Sentença absolutória. Vítima que, apesar da idade, aquiesceu, induvidosamente, com o coito anal.

A decisão absolutória sob retina foi publicada no ano de 2004. Na oportunidade, entendi devesse absolver o acusado da prática de crime de atentado violento ao pudor, com violência presumida. A decisão à época, causou muita polêmica – e, creio, ainda causa nos dias atuais.

Da decisão em comento destaco, aqui e agora, os seguintes excertos:

  1. Entendo que, tivesse sido o ofendido constrangido-abstraída a presunção de violência – a praticar o coito anal com o acusado, mediante ameaça real, não teria dúvidas da necessidade de condená-lo, pois que restaria tipificado o crime.
  2. Ocorre que, in casu sub examine, o ofendido, conquanto menor de treze anos, afirmou, sem meias palavras, sem titubeio, com segurança, que se submeteu ao sexo anal porque quis. Spont sua, é dizer.
  3. Como, a partir da afirmação do ofendido, editar um decreto de preceito sancionatório? Seria justo apegar-se à letra fria da lei e colocar o acusado em ergástulo, punindo-o por um fato que oofendido contribuiu com a sua aquiescência?
  4. A meu sentir, as instituições penais nada lucrariam com a reclusão do acusado. Muito pelo contrário. Nos dias de hoje, quando as informações acerca do sexo se chegam aos jovens na mais tenra idade, não tem sentido invocar, em situações dessa senda, a presunção de violência.
  5. Haverá quem argumente, em defesa da violência indutiva ou ficta, que, embora as vitimas menores de 14(quatorze) anos tenham maturidade sexual, não tem, entrementes, maturidadepsicológica.
  6. A minha experiência de vida, quer como pai, quer como Promotor de Justiça e agora como magistrado, não me deixa trilhar navegar nessas águas..
  7. Entendo, pedindo vênia dos que entendem de maneira diferente, que o rigor da norma que prevê a presunção de violência em casos dessa alheta deve ser mitigado, a fim de que não se façainjustiça.

 

Leia, agora, a decisão por inteiro,  reflita e dê a sua opinião.

Processo nª 149522000

Ação Penal Pública

Acusado: F. M.

Vítimas: W. F. D.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra F. M., vulgo “F., por incidência comportamental no artigo 214 do Codex Penal, em face de, no dia 20 de setembro do ano de 2000, ter praticado sexo anal com o menor  W. F. D., de 13(treze) anos de idade, no interior do Posto de Táxi da Cidade Operária, localizado na Avenida Principal, onde trabalha o acusado.

Laudo pericial às fls. 38.

Recebimento da denúncia às fls. 53.

O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.57/59.

Defesa prévia às fls.67/68.

Durante a instrução criminal foram inquiridos o pai do ofendido(fls.120), a vítima(fls.132) e as testemunhas R. L. G. F.(fls.131), J.O. S. A.fls.141), S. M. de A.(fls.142), J.C. V.(fls.143) e  J. F.G.(fls.144).

Relatados. Decido.

Os autos sub examine albergam ação penal proposta pelo Ministério Público, contra F., vulgo “Frank“, a quem imputa a prática do crime de atentado violento ao pudor, apontando como vítima W., menor de 13(treze) anos.

Colho da prefacial que o acusado teria infligido à vítima violência sexual, com ela mantendo ato libidinoso diverso da conjunção carnal, fato que teria ocorrido no interior de um Posto de Táxi, localizado na Avenida Principal, Cidade Operária.

No interior do mencionado posto, o acusado, sempre de acordo com preambular, aproveitandose da situação e da incapacidade do menor de consentir,  manteve com  ele relação anal e sexo oral, malferindo, assim, o preceito primário do artigo 214 do Codex Penal.

A persecução criminal teve início mediante portaria da autoridade policial, tendo a antecedê-la a manifestação do representante legal da vítima.(fls.07)

O ofendido, na fase proemial da persecução, ouvido às fls. 11, deu a entender que tivesse sido obrigado ao coito anal e ao sexo oral e que o autor do fato, depois disso, ainda passou lhe ameaçar, caso contasse o fato a seu pai ou à sua madrasta(fls.11).

Não satisfeito o acusado, segundo, ainda, aversão do ofendido, teria comentado o fato com alguns feirantes e confirmado a sua ocorrência a seu genitor.(ibidem).

O depoimento do ofendido foi confirmado por sua madrasta(fls.13/14) e pelo seu genitor(fls.15).

O acusado, na mesma fase, negou que tivesse mantido relação sexual anal com a vítima e,também, que tivesse feito sexo oral com ela(fls.25/26).

Tem-se, aí, no primeiro momento, duas versões para o mesmo fato, claramente definidas: a da vítima, de seu pai e sua madrasta, e a do acusado. Aqueles afirmam que houve a violência sexual, enquanto este a nega.

Conquanto negasse o acusado a prático do coito anal, há nos autos, produzida na mesma fase, a prova pericial de fls. 38, dando conta de que a vítima foi, efetivamente, submetida a abuso sexual.

Com essas duas verdades preliminares, ou seja, da ocorrência do abuso sexual e da negativa de autoria do acusado, tem início a segunda fase da persecução criminal.

Em sede judicial, o acusado, mais uma vez, negou a autoria do crime(fls.59).

O pai  do ofendido, ratificou as declarações prestadas em ambiente extrajudicial(fls.120).

Tem-se, até aqui, o mesmo quadro de provas da fase administrativa, ou seja, o acusado nega e o genitor do ofendido confirma ter notícias de que o fato efetivamente ocorreu.

A considerar-se a palavra do acusado e do pai do ofendido, está-se diante de um impasse, que, entretanto, deve ser superado em face da palavra da vítima.

Explico e justifico.

Crimes desse matiz, praticado às escondidas, a principal e, como regra, a única testemunha, é a vítima.

O acusado, é curial compreender, tem direito ao silêncio( nemo tenetur se detegere), silencio que, hodiernamente, não pode ser interpretado em seu desfavor.

Para definição do fato, repito, só mesmo a palavra do ofendido.

Pois bem.

Aqui, em sede judicial, a vítima confirmou ter praticado sexo anal com o acusado, porém — olha a supresa! —, o fazendo de livre e espontânea vontade. (fls.132)

Pode-se ver, assim, que a primeira notícia de que o acusado teria compelido o ofendido ao sexo anal e oral, já não se sustenta.

Disse-o acima, que a palavra da vítima era decisiva para definição do crime e de sua autoria.

Do depoimento do ofendido, creio que não se tem dúvidas acerca da existência do coito anal e de sua autoria.

Importa saber, agora, é se, em face da legislação em vigor, há, ou não, crime a ser punido.

É o que examinarei a seguir.

O tipo penal em que se amoldaria a ação do acusado, segundo o Ministério Público, é o previsto no artigo 214 do Digesto Penal, donde se vê que  constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal, configura crime de atentado violento ao pudor.

O busílis é saber, agora, se todos os elementos do tipo penal estão presentes na conduta do acusado.

Já se sabe que o acusado manteve relação anal com a vítima. Quando a isso não se tem dúvidas. Disse-o  vítima e não há motivos para descrer de sua palavra.

É necessário saber, entretanto, se houve violência, ou ameaça de violência. Ficta ou real.

De lege lata, creio que não se teria dúvidas, em face da idade do ofendido à época do fato. Ex vi legis, a violência, em situação de igual senda, se presume. É o que nominam a doutrina e a jurisprudência de  violência presumida, ficta ou indutiva.

Malgrado o exposto, é de perquirirse se, nos dias atuais, ainda se deve, ou não, presumir a violência, em face da pouca idade da vítima.

Os Tribunais, enfrentando a questão, têm, reiteradamente, decidido nos dois sentidos. Para uns, mais conservadores, trata-se de presunção  juris et de jure; para outros, mais liberais, juris tantum.

De meu lado, entendo que cada caso deve ser examinado sem perder de vista a realidade que se apresenta nesse início de século. Deve ser levado em conta,  ademais, a conjuntura em que se deu o fato. A idade aparente da vítima e a sua capacidade de consentir, malgrado menor de 14(quatorze) anos, são dados que não podem ser abstraídos.

Examinada a quaestio a par dessas diretrizes, entendo não deva punir o acusado.

Justifico a seguir.

A realidade que hoje se vislumbra e a conjuntura em que se deu a ocorrência, não autorizam a condenação do acusado, pela singela razão de que a vítima, pese menor de quatorze anos, consentiu com o coito e, ao que entrevejo das provas, teve prazer em se submeter ao congresso anal.

A segregação do acusado, em face do coito  em comento a que  submeteu o ofendido – espontaneamente,  reitere-se -seria, a meu sentir, um despautério, um destrambelho, um apego exacerbado à letra fria da lei. Condenar o acusado seria, também e no mesmo passo, estender os malefícios da decisão a  toda a sua família.

Entendo que, tivesse sido o ofendido constrangido-abstraída a presunção de violência – a praticar o coito anal com o acusado, mediante ameaça real, não teria dúvidas da necessidade de condenálo, pois que restaria tipificado o crime.

Ocorre que, in casu sub examine, o ofendido, conquanto menor de treze anos, afirmou, sem meias palavras, sem titubeio, com segurança, que se submeteu ao sexo anal porque quis. Spont sua, é dizer.

Como, a partir da afirmação do ofendido, editar um decreto de preceito sancionatório? Seria justo apegar-se à letra fria da lei e colocar o acusado em ergástulo, punindo-o por um fato que o ofendido contribuiu com a sua aquiescência?

A meu sentir, as instituições penais nada lucrariam com a reclusão do acusado. Muito pelo contrário. Nos dias de hoje, quando as informações acerca do sexo se chegam aos jovens na mais tenra idade, não tem sentido invocar, em situações dessa senda, a presunção de violência.

Haverá quem argumente, em defesa da violência indutiva ou ficta, que, embora as vitimas menores de 14(quatorze) anos tenham maturidade sexual, não tem, entrementes, maturidade psicológica.

A minha experiência de vida, quer como pai, quer como Promotor de Justiça e agora como magistrado, não me deixa trilhar navegar nessas águas..

Entendo, pedindo vênia dos que entendem de maneira diferente, que o rigor da norma que prevê a presunção de violência em casos dessa alheta deve ser mitigado, a fim de que não se faça injustiça.

Recordo, como se hoje fosse, o  depoimento o ofendido. Vi nele segurança quanto à sua opção sexual. O pai, revoltado, a tudo assistia  – inerme e inerte. O ofendido, ainda assim, não tergiversou, não fez concessões. Assumiu, sim, naquele momento, a sua homossexualidade, daí porque entendo que, pelo menos neste caso, seria uma arrematada injustiça condenar o acusado.

A disposição da vítima ao congresso carnal era tanta, que o acusado, ao que posso vislumbrar das provas colacionadas, não pensou nesses detalhes jurídicos, ou seja, de estar violentando, fictamente, indutivamente, a vítima em face do coito anal.

Sempre entendi e continuo entendendo, no  que ratifico entendimento anterior, que a presunção de violência inserida em nosso ordenamento jurídico é relativa (juris tantum). Id. est., admite-se prova em contrário, ou seja, de que o menor, ou a menor, de quatorze anos já é experiente em matéria sexual. Para demonstração, portanto, da presunção de violência, exige-se do sujeito passivo a sua insciência( innocentia consili) em relação ao sexo

Nos dias atuais, registre-se, ainda há quem defenda a presunção absoluta de violência(juris et de jure). Estes, no entanto, são a minoria que não evolui. São os chamados homens da caverna jurídica. Os jurássicos, enfim. Aqueles para os quais o tempo não passou. Aqueles que se perderam no tempo. Os radicais. Os que se perdem na interpretação puramente literal e frio do texto da lei.

O Supremo Tribunal Federal, nada obstante conservador em algumas questões, sobre esta já decidiu que “ não se configura o crime de estupro se a suposta vítima, embora menor de 14 anos, aparenta idade superior, possui comportamento promíscuo e admite não haver sido constrangia a manter relações sexuais com o acusado, tendo-o feito por livre e espontânea vontade(HC 73.662-MG, Rel. Min. Marco Aurélio).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já decidiu no mesmo sentido, ao proclamar que, “se, no curso da instrução, restar evidente que a vítima tinha capacidade de entender o caráter do ato, mormente no caso vertente,  em que faltavam apenas pouco mais de seis meses para atingir a idade limite, a conclusão pode ser outra, senão a de aceita a validade do consentimento“(RT 733/629).

Mais adiante, o mesmo Tribunal aduziu que ” a Constituição de 1988 não recepcionou  a presunção juris et de jure para exegese do artigo 224, a, do CP“(ibidem).

Para concluir afirmando que “violência ficta haverá, sim, quando a vítima, na faixa etária cogitada, for mesmo incapaz de consentir. Muitas vezes essa presunção exsurge nítida, preto no branco, em relação, por exemplo, a uma vítima de dez ou onze anos. Todavia, há uma área cinzenta, em que não se pode desconsiderar a prova favorável ao acusado, como é o caso vertente“(ibidem).

Tudo posto, julgo improcedente a denúncia, para, de conseqüência, absolver o acusado F.M. da imputação que lhe é feita, o fazendo com espeque no artigo 386,III, do Digesto de Processo Penal.

P.R.I.

Com o trânsito em julgado, arquivemse os autos, comunicandose o fato, a seguir, à distribuição, para os devidos fins.

São Luís, 07 de junho de 2004.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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