Sentença condenatória. Os crimes alcançados pela decadência. Extinção de punibilidade.

Na sentença que publico a seguir acho interessante o enfrentamento da preliminar da defesa, acerca da falta de representação.

Em determinados fragmentos expendi os seguintes argumentos:

 

  1. Posso concluir, sem a mais mínima dúvida, que, em relação ao crime que tivera conhecimento, antes, a mãe da ofendida, está, sim, extinta a punibilidade, fulminado o direito peladecadência.
  2. Ocorreu que, depois desse crime, outros se verificaram, dos quais só tivera conhecimento a mãe da ofendida do último. É que, aqui, verificou-se a continuidade delitiva. É dizer: o acusado, pordiversas vezes, com algum intervalo, atentou contra a liberdade sexual da ofendida, um dos quais ocorreu no dia 27/06/2003.
  3. Em relação a este último atentado, é bem de ver-se, não ocorreu a decadência, pois a representação foi ofertada a tempo.
  4. A ofendida, a propósito do último crime, afirmou, dentre outras coisas, nesse dia o seu pai lhe convidou para saíram de bicicleta alegando que pretendia arrancar um dente.
  5. A ofendida prosseguiu dizendo que o seu pai – que, já se sabe agora,  era seu padrasto – entrou em um matagal, tirou sua roupa e chupou sua vagina, inserindo, depois, o pênis em seu ânus.
  6. A vítima disse ao acusado que  contaria o episódio à sua mãe, mas desistiu, porque foi ameaçada(fls.05/07).
  7. Cientificada do fato ocorrido no dia  27 de junho de 2003, a mãe da ofendida, sua representante legal, cuidou de noticiar o fato, apresentando a necessária representação, formalizadano dia 12 de agosto de 2003, portanto, antes, muito antes, de operar-se a decadência.
  8. É curial, assim, que a decadência se verificou tão-somente em relação aos crimes anteriores ao fato ocorrido no dia 12 de agosto de 2003.
  9. Deve-se concluir, assim, que acusado, pelos crimes antes cometido,  não mais responderá. Não poderá, entrementes, deixar de responder pelo crime sobre o qual não se estendeu o mantodecadencial.

Agora, uma obervação relevante. No exame das minhas decisões é sempre bom atentar para a data da publicação, tendo em vista de que elas retratam as interpretações dos textos legais que se faziam  à época.

A seguir, a sentença, por inteiro.

 

Processo nº 152222003

Ação Penal Pública

Acusado: J. F. R. F.

Vítima: P. R.R.

 

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J., por incidência comportamental no artigo 214, caput, c/c o artigo 225, § 1º, II e 226, II, todos do Código Penal, em face de, desde a idade de quinze anos, ser obrigada pelo acusado a com ele praticar sexo oral e anal, que se utilizava da sua condição de pai para constrangêla a praticar os atos diversos da conjunção carnal, aproveitando-se dos momentos em que a vítima estava sozinha.

A representação foi ofertada pela mãe da ofendida aos doze dias do mês de agosto de 2003(fls.32).

A certidão da ofendida está acostada, em fotocópia, às fls.14.

Declaração de pobreza às fls. 33.

Exame de conjunção carnal às fls. 45.

Recebimento da denúncia às fls. 46/47.

O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.52/57.

Defesa prévia às fls. 62/63.

Durante a instrução criminal foram ouvidas a ofendida(fls.74), a irmã da ofendida, S.(fls.75/76), a mãe da ofendida, R.(fls.77), C. M. M. R.(fls.91), A. Z. F.(fls.92), C. F.(fls.93) e R. F.(fls.94).

Na fase de diligências, nada foi requerido pelo Ministério Público(fls.97),nem pela defesa(fls.99/100).

O Ministério Público, em alegações finais, pede a condenação do acusado, nos termos da denúncia(fls.103/113).

A defesa, de seu lado, alega, em preliminar, a ocorrência de decadência, deixando, entretanto, de se manifestar quanto ao mérito, por entender extinta a punibilidade do acusado.(fls.188/126).

Relatados. Decido

Primeiro, a questão preliminar agitada pela defesa.

O procurador do acusado, em alegações finais, argumentou, à guisa de preliminar, que estaria extinta a punibilidade, em razão da ocorrência decadência, pois que a mãe da ofendida, malgrado tivesse tido conhecimento do crime desde o ano de 2001, não manifestou o desejo(potestas) de vê-lo processado, dentro, portanto, do prazo decadencial de seis meses, ex vi do artigo 38 do Digesto de Processo Penal.

Devo grafar, face da preliminar vulcanizada pelo defesa, que, realmente, em relação aos crimes anteriores ao último, que se deu no dia 27 de junho do ano de 2003, operou-se, sim, a extinção da punibilidade do acusado, pelo fenômeno decadencial.

Explico e justifico.

Do relato da ofendida pode-se inferir, sem dificuldade, que, por diversas vezes, o acusado atentou contra a sua liberdade sexual, sendo que a penúltima vez  o fato chegou, sim, ao conhecimento da mãe da sua genitora,  que reagiu aplicando-lhe uma paulada, como se colhe do excerto abaixo, extraído do seu depoimento em sede administrativa, verbis:

“…numa note, há tempos atrás, na cozinha da residência, a declarante realmente flagrou J. F. abaixar as vestes de Poliana, enquanto a referida menor chorava, momento em que a declarante o agrediu fisicamente, desferindo um golpe de cabo de vassouro contra J. F…“(fls.16/17).

A mãe da ofendida, a partir desse fato, imaginou que nada mais ocorreria, razão pela qual não tomou qualquer providência, deixando, assim,escoar, in albis, o prazo decadencial referente ao fato criminoso de que tivera ciência:

O excerto abaixo é elucidativo.

 Indagada a mãe da ofendida pela autoridade policial, porque não denunciou o fato, respondeu, litteris:

“…por achar que o mesmo ia se corrigir e que tal fato não voltaria a ocorrer…(fls.16/17).

Posso concluir, sem a mais mínima dúvida, que, em relação ao crime que tivera conhecimento, antes, a mãe da ofendida, está, sim, extinta a punibilidade, fulminado o direito pela decadência.

Ocorreu que, depois desse crime, outros se verificaram, dos quais só tivera conhecimento a mãe da ofendida do último. É que, aqui, verificou-se a continuidade delitiva. É dizer: o acusado, por diversas vezes, com algum intervalo, atentou contra a liberdade sexual da ofendida, um dos quais ocorreu no dia 27/06/2003.

Em relação a este último atentado, é bem de ver-se, não ocorreu a decadência, pois a representação foi ofertada a tempo.

A ofendida, a propósito do último crime, afirmou, dentre outras coisas, nesse dia o seu pai lhe convidou para saíram de bicicleta alegando que pretendia arrancar um dente.

A ofendida prosseguiu dizendo que o seu pai – que, já se sabe agora,  era seu padrasto – entrou em um matagal, tirou sua roupa e chupou sua vagina, inserindo, depois, o pênis em seu ânus.

A vítima disse ao acusado que  contaria o episódio à sua mãe, mas desistiu, porque foi ameaçada(fls.05/07).

Cientificada do fato ocorrido no dia  27 de junho de 2003, a mãe da ofendida, sua representante legal, cuidou de noticiar o fato, apresentando a necessária representação, formalizada no dia 12 de agosto de 2003, portanto, antes, muito antes, de operarse a decadência.

É curial, assim, que a decadência se verificou tão-somente em relação aos crimes anteriores ao fato ocorrido no dia 12 de agosto de 2003.

Deve-se concluir, assim, que acusado, pelos crimes antes cometido,  não mais responderá. Não poderá, entrementes, deixar de responder pelo crime sobre o qual não se estendeu o manto decadencial.

A propósito da esfogueada quaestio, devo sublinhar, na mesma linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que “ o prazo de decadência previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal, na hipóteses de continuidade delitiva, deve ser considerado em relação a cada crime, apreciado de forma isolada” (RSTJ 90/352).

O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, de seu lado, obtemperou no mesmo sentido, ao afirmar que, tratando-se de fatos ocorridos em diferentes datas, a decadênciaalcança os acontecidos há mais de seis meses, nos termos do artigo 38 do Digesto de Processo Penal(RT 452/461).

A doutrina, acerca da questão enlevada, tem decidido no mesmo sentido, ou seja, de que tratando-se de crime continuado, em que o agente pratica duas ou mais infrações penais da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes (artigo 71do CP), o prazo de decadência deve ser considerado em relação ao conhecimento da autoria de cada delito, que deve, para isso, ser apreciado isoladamente( Julio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, Oitava Edição, Editora Atlas, página 162).

Tudo posto acerca da preliminar, creio que não restam dúvidas de que , em relação ao último crime, não se operou a decadência, em vista da representação formulada às fls.32.

Acerca da representação em comento, a defesa alega ser viciado, pois que a mãe da ofendida declarou não tê-lo lido antes de assinar.

Nessa quaestio a defesa não tem melhor sorte.

A uma, porque, como sabido, só excepcionalmente as pessoas lêem o que assinam em juízo ou em sede policial, pois que partem do pressuposto de que não se cuida de arranjo.

A duas, porque, sabe-se, a representação não exige, para sua validade, forma sacramental. Dês que reste evidente o desejo da ofendida ou de seu representante legal, de processar o autor do fato, restará presente, de efeito, essa condição de procedibilidade.

A considerar-se procedente o argumento da defesa, ter-se-ia que, doravante, desconsiderar todos os termos assinados em audiência, quer em sede judicial, quer em sede administrativa,  sabido que, em regra, não se lê o que está escrito, pressupondo a sua fidelidade, daí se concluindo quão absurdo é o argumento encartado nas alegações finais em comento.

Sabe-se que, no ambiente extrajudicial, se fabrica provas, se arranca confissões a fórceps, se pratica, enfim, toda sorte de arbitrariedade.

In casu, pode não ter sido diferente.

Ocorre que, no que se refere especificamente à representação, é bem de ver-se, que ainda que tivesse vício de origem, há outros dados a corroborála como, por exemplo, o registro da ocorrência.

Além da representação e do termo de ocorrência, colho dos autos, de mais a mais, o depoimento da mãe da vítima, também dentro do prazo decadencial, a denunciar o crime do acusado e, assim, manifestar o desejo de vê-lo processado.

Todas as questões acima já foram objeto de exame pelos nossos Sodalícios; todos na mesma senda da tese aqui esposada, como se colhe das ementas abaixo, verbis:

STJ – HABEAS CORPUS Nº 20.401 – RJ (2002/0004648-6) (DJU 05.08.02, SEÇÃO 1, P. 414, J. 17.06.02) RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES  IMPETRANTE: THAÍS CAMPOS VIEITAS ALVES – DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO IMPETRADO: SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE: O.F. (PRESO) EMENTA PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PERDA DO OBJETO. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REPRESENTAÇÃO. FORMA SACRAMENTAL. INEXIGIBILIDADE.

1 – Resta prejudicado o habeas corpus, por falta de objeto, quando o motivo do constrangimento não mais sexiste. 2 – Nos crimes de ação pública, condicionada à representação, esta independe de forma sacramental, bastando que fique demonstrada, como na espécie, a inequívoca intenção da vítima e/ou seu representante legal, nesta extensão, em processar o ofensor. Decadência afastada. 3 – Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada.

No mesmo rumo:

STJ- HABEAS CORPUS Nº 11.912 – SP (2000/0003422-3) (DJU 20.08.01, SEÇÃO 1, P. 496, J. 03.04.01) RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI IMPETRANTE: L.R.M. IMPETRADO : DÉCIMA QUARTA CÂMARA DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : F.L.P. EMENTA  PROCESSO PENAL – REPRESENTAÇÃO – DESNECESSIDADE DE RIGOR FORMAL – DECADÊNCIA – CRIME DE OMISSÃO DE INFORMAÇÃO EM PRODUTO – ART. 66 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRESCRIÇÃO-INOCORRÊNCIA. – Esta Corte, em inúmeros julgados, tem entendido que a representação do ofendido (crimes de lesões corporais), como condição de procedibilidade, prescinde de rigor formal. Basta que haja a demonstração inequívoca de sua intenção em ver os autores responsabilizados criminalmente.

 

Na mesma direção.

STJ – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N° 10.872 – SC (2000/0143567-1) (DJU 04.06.2001, SEÇÃO 1, p. 190) RELATOR : MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA RECORRENTE: L.F.G.S. ADVOGADO : JULIO MARCO GUIMARÃES SILVA E OUTRO RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE : L.F.G.S. EMENTA HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍcULO AUTOMOTOR. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA OU DE SEU REPRESENTANTE LEGAL. ART. 88, DA LEI 9.099/95, C.C.Q ART. 291, DA LEI 9.503/97. DESNECESSIDADE DE RIGOR FORMAL. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. A representação da vítima exigida pelo art. 9.099/95 não exige fórmula sacramental, sendo suficiente o simples registro da ocorrência perante a autoridade policial. Precedentes. Não esgotado o prazo decadencial para o exercício do direito de representação da vítima (art. 38 do CPP), não há falar em extinção da punibilidade. Recurso desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Srs.Ministros FELIX FISCHER, GILSON DIPP, JORGE SCARTEZZINI e EDSON VIDIGAL. Brasília (DF), 15 de março de 2001 (data de julgamento).

 

Na mesma senda:

Acórdão  RHC 14905 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0149228-2   Fonte  DJ DATA:26/04/2004 PG:00178  Relator  Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106)  Data da Decisão  23/03/2004  Orgão Julgador  T5 – QUINTA TURMA  Ementa RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REPRESENTAÇÃO. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA REPRESENTANTE LEGAL DA OFENDIDA. INOCORRÊNCIA DA ACENADA DECADÊNCIA. Em sede de crime de ação penal pública condicionada à representação, não se exige fórmula sacramental para a manifestação de vontade do ofendido no sentido de que se promova a responsabilização do autor do delito. Precedentes. Se a mãe da ofendida, dentro dos seis meses previstos em lei, procura o Conselho Tutelar da Infância e Juventude para as providências cabíveis, não há falar em decadência, por falta de representação ou de seu tardio manejo, pois nesse caso está suficientemente demonstrada a inequívoca intenção de desencadear a persecutio criminis. Inocorrência da aludida decadência. Recurso desprovido.

Superada a quaestio preambular, passo ao exame do mérito.

No que se refere à questão de fundo, melhor sorte não tem o acusado.

Com efeito, o acusado, apresentando um álibi risível, afirmou, em ambiente judicial, que não se recordava de ter  molestado a ofendida, pois que, ao fazê-lo, estava sempre bêbado(fls.56/57).

O acusado, em outro fragmento, igualmente risível, afirmou que “não se recorda de ter praticado sexo oral e anal com a vítima, porque bebia e perdia o juízo(ibidem).

Mais adiante, o acusado afirmou que “no dia seguinte ao acontecido, era informado por sua esposa que quando chegava bêbado tomava gosto com Poliana“(ibidem).

Em outro excerto, também burlesco, o acusado disse:

“…que não se recorda de nenhum dos acontecimentos narrados pela vítima, porque estava sempre bêbado…”(ibidem).

Para, depois, concluir afirmando que:

“..as vezes que tentou praticar sexo com a vítima estava sempre bêbado”…(ibidem).

Indago, agora, em face dos biscatos transcritos: há alguma dúvida acerca da autoria do crime?

Entendo que não!

 Devo, entretanto, continuar a análise das provas, que não deve ficar circunscrito, é cediço,  apenas no picaresco depoimento do acusado.

A ofendida, cujo depoimento, sabe-se, tem, em  casos de igual matiz, especial relevância para definição da autoria, afirmou, na fase de cognição, litteris:

“…que desde os quinze anos o acusado obrigava a vítima a manter sexo oral e anal…”(fls.74).

No excerto abaixo, os momentos do atentado:

“…que os fatos se deram sempre à noite, no quatro em que dormia com sua irmã…”(ibidem).

 

Agora, as ameaças, para obrigá-la a silenciar e aceitar o abuso:

“…que na ocasião o acusado ameaçava matar a vítima e sua mães, caso contasse a alguém sobre o ocorrido…”(ibidem).

No fragmento, a reação possível, em face das ameaças:

“…que a vítima chorava e pedia que alguém a escutasse; que uma vez somente a sua irmã escutou-a chorando e perguntou o que estava acontecendo, que o acusado entrou no quarto e respondeu que a vítima estava com dor de cabeça…”(ibidem)

Mais adiante, o tempo de sofrimento:

 

“…que a prática criminosa durou quase dois anos…”(ibidem).

Em outra fração, o medo do acusado e vergonha do acontecido:

“….que nesse período nunca contou para sua mãe ou para quem quer que seja, pois tinha muito medo e vergonha…”(ibidem).

Finalmente,  o dia do crime que interessa à decisão:

“…que em determinado dia o acusado inventou que iria no dentista e  convidou a vítima; que a vítima foi com o acusado ao tal dentista, mas em determinada altura o acusado disse que ia na casa de um amigo, entrou em várias ruas e ao final, levando-a para o mato, obrigou-a a manter sexo ano…(ibidem).

Para concluir, a data do fato, em face da tese da defesa:

“…que tais fatos se deram  em julho do ano de 2003…”(ibidem).

Além do estupefaciente depoimento da ofendida, tem-se nos autos, a definir o crime e sua autoria, o corroborador depoimento de sua irmã S.(fls.75/76).

Os depoimentos da vítima e de sua irmã,  a meu sentir, deixam evidenciado, à vista fácil, que o acusado, ao chupar-lhe o peito,  ao manter com ela conjunção anal, ainda que não o fizesse por inteiro, e ao obrigar a vítima a com ele praticar sexo oral, malferiu, sim, o preceito primário do artigo 214 do CP.

Do preceptum iuris do artigo 214 extraio que atentar ao pudor de alguém, é constranger esse alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

O ato libidinoso, necessário à caracterização do crime em comento, é todo aquele que serve de desafogo à concupiscência. Nesse contexto, o é o ato lascivo, voluptoso, dirigido à satisfação do instinto sexual, completo ou incompleto.

Indisputável, assim, que o acusado, praticando os atos que praticou com a vítima, o fez violando a lei, malferindo a ordem jurídica, fazendo, com efeito, aquilo que a lei determina ser crime.

Registro, pelo prazer de argumentar, que, em situações que tais, a prova pericial não é decisiva, pois que o atentado violento ao pudor não está entre os crimes que deixam, necessariamente,  vestígios.

O tipo subjetivo do crime sub studio é a vontade de praticar o  constrangimento mediante violência e/ou grave ameaça, com o fim libidinoso.

O acusado, ao ameaçar a vitima e pessoas de suas família, para, com ela tentar-no mínimo-manter relação anal e fazer sexo oral, o fez, subjetivamente, para satisfazer a sua concupiscência,  daí emergindo o elemento subjetivo.

O crime albergado nos autos, é bem de ver-se, restou, ademais, consumado, pois que a consumação se dá com a efetiva satisfação da lascívia-o que, registre, não era sequer  preciso, pois que bastava que a ação do acusado fosse perpetrada com esse propósito..

Para finalizar, devo sublinhar que o crime sob retina restou qualificado, em vista da condição do acusado em relação à vítima, pois que, malgrado negasse que fosse seu pai biológico,  era amásio de sua genitora e, nessa condição, assemelha-se ao padrasto, razão pela qual tem, aqui, inteira aplicabilidade o artigo 226, II, do CP.

O acusado, reitero, pese não fosse pai da ofendida, exercia autoridade sobre ela, bastando, para que se constate o fato, colher do seu depoimento, em sede judicial, onde destaca que ofendida sempre morou em sua companhia, como se filha fosse(fls.56).

Devo realçar, agora, que aqui se cuida de crime hediondo, pois que fora cometido com a ameaça, como, aliás, ressai, às inteiras, do depoimento da ofendida, quando afirmou que foi obrigada a manter sexo anal com o acusado(fls.74).

A conclusão a que chego não é estranha aos Tribunais, como entremostra a ementa abaixo, transcrita, lilteris:

Acórdão RESP 603880 / RO ; RECURSO ESPECIAL 003/0190446-3   Fonte  DJ DATA:10/05/2004 PG:00340  elator  Min. FELIX FISCHER (1109)  Data da Decisão  6/03/2004  Orgão Julgador  T5 – QUINTA TURMA  Ementa  PENAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA FICTA. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. I – Os crimes hediondos, e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura, estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, sendo, portanto, vedada a progressão do regime prisional de cumprimento de pena. II – A Lei nº 8.072/90, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do Pretório Excelso.) III – Consoante a mais recente orientação jurisprudencial, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ainda que perpetrados em sua forma simples, caracterizam-se como crimes hediondos, submetendo-se o condenado a tais delitos ao cumprimento de pena sob o regime integralmente fechado, a teor do disposto na Lei nº 8.082/90

 

Na mesma trilha:

Acórdão  HC 29393 / PR ; HABEAS CORPUS 2003/0128678-0   Fonte  DJ DATA:10/05/2004 PG:00313  Relator  Min. FELIX FISCHER (1109)  Data da Decisão  16/03/2004  Orgão Julgador  T5 – QUINTA TURMA  Ementa  PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. FORMA SIMPLES. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. BIS IN IDEM. I – Consoante a mais recente orientação jurisprudencial, constitui-se o crime de atentado violento ao pudor, ainda que perpetrado em sua forma simples e com violência presumida, em crime hediondo, submetendo-se o condenado a tal delito ao cumprimento de pena sob o regime integralmente fechado, a teor do disposto na Lei nº 8.072/90 (Precedentes do STF e do STJ). II –  O acréscimo de pena previsto no art. 9º, da Lei nº 8.072/90 somente se aplica na eventualidade de lesão corporal grave ou morte. Assim não fosse, haveria violação ao princípio do ne bis in idem (Precedentes). Ordem parcialmente concedida, tão-somente para afastar, no caso, a causa de aumento da pena prevista no artigo 9º da Lei nº 8.072/90, restando a pena em 02 (dois) anos de reclusão.

 

Cuidando-se de crime hediondo, o regime de cumprimento da pena  é o fechado, convindo consignar que a Lei 8.072/90 não inconstitucional, como, aliás, tem sido decidido à farta.

Acerca da constitucionalidade da Lei antes mencionada, não se tem a mais mínima dúvida, pois que os Tribunais há muito enfrentaram a questão, decidindo, sempre, nesse sentido, como se vê das ementas a seguir transcritas, litteris:

Acórdão  RESP 603880 / RO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0190446-3   Fonte  DJ DATA:10/05/2004 PG:00340  Relator  Min. FELIX FISCHER (1109)  Data da Decisão  16/03/2004  Orgão Julgador  T5 – QUINTA TURMA  Ementa  PENAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA FICTA. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. I – Os crimes hediondos, e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura, estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, sendo, portanto, vedada a progressão do regime prisional de cumprimento de pena. II – A Lei nº 8.072/90, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do Pretório Excelso.) III – Consoante a mais recente orientação jurisprudencial, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ainda que perpetrados em sua forma simples, caracterizam-se como crimes hediondos, submetendo-se o condenado a tais delitos ao cumprimento de pena sob o regime integralmente fechado, a teor do disposto na Lei nº 8.072/90.Recurso provido.

 

No mesmo caminho:

Acórdão  HC 29393 / PR ; HABEAS CORPUS 2003/0128678-0   Fonte  DJ DATA:10/05/2004 PG:00313  Relator  Min. FELIX FISCHER (1109)  Data da Decisão  16/03/2004  Orgão Julgador  T5 – QUINTA TURMA  Ementa  PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. FORMA SIMPLES. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. BIS IN IDEM. I – Consoante a mais recente orientação jurisprudencial, constitui-se o crime de atentado violento ao pudor, ainda que perpetrado em sua forma simples e com violência presumida, em crime hediondo, submetendo-se o condenado a tal delito ao cumprimento de pena sob o regime integralmente fechado, a teor do disposto na Lei nº 8.072/90 (Precedentes do STF e do STJ). II –  O acréscimo de pena previsto no art. 9º, da Lei nº 8.072/90 somente se aplica na eventualidade de lesão corporal grave ou morte. Assim não fosse, haveria violação ao princípio do ne bis in idem (Precedentes). Ordem parcialmente concedida, tão-somente para afastar, no caso, a causa de aumento da pena prevista no artigo 9º da Lei nº 8.072/90, restando a pena em 02 (dois) anos de reclus 

 

Na mesma alheta:

Acórdão  ERESP 252929 / SP ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL 2002/0029058-7   Fonte  DJ DATA:26/04/2004 PG:00145  Relator  Min. JORGE SCARTEZZINI (1113) Data da Decisão  24/03/2004  Orgão Julgador  S3 – TERCEIRA SEÇÃO  Ementa  PROCESSO PENAL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO PENAL – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA – CRIME HEDIONDO – PROGRESSÃO DE REGIME – INVIABILIDADE – EMBARGOS ACOLHIDOS. 1 – Consoante remansosa jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso, nos crimes hediondos – aqui considerado o atentado violento ao pudor, tanto na sua forma simples quanto qualificada – é inviável a progressão de regime prisional. 2 – Precedentes (HC 81.288/SC, do STF e EREsp 364.816/MT e Resp 311.317/MS, deste STJ). 3 – Embargos acolhidos para, reformando o v. acórdão embargado, determinar o cumprimento da pena em regime integralmente fechado. 

 

Tudo posto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado J., por incidência comportamental no artigo 214, caput, c/c o artigo e 226, II, todos do Código Penal, cuja penabase fixo em 06(seis) anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, ex vi legis.

O acusado esteve preso durante a instrução, em face de decreto de prisão preventiva editado neste juízo e assim deve permanecer, pois que cuida-se aqui, como sublinhado acima, de crime hediondo.

Os motivos que ensejaram a prisão provisória do acusado, de mais a mais,  permanecem inalterados.

Devo grafar, a propósito da prisão provisória do acusado,  que é orientação consolidada no STF que, “se o réu está preso-por força de flagrante ou preventiva-ao momento da sentença condenatória, não se lhe aplica o benefício do artigo 594 do CPP“(RT 639/379). No mesmo sentido: JSTF 157/365; RT 762/563; RSTJ 110/354; RSTJ 90/317 e RT 711/384.

Recomende-se-o, pois, na prisão em que se encontra.

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado desta decisão, lance-lhe o nome no rol dos culpados.

Encaminhem-se os autos, depois, à distribuição, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.

São Luis,  março de  2003.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

        Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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