Direito concreto

No acórdão que publico a seguir, afasto, dentre outros argumentos, o que aponta para o constrangimento ilegal, em face da homologação do flagrante não estar devidamente fundamentada.

No corpo do acórdão, a propósito da quaestio, anoto que, com a vigência da da Lei 12.403/2011, no próximo mês de julho,  o juiz, ao receber o auto de prisão em fragrante, deverá relaxar a prisão do paciente ou converter a prisão em flagrante em preventiva,  quando presentes os requisitos constantes do artigo 312, do CPP.

O que isso que dizer é que, na prática, a partir da vigência da lei em comento, deixará de existir no ordenamento jurídico a prisão cautelar em face da homologação do flagrante.

Nos dias presentes, no entanto, ainda tenho entendido que o despacho homologatório do flagrante deve se ater ao exame das formalidades do mesmo.

Não deslembro que há decisões, sim, que entendem que, mesmo com a legislação atual, a decisão homologatória do flagrante deve ser fundamentada.

De qualquer sorte, a partir de julho, quando entrará em vigor a Lei 12.403/2011, as decisões desse matiz terão que ser fundamentadas, pondo fim à controvérsia.

A seguir, o voto em comento.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 17 de maio de 2011.

Nº Único: 0001942-34.2011.8.10.0000

Habeas Corpus Nº 009257/2011– Chapadinha

Paciente                  : J. V. de L.

Impetrantes           : T. G. L.

Impetrado              : Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Chapadinha

Relator                   : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº 102240/2011

Ementa. HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRISÃO EM FLAGRANTE. HOMOLOGAÇÃO. CONSTATAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS DO RESPECTIVO AUTO. ILEGALIDADE INOCORRENTE. RÉU PRESO. PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. INOBSERVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Embora considerado impróprio, o prazo de cinco dias para oferecimento da denúncia, estando o réu preso (art. 46, do CPP), admite-se, excepcionalmente, a dilação deste lapso, em alguns poucos dias, desde que devidamente justificado, sendo inaceitável o atraso que represente um evidente excesso, notadamente quando nada há nos autos que o justifique.

2. Precedentes do STJ.

3. Ordem concedida.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conceder a ordem impetrada, ordenando a expedição de Alvará de Soltura em favor do paciente, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís(MA), 17 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR Antonio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus, impetrado por T. G. L., em favor de J. V. de L., contra ato do M.M. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Chapadinha/MA.

Colho da exordial o seguinte relato:

I – que o paciente e outros três corréus foram presos em flagrante delito, desde 09/03/2011, pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 33, da Lei n. 11.343/2006, e encontra-se preso desde então, sem que o Ministério Publico tenha oferecido a denúncia;

II – que a decisão homologatória do flagrante, em seu entender, é ilegal, reputando-a insuficientemente motivada;

III – que o juízo apontado coator deferiu pedido de liberdade provisória em favor dos outros corréus, não o fazendo em relação ao paciente; e

IV – que o paciente ostenta condições subjetivas favoráveis à concessão da ordem (primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita).

Com fulcro nesses argumentos, requereu a concessão da ordem, para que o paciente responda ao processo em liberdade.

Instruiu a inicial com os documentos de fls. 06/43, notadamente, a decisão ora fustigada (fls. 26/27).

Como não houve pleito liminar formulado, determinei, às fls. 48, o encaminhamento dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, bem como solicitei as informações de praxe, devidamente prestadas às fls. 49/50.

O Procurador de Justiça Suvamy Vivekananda Meireles, em parecer lançado às fls. 54/61, opinou pela concessão da ordem, considerando, unicamente, o excesso de prazo para o oferecimento da denúncia com o paciente preso.

É o relatório. Decido.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus, impetrado por T.G. L., em favor de J. V. de L., contra ato do M.M. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Chapadinha/MA.

Preliminarmente, conheço da presente impetração, uma vez que atendidos os pressupostos legais.

Pelo que se deflui da exordial, o cerne da impetração concentra-se em dois argumentos essenciais:

I – insuficiência de fundamentação da decisão homologatória do flagrante; e

II – excesso de prazo para o oferecimento da denúncia, estando o paciente preso;

De plano, devo dizer que o primeiro argumento é absolutamente insubsistente, pois a decisão homologatória do flagrante, acostada às fls. 26/27, está, em minha compreensão, até então, suficientemente fundamentada, por ter analisado, o quanto baste, a regularidade formal do respectivo auto.

Apenas à guisa de argumentação, a latteri, hei por bem explicar o uso da expressão “até então”, quando referenciei a legalidade do decisum ora sob ataque.

Este tipo de decisão, ainda válida, não mais o será daqui a alguns meses, quando começará a viger as recentíssimas alterações do CPP, operadas pela Lei n. 12.403/2011, pois, de acordo com a nova redação do art. 310, verbis:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Com efeito, a partir de julho deste ano, a decisão de mera constatação de regularidade formal do auto de prisão em flagrante não mais será suficiente, devendo o magistrado, caso pretenda manter a prisão, fundamentá-la com base em razões de ordem cautelar (art. 312, do CPP), do contrário, deverá conceder a liberdade provisória, ou relaxar a prisão, caso observe alguma ilegalidade.

Na prática, ouso afirmar que deixará de existir no ordenamento jurídico pátrio a prisão cautelar cunhada de “homologatória do flagrante”, pois, o magistrado, ao analisar o respectivo auto de prisão em flagrante deverá, incontinenti, convertê-la em preventiva, caso entenda necessário, e tenha razões bastantes para tal desiderato extremo.

A modificação legislativa vem em boa hora, é bom que se diga, atender aos reclamos da comunidade jurídica, notadamente dos advogados, quanto à estrita observância da prisão cautelar como ultima ratio do processo penal, tendo em vista a comum (e lamentável) prática de alguns julgadores, em exarar decisões deste jaez absolutamente destituídas de fundamentação fática e jurídica.

Gizadas tais considerações, vejamos a segunda linha argumentativa da impetração, a qual, desde já adianto, me pareceu convincente para o fim de conceder a ordem, conforme pontuarei adiante.

Conforme se depreende do auto de prisão em flagrante acostado às fls. 06/12, o paciente foi preso em flagrante delito em 09 de março de 2011, e a própria autoridade judiciária apontada coatora, em suas informações às fls. 49/50, esclarece que “[…] de fato, a Prisão em Flagrante do ora paciente, ocorreu há mais de 30 dias, no entanto, em nenhum momento chegou a este juízo pedido de liberdade provisória para o mesmo […]”.

Portanto, na esteira das ponderações da douta Procuradoria Geral de Justiça, é incontroverso o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, diante da inobservância do prazo estatuído no art. 46, do CPP[1], para o oferecimento da denúncia, estando o réu preso.

Nada obstante, algumas considerações sobre o thema decidendum me parecem relevantes.

Primeiro, há de se destacar que, ao contrário do que alega o impetrante, o prazo estatuído no art. 46, do CPP, é impróprio, o que significa dizer que, excepcionalmente, admite-se que sofra sensível dilação, desde que devidamente justificada.

Com efeito, a jurisprudência do STJ já assentou:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RESISTÊNCIA. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA EM RAZÃO DA PERICULOSIDADE DO RECORRENTE. MODUS OPERANDI (ASSALTO A SUPERMERCADO COM PERSEGUIÇÃO E TROCA DE TIROS COM POLICIAIS). EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. MERA IRREGULARIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Impõe-se o prazo de cinco dias para oferecimento da denúncia, nas hipóteses de réu preso, a fim de evitar a restrição prolongada à liberdade sem acusação formada, contudo, tal lapso configura prazo impróprio. Assim, eventual atraso de 3 dias para o oferecimento da denúncia não gera a ilegalidade da prisão cautelar do recorrente.

2. Ademais, a verificação do alegado excesso de prazo deve ser feita de forma global, ou seja, como um todo diante do prazo previsto para a conclusão da instrução criminal e não em relação a cada ato procedimental. Outrossim, oferecida a denúncia, fica superado o suposto constrangimento ilegal por excesso de prazo para o seu oferecimento. Precedentes.

3. A prisão cautelar deve ser mantida para resguardar a ordem pública, tendo em vista a periculosidade do recorrente, demonstrada pelo modus operandi da conduta (roubo a supermercado com perseguição e troca de tiros com os Policiais).

4. Recurso desprovido, em conformidade com o parecer ministerial.[2]

(sem destaques no original)

Muito embora se trate de um prazo impróprio, o qual se admite excepcional dilação, na hipótese vertente não vislumbro quaisquer razões para tanto, pois o paciente permaneceu preso por mais de 30 (trinta) dias, sem oferecimento da denúncia, algo que, evidentemente, afigura-se um excesso injustificável. Não se trata de um atraso de dois ou três dias, e sim, de mais de 20 (vinte) dias, avultando, insofismavelmente, o constrangimento ilegal na espécie.

Com as considerações, conheço do presente habeas corpus para, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conceder a ordem, relaxando a prisão em flagrante do paciente.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luís, 17 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Art. 46.  O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

[2] RHC 28.614/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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