Direito concreto. Embargos de Declaração

No voto que publico a seguir tratei de matéria não usual.

Explico. Os acusados (quatro)  foram condenados por crime de formação de quadrilha, em primeira instância.

Ocorreu, no entanto, que o feito, em relação a um deles,  na instância recursal, foi anulado, em face da flagrante agressão ao direito de defesa.

Anulada a decisão em relação a um dos autores do crime de formação de quadrilha, a questão que se coloca é a seguinte:

Como o crime de formação de quadrilha exige a participação de, no mínimo, quatro pessoas, ex vi legis, como  manter a condenação dos demais acusados, em face desse crime,  se o processo foi anulado em relação a um deles, restando, assim, apenas três acusados?

Essa a quaestio que enfrentei nos embargos declaratórios que publico a seguir.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 27 de maio de 2011.

Nº Único: 0002282-80.2008.8.10.0000

Embargos de Declaração Nº 032842/2010 (APC- 002282/2008-Codó)

Embargante : J. A. da S. F.
Advogado : F. N. de B. F.
Embargado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, § 2º, IV e V e art. 288, todos do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº 102436/2011

Ementa. PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PLEITO DE ESCLARECIMENTO. CRIME DE QUADRILHA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EM RELAÇÃO A UM DOS INTEGRANTES. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO DELITO. MERA POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS SEM EFEITO MODIFICATIVO.

1. A anulação da sentença em relação a um dos integrantes da quadrilha, composta por quatro pessoas, não repercute a ponto de descaracterizar o delito.

2. Não tendo o acórdão objurgado absolvido o apelante, subsiste o crime previsto no art. 288, do CP em relação aos demais membros da associação.

4. Embargos declaratórios acolhidos, sem efeito infringente, para suprir a omissão apontada.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araújo (Presidente), José Luiz Oliveira de Almeida e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Maria dos Remédios Figueiredo Serra.

São Luís(MA), 27 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Embargos de Declaração Nº 032842/2010 – Codó

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de embargos de declaração interpostos por J. A. da S. F., por meio de seu advogado, no qual requer seja aclarado o acórdão nº 95567/2010, no que se refere a sua participação no delito de quadrilha, tendo em vista o número mínimo de participantes exigido pelo tipo penal e o reconhecimento de nulidade processual em relação ao embargante.

De acordo com o recorrente, o juízo a quo, ao entender pela configuração do crime previsto no artigo 288, parágrafo único, do Código Penal, considerou a sua participação como quarto integrante da quadrilha, além dos réus M. A.B., M. A. V. e M. A. B..

Sustenta, ademais, que o acórdão objurgado, ao confirmar a condenação dos três apelantes no delito de quadrilha, também considerou a sua participação, embora, em relação ao embargante, tenha anulado o processo desde a audiência de instrução.

Com base em tais argumentos, requer seja esclarecido se integra ou não o número mínimo de participantes para fins de caracterização do delito previsto no art. 288, parágrafo único, do CP e como foi possível concluir pela existência do crime com o reconhecimento da nulidade da sentença em relação ao embargante.

Por vislumbrar, em tese, a possibilidade de conferir efeitos infringentes aos aclaratórios, determinei a intimação do Ministério Público que, em manifestação constante às fls. 1459/1461, pugnou pelo não acolhimento dos embargos.

É o que cumpria relatar.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes estão os pressupostos de admissibilidade do recurso, razão pela qual dele conheço.

Trata-se de recurso de embargos declaratórios interpostos contra o acórdão nº 95567/2010, que manteve a sentença condenatória em relação aos réus M. A. B., M. A. V. e M. A. B., anulando-a, entretanto, no que se refere ao embargante.

Pretende o embargante, conforme relatado, esclarecer como foi possível a decisão colegiada confirmar a existência do delito previsto no art. 288, parágrafo único, do CP, se, para sua configuração, é necessária a associação de mais de três pessoas e, com o reconhecimento da nulidade do processo em relação a um – no caso o próprio embargante – restariam apenas três réus condenados pelo crime em questão.

Eis a ementa do julgado:

Ementa. APELAÇÕES CRIMINAIS. ROUBO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRETENSÕES ABSOLUTÓRIAS INVIÁVEIS. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NA FASE INQUISITORIAL. INOCORRÊNCIA. HARMONIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO AMEALHADO EM SEDE JUDICIAL. PRESENÇA OS ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DEVIDAMENTE VALORADAS. APELOS IMPROVIDOS. NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA EX OFFICIO EM RELAÇÃO A UM DOS APELANTES, QUE TEVE O DIREITO À AMPLA DEFESA HOSTILIZADO.

1. A pretensão absolutória dos recorrentes esmaece diante da constatação de que dos autos assomam  provas inequívocas acerca da  autoria e da  materialidade, produzidas ao longo da persecução criminal.

2. Não há  que se dar azo à pretensão absolutória, ademais,  se as provas que serviram de base ao édito condenatório foram  colhidas  em sede judicial, oxigenadas pela ampla defesa e contraditório, colorários do devido processo legal.

3. As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal foram plenamente valoradas pelo juízo a quo, devendo, portanto, ser mantida a pena fixada na sentença.

4. Recursos conhecidos e improvidos.

5. Nulidade absoluta reconhecida, e declarada de ofício, em relação a um dos apelantes, cuja defesa restou prejudicada pela ausência de intimação para audiência na qual foram produzidas provas relevantes para o desfecho condenatório.

O delito de quadrilha ou bando, tipificado no art. 288, do Código Penal, de fato, exige a participação de mais de três pessoas para a sua configuração.

No entanto, o fato de ser a sentença anulada em relação a um dos integrantes, no meu entendimento, não repercute a ponto de descaracterizar o crime. Explico.

O julgamento proferido por esta Colenda Câmara, ao manter a condenação dos apelantes pelo crime de quadrilha, concluiu pela presença dos elementos exigidos pelo tipo, quais sejam a reunião de, no mínimo, quatro pessoas, com caráter estável e permanente, visando a prática de delitos.

Consoante afirmei, quando da prolação do voto condutor, não restaram dúvidas de que os apelantes formavam uma quadrilha, bem estruturada e organizada, que dividiam as tarefas entre o grupo, ficando uns encarregados do roubo e outros do armazenamento dos bens subtraídos.

É pacífico o entendimento segundo o qual o delito em tela não se descaracteriza pela presença de um inimputável no grupo de quatro participantes, pela não identificação de um ou alguns integrantes, ou aplicação de alguma causa de isenção de pena. Nesse sentido, o escólio de Luiz Régis Prado:

A conduta típica prevista no art. 288 do Código Penal consiste em associarem-se, unirem-se, agruparem-se, mais de três pessoas (mesmo que na associação existam inimputáveis, mesmo que nem todos os seus componentes sejam identificados ou ainda, que algum deles não seja punível em razão de alguma causa pessoal de isenção de pena), em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.[1]

Na mesma esteira, o ensinamento de Fernando Capez:

[…] a associação criminosa deve ser integrada por mais de três delinqüentes. Não importa nesse cômputo que um deles seja inimputável ou que não seja identificado. Também não importa que os integrantes não se conheçam pessoalmente ou que apenas alguns dos integrantes efetivamente concretizem os desígnios criminosos e outros não.[2]

Da mesma forma, a declaração de extinção da punibilidade pela prescrição também não é capaz de desconfigurar o crime de quadrilha, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, verbis:

No crime de quadrilha ou bando, que pressupõe a associação de mais de três pessoas, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva quanto a dois co-réus extingue apenas o direito de o Estado os punir, não descaracterizando, é induvidoso, o delito, nem afastando, em conseqüência, a imposição de pena aos demais acusados imputáveis, ainda que em número de dois.[3]

No caso em apreço, importante consignar que o acórdão embargado não absolveu o recorrente, caso em que a quadrilha poderia, sim, descaracterizar-se posto que, não comprovada a participação do embargante, restariam apenas três integrantes. Nessa senda, confira-se o seguinte julgado:

FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO – SUA CONFIGURAÇÃO – NÚMERO MÍNIMO DE PARTÍCIPES – NÃO SATISFAÇÃO DO REQUISITO – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO – O delito do art. 288 do Código Penal – formação de quadrilha ou bando – exige, para sua configuração, a participação de mais de três pessoas, todas imbuídas do propósito de perpetração de ilícitos penais. Logo, se um dos partícipes é absolvido por absoluta falta de provas de seu efetivo envolvimento no fato delituoso, fica, em conseqüência, descaracterizado o ilícito.[4]

Entretanto, o reconhecimento da nulidade do processo, desde a audiência de instrução, quanto ao embargante, implica, tão somente, no retorno dos autos ao juízo de origem e consequente renovação dos atos processuais tidos como inválidos.

A mera possibilidade de absolvição do recorrente, quando do novo julgamento, repito, não ocasiona a descaracterização do delito de quadrilha em relação aos demais acusados, cuja sentença condenatória fora confirmada em segunda instância.

Ante o exposto, acolho os presentes embargos declaratórios para, esclarecida a questão levantada pelo embargante, manter o acórdão de fls. 1433/1447 pelos seus próprios fundamentos.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 27 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal – Vol. 3, Ed. Revista dos Tribunais, 4 ed, 2006.

[2] Capez, Fernando. Direito penal simplificado: parte especial. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[3] HC 16.185/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 14/08/2001, DJ 29/10/2001, p. 271.

[4] TJMG. Apelação Criminal 1.0313.05.1752257. Relator: Des. HYPARCO IMMESI. Julgado em 19/10/2006. DJ 10/01/2007.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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