Direito concreto

Abaixo,  publico mais um acórdão cujo voto condutor foi da minha lavra.

No voto destaco, sobretudo e fundamentalmente, os equívocos que vislumbrei, quando da dosimetria da pena.

Aliás, tem sido quase uma regra  erros na dosimetria da pena, razão pela qual, também como  regra, tenho sido compelido a votar pelo redimensionamento das penas, para expungir os equívocos.

A seguir, o acórdão.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 03 de maio de 2011.

Nº Único: 0000518-74.2010.8.10.0037

Apelação Criminal nº 001491/2011 – Grajaú

1º Apelante : Mauro Luiz Eugênio
2º Apelante

Advogado(a)

:

:

Cláudio Ramos da Silva

Suely Lopes Silva

Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, § 2º, I e II, do CP
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº 101513/2011

Ementa. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 157, § 2º, I E II, DO CP. PLEITO ABSOLUTÓRIO DE UM DOS APELANTES REJEITADO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INEXISTÊNCIA. COAUTORIA DEMONSTRADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. EMPREGO DE ARMA EVIDENCIADO. DOSIMETRIA DA PENA. UTILIZAÇÃO DE AÇÕES PENAIS EM CURSO PARA AGRAVAR A PENA-BASE. INVIABILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 444, DO STJ. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Não merece prosperar o pleito absolutório se o conjunto probatório reunido nos autos demonstra, quantum satis, a autoria e materialidade do delito, donde assomam, ademais, a presença dos requisitos necessários para o reconhecimento do concurso de pessoas.

2. A causa de diminuição de pena referente à participação de menor importância, nos termos do artigo 29, § 1º, do CP, só pode ser aplicada aos casos de participação, vedada sua incidência nas hipóteses de coautoria.

3. Inviável a desclassificação para o delito de constrangimento ilegal se comprovada a presença de todos os elementos que compõem o tipo penal do crime de roubo.

4. Tratando-se de delito complexo, é inaplicável ao crime de roubo o princípio da insignificância, consoante entendimento jurisprudencial já consolidado.

5. Não obstante o uso de arma de brinquedo, comprovado, também, o emprego de arma de fogo, subsiste a causa de aumento de pena.

6. Nos termos da Súmula nº 444, do STJ, “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base”.

7. A avaliação negativa das circunstâncias judiciais demanda fundamentação concreta por parte do julgador, não podendo ser sopesadas em desfavor do acusado com o emprego de referências vagas.

8. Apelo parcialmente provido para reduzir as sanções impostas na sentença, bem como alterar o regime inicialmente fixado para o cumprimento da pena.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, adequado em banca, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araújo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida.

Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís, 03 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Apelação Criminal nº 001491/2011 – Grajaú

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Tratam-se de recursos de apelação interpostos em favor de Mauro Luiz Eugênio e Cláudio Ramos da Silva, contra a sentença, de fls. 147/154, que os condenou, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal, respectivamente, à pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, e 6 (seis) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, ambos em regime inicial fechado.

De acordo com a inicial acusatória, no dia 2 de julho de 2010, os apelantes, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de arma de fogo, subtraíram a quantia de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) de um posto de gasolina, localizado no município de Grajaú.

Auto de apresentação e apreensão, às fls. 31.

Termo de entrega, às fls. 32.

Exame de eficiência em arma de fogo, às fls. 48 e 49.

Recebimento da denúncia, às fls. 56.

Defesas preliminares juntadas, às fls. 59 e 66.

Na audiência de instrução foram colhidos os depoimentos das testemunhas Jean Levi Mota Cavalcante (fls. 95/96), José Elson de Souza Milhomem Júnior (fls. 97/98) e Floriano Lima de Jesus (fls. 99) e, ao final, os apelantes foram qualificados e interrogados (fls. 102/105).

Em sede de alegações finais, o representante ministerial requereu a condenação dos recorrentes nas penas do artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal (fls. 110/120).

A defesa do apelante Cláudio Ramos da Silva, na mesma oportunidade, requereu sua absolvição ou a aplicação da pena no mínimo legal (fls. 134/137).

O recorrente Mauro Luiz Eugênio, por sua vez, postulou a absolvição com fundamento no artigo 386, IV, do CPP, ou a desclassificação para o delito previsto no artigo 348, caput, do Código Penal (fls. 139/142).

O juiz de base, ao proferir a sentença, julgou procedente o pedido constante na denúncia, condenando os apelantes Mauro Luiz Eugênio e Cláudio Ramos da Silva pela prática do crime tipificado no artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal, respectivamente, à pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, e 6 (seis) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, em regime inicial fechado (fls. 147/154).

Inconformada, a defesa interpôs os recursos em apreço, às fls. 161 e 163, e, em suas razões, juntadas às fls. 169/182 e fls. 184/191, requer, para o apelante Mauro Luiz Eugênio, a absolvição com fulcro no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal, e, para ambos os recorrentes:

I – o reconhecimento da participação de menor importância, aplicando-se a sanção penal nos moldes do preceituado no artigo 29, § 1º, do Código Penal;

II – a desclassificação do crime imputado para aquele previsto no artigo 146, do Código Penal, “diante da atipicidade material do fato praticado e em virtude do princípio da insignificância” (sic);

III – seja decotada a majorante relativa ao emprego de arma de fogo; e

IV – a minoração da pena, haja vista o excesso na reprimenda aplicada, alterando-se o regime fixado para o início de cumprimento, para o semiaberto.

Ao ofertar suas contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo improvimento dos apelos, mantendo-se a sentença condenatória em todos os seus termos (fls. 194/198).

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento dos recursos, por “entender presentes a prova da materialidade e indícios suficientes de autoria” (sic) (fls. 229/238).

É o relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação criminal.

Conforme relatado, Mauro Luiz Eugênio e Cláudio Ramos da Silva foram condenados, em primeira instância, pela prática do crime tipificado no artigo 157, § 2º, I e II, do Código Penal, respectivamente, à pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, e 6 (seis) anos de reclusão, e 13 (treze) dias-multa, em regime inicial fechado (fls. 147/154).

Contra a decisão proferida pelo juízo de base, Mauro Luiz Eugênio e Cláudio Ramos da Silva interpuseram os recursos em análise, e, em suas razões, pleiteiam:

I – o reconhecimento da participação de menor importância, com aplicação da reprimenda penal nos termos do artigo 29, § 1º, do Código Penal;

II – a desclassificação do crime que lhes fora atribuído na sentença para o delito de constrangimento ilegal, sob a alegação de atipicidade material do fato praticado, além da incidência do princípio da insignificância (sic);

III – seja afastada a causa de aumento de pena relativa ao emprego de arma de fogo; e

IV – a diminuição da pena, tendo em vista o excesso na sanção corporal aplicada, com a consequente alteração no seu regime inicial de cumprimento.

Quanto ao apelante Mauro Luiz Eugênio, a defesa requer, ainda, sua absolvição, sustentando que não restou comprovada a sua participação no evento criminoso, ou, persistindo a condenação, a fixação do regime inicial semiaberto.

Passo, a seguir, a analisar as argumentações trazidas pela defesa em ambos os recursos.

  1. Autoria e materialidade.

Observo, inicialmente, que a materialidade do crime encontra-se demonstrada nos autos, mormente pelo auto de apresentação e apreensão de fls. 31, pelo termo de entrega de fls. 32, além do auto de exame de eficiência em arma de fogo de fls. 48/49.

A autoria do apelante Cláudio Ramos da Silva não foi questionada em sede recursal. Já a defesa do recorrente Mauro Luiz Eugênio sustenta que sua participação no delito não restou comprovada nos autos, aduzindo, ainda, que o apelante “não realizou os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal que lhe é imputado” (sic), bem como não auxiliou na sua prática, sendo que esta deve ser atribuída exclusivamente aos demais denunciados.

A análise detida dos autos, entretanto, permite concluir que a participação do apelante Mauro Luiz Eugênio encontra-se bem delineada no curso do processo, conforme demonstrarei a seguir.

A exordial acusatória descreve a atuação do recorrente como a pessoa que recebeu dos outros acusados a tarefa de dirigir o veículo utilizado para chegar até o local do crime e, depois de efetuado o roubo, empreender fuga (fls. 03).

Nota-se que a conduta praticada pelo recorrente foi relevante para a execução do crime, visto que foi a pessoa quem deu suporte aos demais autores, tanto para chegar até o local escolhido como alvo para o assalto, quanto para que, de lá, conseguissem escapar.

Ainda na fase inquisitorial, ao ser interrogado perante a autoridade policial (fls. 10), Mauro Luiz Eugênio demonstra que tinha conhecimento da intenção manifestada por Elosmar Alves Campos – terceiro denunciado – acerca da prática do crime, afirmando

[…] que o também conduzido ELOSMAR começou a comentar já na viagem que estava sem dinheiro e de que precisava fazer “algo”; que nas proximidades do posto ALTAMIRA ao se aproximarem ELOSMAR escolheu aquele local como “alvo” para o delito praticado, sendo que o interrogado estava pilotando o veículo tendo estacionado o mesmo ao lado dos frentistas momento em que ELOSMAR deu voz de assalto […]

Percebe-se, desde já, a existência de um vínculo psicológico que uniu os acusados com o objetivo de praticar o delito pelo qual foram condenados, fato este corroborado através da prova oral colhida na fase de instrução, mormente pelo depoimento de fls. 95, no qual o policial que efetuou a prisão em flagrante dos recorrentes afirma que  “todos foram conduzidos até o posto de gasolina onde ocorrera o crime e reconhecidos pelos frentistas que lá trabalhavam” (fls. 95/99).

Destaca-se, ainda, o depoimento prestado pela testemunha José Elson de Souza Milhomem Júnior, a qual confirma que, após realizada a prisão dos apelantes, reconheceu todos como autores do roubo perpetrado contra o posto, enfatizando que “Mauro Luiz era o motorista do carro” (fls. 97).

Ao ser interrogado, desta vez perante a autoridade judicial, Mauro Luiz Eugênio não confessa sua participação no delito em questão, porém, declara que “quando prestou o seu depoimento à autoridade policial não chegou a ser coagido, pois apenas contou a verdade” (fls. 103).

É evidente, pois, que houve concurso entre os apelantes, posto que presentes os requisitos para a sua configuração, consubstanciados na pluralidade de agentes, relevância causal da conduta, liame subjetivo e identidade de infração penal, conforme acima demonstrados.

Assim, deve ser rejeitada a tese de negativa de participação do apelante Mauro Luiz Eugênio no crime em tela, visto que não encontra amparo no conjunto probatório constante nos autos.

  1. Participação de menor importância.

A defesa de ambos os recorrentes, quando da formulação dos respectivos pedidos, requer o reconhecimento da participação de menor importância, porém, apenas fundamenta o pleito em relação ao apelante Mauro Luiz Eugênio.

Como argumento para sustentar o pleito em questão, alega o apelante Mauro Luiz Eugênio que apenas acompanhou os condenados Elosmar e Cláudio, sem esboçar qualquer ameaça contra a vítima, além do que não praticou o núcleo do tipo penal referente ao delito em apreço, permanecendo estático durante toda a ação delituosa.

A participação de menor importância é reconhecida em nossa legislação penal como causa geral de diminuição de pena, prevista no § 1º, do artigo 29[1]. Sua aplicação, contudo, não incide nos casos de coautoria, haja vista que

[…] segundo posição adotada pelo domínio do fato, observando-se o critério de distribuição de tarefas, coautor é aquele que tem o domínio funcional do fato que lhe fora atribuído pelo grupo, sendo sua atuação, assim, relevante para o sucesso da empreitada criminosa. Dessa forma, toda atuação daquele que é considerado coautor é importante para a prática da infração penal, não se podendo, portanto, falar em participação de menor importância.[2]

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “é aplicável a teoria do domínio do fato para a delimitação entre coautoria e participação, sendo coautor aquele que presta contribuição independente, essencial à prática do delito, não obrigatoriamente em sua execução[3].

Consoante demonstrado quando do exame do pleito absolutório formulado pelo recorrente Mauro Luiz Eugênio, sua atuação não se deu a título de participação, mas, sim, como coautor do delito em tela, posto que a ele fora confiada a tarefa de conduzir o veículo que deu suporte à execução do crime, atividade na qual detinha pleno domínio funcional e que se mostrou relevante para o cometimento da infração.

Importante registrar que, “para o reconhecimento da coautoria, não é imprescindível que todos os agentes pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo, se houve aderência de um à conduta dos demais, exercendo papel determinado e relevante para a consumação do delito[4], como na hipótese.

Dessa forma, não merece prosperar o pleito de reconhecimento da participação de menor importância, com incidência da respectiva causa de diminuição de pena, se comprovada a existência de coautoria.

3. Desclassificação do delito.

Postulam, ainda, os apelantes, a desclassificação do crime pelo qual foram condenados para o delito previsto no artigo 146, do CP, considerando-se a “atipicidade material e o princípio da insignificância”, sob alegação de que não houve danos ao patrimônio da vítima diante da restituição da quantia subtraída.

Mais uma vez, devo dizer que não assiste razão aos recorrentes.

O efetivo prejuízo material para a vítima não é essencial para a caracterização do crime de roubo, visto que, tratando-se de crime complexo, a lei penal tutela tanto o patrimônio da vítima como sua integridade física e liberdade individual.

Na hipótese dos autos, restou comprovada a autoria e materialidade do crime de roubo, exercido com o emprego de arma, contra um posto de gasolina, no qual se encontrava em serviço o frentista, e do qual fora subtraída, segundo as vítimas, a importância de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) (fls. 97 e 99).

O fato de haver apreensão e consequente restituição apenas da quantia de R$ 412,95 (quatrocentos e doze reais e noventa e cinco centavos) não enseja a pretendida desclassificação, se a conduta dos apelantes subsume ao tipo penal característico do crime roubo.

Desse modo, mesmo que houvesse prova da inexistência de dano patrimonial à vítima, diante da possibilidade de restituição total do bem subtraído, tal fato poderia ser considerado apenas quando da análise das circunstâncias judiciais, na respectiva fase de aplicação da pena, descabendo, portanto, falar-se em desclassificação para o delito de constrangimento ilegal.

Impossível, também, falar-se em princípio da insignificância quando se cuida de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos.

Enfrentando questões desse jaez, os Tribunais têm, reiteradamente, afastado a incidência desse princípio no crime de roubo, diante do interesse estatal em sua repressão, conforme se vê das ementas abaixo transcritas:

Habeas corpus. Penal. Crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal). Inaplicabilidade. Precedentes.

1. O crime de roubo se caracteriza pela apropriação do patrimônio de outrem mediante violência ou grave ameaça à sua integridade física ou psicológica. No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, mormente se se considera que o ato foi praticado pelo paciente mediante grave ameaça e com o concurso de dois adolescentes, fato esse que não pode ser taxado como um comportamento de reduzido grau de reprovabilidade.

2. A jurisprudência consolidada nesta Suprema Corte é firme no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo.

3. Habeas corpus denegado.[5]

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DELITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE BENS JURÍDICOS OFENDIDOS. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE CONSTRANGIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Conforme orientação desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, é inaplicável, ao crime de roubo, o princípio da insignificância – causa excludente da tipicidade penal –, pois, tratando-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão.

2. (omissis)

3. Ordem denegada.[6]

No caso concreto, não há como se aplicar o princípio da insignificância, como pretendem os recorrentes, se, conforme restou demonstrado nos autos, além do patrimônio, restou lesionada a integridade física da vítima, bem jurídico que não pode ser afastado da tutela do Estado.

  1. Emprego de arma.

A causa de aumento referente ao emprego de arma é questionada pelos apelantes sob o argumento de que a condenação imposta na sentença incluiu o delito tipificado no artigo 14, da Lei 10.826/2003, sem considerar o princípio da consunção.

No entanto, equivocou-se a defesa quanto a presente alegação, haja vista que a sentença não faz qualquer referência ao delito de porte ilegal de arma de fogo, condenando os apelantes, tão somente, pelo crime de roubo, conforme se constata às fls. 147/154 dos autos, motivo pelo qual este argumento não merece ser enfrentado.

Não obstante, o apelante Cláudio Ramos da Silva requer o afastamento da referida causa de aumento de pena aduzindo que o porte de arma de brinquedo configura apenas a grave ameaça, prevista na modalidade simples do delito de roubo.

É cediço que, com o cancelamento do verbete sumular de nº 174, do STJ [7], prevalece o entendimento no sentido de que, no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo não autoriza o aumento de pena.

No entanto, no caso em apreço, além da arma de brinquedo, os apelantes, – que, reafirma-se, agiram em coautoria – utilizaram-se de um autêntico revólver calibre 38, fato que restou comprovado nos autos através das declarações prestadas pela vítima, José Élson de Souza Milhomem Júnior (fls. 97):

[…] que quando se aproximou do veículo, a pessoa que estava no interior do carro, no banco do carona, anunciou o assalto, dizendo que era para ficar parado, pois aquilo se tratava de um assalto; que dentro do veículo, o indivíduo apontou a arma de fogo, calibre 38, para a testemunha; que imediatamente um dos denunciados, que se encontrava no banco de trás do carro, saiu de dentro deste e ficou levantando a camisa e mostrando o cabo da pistola, a qual só veio saber que era de brinquedo depois, na Delegacia de Polícia […]

Do mesmo modo, o policial que efetuou a prisão em flagrante dos recorrentes, em seu depoimento (fls. 95), afirma:

[…] que os policiais revistaram o carro dos acusados e localizaram, no interior do Air-bag, duas armas de fogo, sendo um pistola de brinquedo e um revólver calibre 38, não sabendo o depoente precisar com quantos projéteis; que os frentistas falaram aos policiais que dois indivíduos haviam descido do veículo Ford Fiesta, sendo que um estava usando o revólver calibre 38 e o outro a pistola de brinquedo, ao passo em que o terceiro elemento do grupo tinha ficado ao volante, no interior do veículo. (Sic)

A arma utilizada para a prática do delito, convém registrar, foi submetida a exame de eficiência (fls. 48/49), o qual comprovou sua potencialidade para a efetuação de disparos.

Assim, restando devidamente demonstrado o efetivo uso da arma de fogo quando da ação delituosa, deve ser mantida a causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal.

  1. Dosimetria da pena.

Por fim, sustentam os recorrentes que houve erro no tocante à fixação da pena-base e de seu acréscimo, devendo ser reformada a sentença para reduzir a sanção corporal imposta, bem como alterar seu regime inicial de cumprimento.

Nesse ponto entendo que assiste razão, em parte, aos apelantes, merecendo reforma as respectivas penas conforme passarei a demonstrar.

5.1            Mauro Luiz Eugênio.

Em relação ao apelante Mauro Luiz Eugênio, o magistrado a quo, na primeira fase de aplicação da pena, considerou desfavoráveis os antecedentes criminais, as circunstâncias e consequências do delito, pronunciando-se da seguinte forma (153):

[…] A sua culpabilidade mostrou-se evidenciada, embora tenha agido com menor participação na trama criminosa, tendo ficado ‘escondido’ com a cabeça próxima ao volante do automóvel; embora tecnicamente primário, não tem bons antecedentes criminais, uma vez que já foi processado por suposto homicídio, no Estado de São Paulo, cujo Júri está previsto para ocorrer no dia 01º.12.2010 (fls. 92); conduta social presumivelmente boa, típica de sua idade, meio social e profissão; personalidade normal; motivos inerentes à espécie delitiva; as circunstâncias e conseqüências do delito são de grande censura; o comportamento da vítima não contribuiu para o crime.[…] (Sic)

(destaques não constam do original)

Vê-se que os antecedentes do apelante foram avaliados de forma negativa com base, exclusivamente, em outro processo criminal em andamento, o que vai de encontro ao enunciado da Súmula 444, do STJ, segundo o qual “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base”.

No que se refere às circunstâncias e consequências do delito, nota-se que também foram consideradas desfavoráveis sem qualquer motivação idônea, sendo taxadas, apenas, “de grande censura”.

Assim, procedendo-se à nova dosimetria da pena do apelante, desta vez afastando a avaliação negativa das circunstâncias supracitadas, tem-se que a sua reprimenda-base restou fixada no mínimo legal, qual seja, em 4 (quatro) anos de reclusão, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Na segunda etapa da dosimetria, ausentes quaisquer atenuantes ou agravantes.

Finalmente, aumenta-se a sanção em 1/3 (um terço), em razão da presença das causas de aumento de pena referentes ao emprego de arma e ao concurso de agentes ficando a reprimenda do recorrente definitiva em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa.

5.2 Cláudio Ramos da Silva.

No que se refere ao recorrente Cláudio Ramos da Silva, o juiz sentenciante, na primeira fase de aplicação da pena, considerou desfavoráveis os antecedentes criminais, as circunstâncias e consequências do delito, pronunciando-se do seguinte modo (152):

[…] Culpabilidade também elevada, uma vez que era o segundo homem na hierarquia, tendo ficado com a responsabilidade de recolher o dinheiro subtraído, com utilização de uma pistola de brinquedo; não possui bons  antecedentes criminais, já tendo sido, inclusive, preso, processado e condenado no Estado de São Paulo (fl. 24) ; conduta social boa, à míngua de prova em sentido contrário; personalidade normal; motivos inerentes à espécie delitiva; as circunstâncias e conseqüências do delito são de grave censura; o comportamento da vítima não contribuiu para o crime.[…]

(destaques não constam do original)

Não há nos autos qualquer documento que comprove a existência de sentença penal condenatória com trânsito em julgado contra o apelante, sendo que a sentença baseou-se na cópia de um alvará de soltura, onde consta que o recorrente foi condenado com o direito de recorrer em liberdade (fls. 24), para avaliar negativamente tal circunstância.

No tocante às circunstâncias e consequências do delito, da mesma forma, o juízo a quo as considerou desfavoráveis, adjetivando-as “de grave censura” sem qualquer motivação concreta.

Assim, procedendo-se à nova dosimetria da pena do apelante, desta vez afastando a avaliação negativa das circunstâncias supracitadas, mantendo-a, entretanto, em relação à culpabilidade, tem-se que a sua reprimenda-base restou fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.

Por fim, aumenta-se a sanção em 1/3 (um terço), em razão da presença das causas de aumento de pena referentes ao emprego de arma e ao concurso de agentes ficando a reprimenda do recorrente definitiva em 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa.

Quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, a sentença fixou, para ambos os apelantes, o regime fechado, sem que, para tanto, esboçasse qualquer motivação.

No entanto, à vista das alterações realizadas nas penas dos recorrentes estabeleço o regime semiaberto para início de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, § 2º, b, do Código Penal.

Por todo o exposto, acolhendo, em parte, o parecer ministerial, dou parcial provimento ao apelo, determinando as alterações supracitadas quanto às penas dos apelantes.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 03 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Art. 29. […]

§ 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

[2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. – 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

[3] REsp 1068452/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 29/06/2009.

[4] TJDFT, 20080910139757APR, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, julgado em 15/07/2010, DJ 13/08/2010.

[5] STF, HC 97190, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/08/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-02 PP-00323.

[6] STJ, HC 142.661/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010.

[7]No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena”.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Direito concreto”

  1. SALVE PIRAPEMAS!
    Comento como leigo no assunto, mas como é possível que um processo chegue à última Corte (STF)sem que não tenha sido julgado por nenhum juíz de instâncias inferiores. Pois é, isso acontece com o Processo que afastou o Prefeito Municipal de Pirapemas, Elizeu Barroso de Carvalho Moura que foi afastado através de uma CPI movida pela Câmara Municipal. Os despachos até agora beiram ao inimaginável; alegaram até falta de recolhimento de custas, meu Deus! se a maioria dos desembargadores tivessem a sua postura como magistrado, talves as coisas corressem de acordo com o que as leis determinam. Acompanho a sua trajetória desde pequeneninho. Vá em frente, pois assim pode ser que alguém queira se mirar em você. Continui dando exemplo de moralidade para esse Tribunal porque ele, realmente, está precisando.

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