguém poderá ser preso ou processado por possuir (em casa ou no trabalho) uma arma de fogo. (Precedente). III – In casu, as condutas atribuídas ao recorrido foram as de possuir munição e de manter sob sua guarda arma de fogo de uso restrito, ambos no interior de sua residência. Logo, enquadra-se tal conduta nas hipóteses excepcionais dos artigos 30, 31 e 32 do Estatuto do Desarmamento, restando, portanto, extinta a punibilidade, ex vi do art. 5º, XL, da CF c/c art. 107, III, do Código Penal. IV – Dentro dos limites legais, uma vez caracterizada a reincidência, a agravante deve ser aplicada. V – Fere o disposto no art. 61, inciso I, do CP a rejeição de sua incidência sob pretexto de bis in idem, concretamente inocorrente. (Precedentes). Recurso parcialmente provido.

21.00. Na mesma direção:

Processo HC 98513 / SP HABEAS CORPUS 2008/0006493-1 Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 26/05/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 09/06/2008
Ementa PENAL – HABEAS CORPUS – POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DE MUNIÇÃO – ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA – ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE POR ATIPICIDADE DE CONDUTA. 1. Hipótese em que o paciente foi flagrado no interior de sua casa na posse de arma de fogo e munição, durante a vacatio legis indireta estabelecida pela Lei n.º 10.826/03. 2. Aquele que tem arma ou munição sob sua guarda, em dependência de sua casa ou no trabalho, pratica a conduta de posse de arma
(Inteligência do art. 12 da lei n. 10.826/03). 3. Durante o período da vacatio legis indireta instituída pelos artigos 30 e 32 da Lei n.º 10.826/03, a conduta de possuir ou ser proprietário de arma de fogo ou munição permaneceu atípica até 23/10/2005. 4. Ordem concedida para absolver o paciente por atipicidade de
conduta.

22.00. Navegando nas mesmas águas:

Processo HC 92369 / SP HABEAS CORPUS 2007/0239909-3 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 26/02/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 07/04/2008
Ementa PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRAZO PARA A REGULARIZAÇÃO DA ARMA. ARTIGOS 30, 31 E 32, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. I – Não se pode confundir posse de arma de fogo com o porte de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho. (Precedentes). II – Os prazos a que se referem os artigos 30, 31 e 32, da Lei nº 10.826/2003, só beneficiam os possuidores de arma de fogo, i.e., quem a possui em sua residência ou emprego. Ademais, cumpre asseverar que o mencionado prazo teve seu termo inicial em 23 de dezembro de 2003, e possui termo final previsto para 31 de dezembro de 2008 (nos termos do art. 1º da Medida Provisória nº 417, de 31 de janeiro de 2008, que conferiu nova redação aos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03). Desta maneira, nas hipóteses ocorridas dentro de tal prazo, ninguém poderá ser preso ou processado por possuir (em casa ou no trabalho) uma arma de fogo. (Precedente). III – In casu, as condutas atribuídas ao paciente foram as de possuir munição e de manter sob sua guarda arma de fogo de uso permitido, ambos no interior de sua residência. Logo, enquadra-se tal conduta nas hipóteses excepcionais dos artigos 30, 31 e 32 do Estatuto do Desarmamento, restando, portanto, extinta a punibilidade, ex vi do art. 5º, XL, da CF c/c art. 107, III, do Código Penal. Ordem concedida.

23.00. A doutrina mais abalizada não dissente, a propósito da anistia ou vacatio legis especial ou abolitio criminis temporalis.
24.00. Com efeito, o professor Luiz Flávio Gomes, verbi gratia, a propósito da quaestio iuris, preleciona, no artigo intitulado Arma de Fogo: Mais uma Anistia., verbis:

Os possuidores de armas de fogo (isto é, quem tem arma de fogo em casa ou em seu local de trabalho, sendo dele proprietário), por força da Medida Provisória 253/2005, acabam de ser beneficiados (aliás, pela terceira vez) com uma espécie de “anistia” que assegura a total irresponsabilidade penal.
Vamos recordar: no Estatuto do Desarmamento três foram as “anistias” contempladas:
(a) no artigo 30, aparece a primeira modalidade de “anistia” em relação às armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: podem seus proprietários solicitar o registro, livrando-se da responsabilidade criminal;
(b) no artigo 31, acha-se a segunda espécie de “anistia” aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: caso não queiram registrar a arma, podem entregá-la para a Polícia Federal, a qualquer tempo, mediante recibo e indenização;
(c) no artigo 32, foi contemplada a terceira forma de “anistia” aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas (e adquiridas licitamente ou não): podem entregar a arma (de uso permitido ou restrito, porque a lei não distingue) para a Polícia Federal, mediante recibo e, presumida a boa-fé, poderão ser indenizados.
Tais anistias, sempre é bom frisar, só beneficiaram os “possuidores” de arma de fogo, leia-se, quem possui arma em sua residência ou em sua empresa (nesta última hipótese, só o proprietário desta é que foi contemplado). Não se pode confundir posse com porte de arma: a posse (em residência ou empresa) está anistiada; já o porte (arma fora da residência ou da empresa) não conta com nenhum favor legal.

27.00. Noutra oportunidade o mesmo jurista, no site Última Instância, lecionou, verbis:

Posse de arma em casa não é crime

Luiz Flávio Gomes
Calcula-se que no Brasil haveria hoje cerca de 8 milhões de armas de fogo ilegais. A grande maioria encontra-se guardada em residências ou em empresas. Apesar de todo rigor do recente Estatuto do Desarmamento, essa específica posse ilegal não constitui, por ora, nenhum delito, pouco importando se a arma é de uso permitido ou de uso restrito.
Todos os possuidores de armas ilegais, desde que estejam com a arma em sua residência ou na empresa, foram “anistiados” (leia-se: terão prazo, a partir do regulamento da lei, que ainda não saiu, para registrar tais armas ou entregá-las para a Polícia Federal). No presente momento, portanto, não há que se falar em flagrante, inquérito policial, indiciamento, denúncia, processo ou condenação penal. Tudo isso constitui patente ilegalidade, que deve ser evitada por todas as autoridades do país (policiais, Ministério Público e juízes).

O novo Estatuto do Desarmamento, aprovado em dezembro de 2003 (Lei n° 10.826/03), endureceu drasticamente o sistema penal em relação às armas ilegais (aumentou várias penas, criou novos crimes, proibiu fiança, proibiu liberdade provisória, está pretendendo o fim da comercialização etc.), mas, ao mesmo tempo fomenta o desarmamento da população. Por isso que se chama Estatuto do Desarmamento!
A nova lei faz uma clara distinção entre posse e porte ilegal de arma de fogo nos arts. 12, 14 e 16. A posse de arma de fogo (assim como seus verbos correlatos: manter sob sua guarda, guardar etc.) sempre refletiu a idéia de posse de arma no interior da residência ou domicílio, ou dependência destes, ou, ainda, no interior de uma empresa. Isso está mais do que patente no art. 12 do novo Estatuto do Desarmamento (sobretudo quando comparado com o art. 14).
Fora da residência ou domicílio ou, ainda, fora da empresa (observando que a lei protege apenas o titular ou responsável legal por ela), não há que se falar em posse, sim, em porte (ou seus verbos correlatos: deter, transportar, ter consigo etc.).
Realçada a clara distinção entre posse e porte, fica fácil compreender a vertente desarmamentista da recente legislação, que prevê três diferentes espécies de “anistias” que só beneficia os possuidores e proprietários de armas de fogo (em residência ou em empresa):
(a) no art. 30 aparece a primeira modalidade de “anistia” em relação às armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: devem seus proprietários solicitar o registro, em 180 dias (a contar da data do regulamento da lei, que ainda não saiu), livrando-se da responsabilidade criminal;
(b) no art. 31 acha-se a segunda espécie de “anistia” aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: caso não queiram registrar a arma, podem entregá-la para a Polícia Federal, a qualquer tempo, mediante recibo e indenização;

(c) no art. 32 foi contemplada a terceira forma de “anistia” aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas (e adquiridas licitamente ou não): podem entregar a arma (de uso permitido ou restrito, porque a lei não distingue) para a Polícia Federal, no prazo de 180 dias, a contar do regulamento da Lei n° 10.826/03, mediante recibo e, presumida a boa-fé, poderão ser indenizados.
Entre castigar penalmente quem se encontra com arma ilegal em residência ou em empresa, de um lado, e, de outro, estimular o seu possuidor e proprietário a registrá-la ou entregá-la para a Polícia Federal, para efeito de sua destruição (art. 32, parágrafo único, da citada lei), a preferência muito clara recaiu sobre a última conduta. Conclusão: enquanto não expirados os prazos das “anistias” mencionadas não há que se falar em crime, porque o que está autorizado e fomentado por uma norma legal não pode estar proibido por outra.

Artigo escrito em co-autoria com Alice Bianchini, doutora em direito penal pela PUC-SP, mestre em direito pela UFSC e especialista em teoria e análise econômica pela Unisul, é professora dos cursos de mestrado em direito da Uniban e da Unisul.

28.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo improcedente a denúncia formulada pelo Ministério Público contra J. C. P. R., para, de conseqüência, Absolve-lo da imputação que lhe é feita, o fazendo com espeque no artigo 386, III, do Digesto de Processo Penal.
29.00. P.R.I.
30.00. Sem custas.
31.00. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.
32.00. Determino a imediata soltura do acusado, se o mesmo estiver preso em razão deste processo.

São Luis, 30 de outubro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri – UCM e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP. Professor em vários cursos de pós-graduação dentre eles o da Faculdade de Direito da Universidade Austral, Buenos Aires, Argentina. É professor honorário na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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