A defesa de Medina

POR PAULO MEDINA

“Meu julgamento foi uma farsa de cumprimento da lei”

Tenho 43 anos de magistratura. Todos os degraus em minha carreira, eu os percorri, fazendo com humildade e dignidade.

Juiz de Direito em Minas Gerais, juiz do Tribunal de Alçada, desembargador, corregedor-geral de Justiça e ministro do Superior Tribunal de Justiça, presidente de uma das suas Turmas Criminais, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Não sou juiz de sentenças vendidas ou de propinas pagas. Sou magistrado e nas pegadas do caminho estão as marcas definitivas de minha retidão e caráter, honra e trabalho.

Estou acusado do crime mais grave imputado ao Juiz: corrupção passiva. Também, prevaricação.

Nunca pratiquei em toda minha vida ato de corrupção.

Abomino os que se corrompem, os subservientes e os pusilânimes.

Sou juiz de um só tempo: o tempo de minha vida.

Fui julgado pelo Conselho Nacional de Justiça. Impuseram-me a pena de aposentadoria compulsória.

Cumpre-me reagir, tomado de indignação à decisão do colegiado.

Ao fazê-lo, ressalto que não estarei a descumprir decisão do órgão maior; não estarei a buscar nos órgãos de comunicação os debates que poderiam nascer da afrontosa deliberação do Conselho Nacional de Justiça.

Ali, meu advogado, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, tomará as iniciativas que se fizerem necessárias ao resguardo do meu direito.

Contudo, não posso permanecer em silêncio, emudecer a minha voz, fechar os olhos às injustiças, escamotear-me da violência, da má-fé e da falta de comprometimento de tantos que têm o dever de julgar após o exame da prova e a interpretação do Direito pelos tribunais.

O meu julgamento foi uma farsa de cumprimento da lei.

Acusado por dois fatos perfeitamente identificados e extremamente resumidos, o colegiado afirmou que não estava apontando prova de minha corrupção, isto é, não estava apontando quem me pagou, quanto pagou e onde pagou para obter uma decisão liminar favorável aos interesses de um grupo criminoso.

De qualquer modo, o conselho, acolhendo interpretação do corregedor, ministro Dipp, decretou-me a aposentadoria compulsória fazendo-o porque não mais possuía “reputação ilibada”.

Antes, desmoralizaram-me, e, ao depois estão a arguir, apesar da inexistência de prova, que não poderia retornar ao exercício do cargo de juiz.

Rompeu o conselho princípios elementares e impostergáveis inseridos no texto da Carta Maior: a presunção do estado de inocência; sustentou e votou para que se impusessem penas alicerçadas em frágeis provas que não autorizavam direito de punir.

Ao contrário do que disse o relator Gilson Dipp, também na seara administrativa não há de se arguir tipos abertos para condenar sem responsabilidade.

O Estado, a Administração Pública e as autoridades do Poder Judiciário, especialmente o corregedor Nacional de Justiça, não podem decretar penalidade sem a certeza plena de que o acusado praticou condutas que definem infrações disciplinares ou ilícitos penais.

Para o conselho não bastava negar a acusação, porém deveria o juiz apresentar provas de sua inocência.

Ora, o inocente não busca provas negativas.

O Estado Democrático de Direito exige da acusação o ônus da prova.

Mas, os fatos são idênticos na esfera penal e no campo administrativo. Absolutamente idênticos. Estão a comportar julgamentos iguais.

O corregedor Nacional de Justiça, ao pretender ampliar a visão dos fatos, fê-lo afrontando as normas do devido processo legal e ampla defesa. Condenou sem prévia e específica acusação. Ele faltou à verdade.

Não basta prova indireta; não basta suspeita ou ilação; não basta indício, e nenhum indício foi apresentado e submetido ao Conselho.

Ao exame da apuração que está no Inquérito e no PAD, ao prolatar o seu voto no Supremo Tribunal Federal, afirmou a ministra Cármem Lúcia: não existem indícios contra Paulo Medina.

Em verdade, nenhum indício lhe foi apontado e, ao declarar igual pensamento, expressou-se o ministro Marco Aurélio: “Não existe qualquer indício contra Paulo Medina. Não existe elemento probatório mínimo contra Paulo Medina. Não há diálogo ou gravação. E se houvesse, o procurador-geral da República já teria escancarado nos autos e fora dos autos”.

Por sua vez, o ministro Peluso, na qualidade de relator, explicou que recebia a acusação contra Paulo Medina porque era uma decisão provisória, onde na incerteza da dúvida mandava apurar.

E na espécie, aqui, exige-se a certeza plena para condenar.

Não apresentou prova o procurador-geral da República porque não havia como fazer.

Assim, não há prova contra Paulo Medina. Testemunhas, perícias, gravações, grampeamentos, escutas de madrugada, nada, absolutamente nada a envolver Paulo Medina.

Então, como condenar o ministro?

Volto a indagar.

Onde e qualquer da provas se refere a Paulo Medina?

Onde seu nome foi apontado por qualquer um dos outros denunciados ou terceiros, dizendo que teria ele envolvimento com a máfia dos caça-níqueis?

Onde está a prova para demonstrar que seu irmão Virgilio era o estafeta de propinas pagas ou sentenças vendidas?

Estou a responder: nada existe que pudesse apontar-me como autor ou partícipe dos fatos delituosos.

Mas o conselho não firmará seu prestígio nas cumeadas da nação se for apenas o látego que fere, a força que amedronta, a intimidação que promove no concerto dos juízes brasileiros.

O conselho não poderá jamais ser o eco que retumba; será a gritaria que se afasta da verdade e efetiva ação da Justiça.

O conselho, sem dúvida, deve se empenhar para depurar o Judiciário na medida em que seus julgamentos possam refletir a verdade que existe para saciar o anseio de justiça que está em nós.

Mas, magistrados, quando o conselho decide, alicerçado em presunções, fortalecido na suspeita, instrumentalizado pelas ilações, não há de merecer a solidariedade e o respeito dos juízes brasileiros.

A sessão de julgamento público foi precedida de reunião secreta e dela participam somente os conselheiros.

Na oportunidade, e às escondidas, resolveu o grupo que deveria condenar o ministro Paulo Medina tornando-o exemplo para a magistratura, especialmente pela votação unânime dos seus membros, dando-lhe o caráter pedagógico a fixar diretrizes aos juízes brasileiros

Tudo combinado. Então, o presidente da sessão, que não podia votar, disse que era o ambiente em que se deu os fatos que conduziria a votação.

Anunciou ainda que os quatros votos restantes seriam pela condenação.

E mais: que apressassem o julgamento pois no local ocorreria uma solenidade do Ministério da Saúde.

E mais não permitiu que o defensor do ministro Medina voltasse a falar sobre fatos argumentados pela acusação que não faziam parte do Conserto Probatório.

Assim era o salão (ou a inquisição) que preparava e julgava Paulo Medina. Líder da magistratura brasileira, que destacava seu trabalho pela transparência e respeitabilidade do Judiciário. Líder da magistratura mineira, gozando da estima e da solidariedade dos coestaduanos. Brasileiro líder da magistratura Latinoamericana, presidente da FLAN.

E daí decidiu o Conselho (não tendo prova de corrupção) condená-lo por não manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. Estimados juízes de meu país, enquanto o conselho existir para humilhar e punir, deixando de avaliar toda a história do magistrado, advirto, nenhum juiz estará seguro para o exercício e a defesa das prerrogativas de sua profissão.

Eu não fui condenado por corrupção. Eu não sou corrupto!

As minhas decisões foram conflitantes com as anteriores (decidiam matéria diversa), uma delas discutindo Direito Penal, outra restringindo-se a matéria processual. Não eram lacônicas, eis que foram discutidas na prova, dispostas no conflito doutrinário e jurisprudencial, firmadas no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

A decisão não era teratológica: apontou as três correntes doutrinárias que existem para sanar a controvérsia, e numa delas fixa-se esse magistrado sobre o ensinamento de Teori Zavascki, Luiz Fux e Humberto Gomes de Barros.

Eu combato a corrupção e a impunidade. É necessário combater o crime para conter a impunidade. Porém, esses atos não podem sepultar a coragem e a independência dos membros do Poder Judiciário

Os juízes se intimidam e os tribunais postam em silêncio, as associações de classe dos magistrados estão emudecidas e o abusivo poder de grupo, forjados para o esmagamento das pretensões legítimas, deverá ser contido, erguendo-se o bastão da justiça, opondo-se às invectivas que bafejam os muitos desavisados, visando a conter a pulverização da lei e da Constituição.

O episódio em que eu e outro magistrado fomos envolvidos não deixará marca desmoralizadora no Judiciário.

O Conselho exercitou o meu julgamento pela abusividade de seu Poder.

Tão-só estou a salientar que as decisões manifestamente injustas devem ser combatidas pela magistratura e, por dever, combatidas por quem apanha no dorso o que lhe fere a alma, mas ergue-se em defesa do homem e de sua família.

Nunca nos permitiremos desertar das prerrogativas da magistratura.

Informes falsos devem ser afastados, e os órgãos de comunicação no cumprimento de informar com responsabilidade, por certo, saberão dizer ao povo que a força dos tribunais não está na parafernália dos seus templos, nem na toga dos seus juízes, mas na seriedade, dignidade e honra (supremo bem da vida) dos homens que, na fidelidade as suas consciências, engrandecem de nobreza as salas de julgamentos e fazem crescer e perpetuar as instituições.

Compreende-se que se deve exigir mais do juiz. Contudo, não pode ser aceito que dele se exija além do cumprimento da lei. Isto lhe deve as instituições e a sociedade.

O povo pode acreditar no seu juiz: no sopé da montanha ou na curul do Supremo Tribunal Federal.

Volto ao meu lar.

Afasto-me do exercício da magistratura. Acredita-me que jamais desertarei de um compromisso pessoal: servir à magistratura e ao Poder Judiciário, devotando-lhes a minha fé, o meu ideal e a minha vida.

Matéria capturada no Consultor Jurídico

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “A defesa de Medina”

  1. Só não entendi por que o texto tem partes em 1ª e 3ª pessoa.

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