Inversão de valores

A crise moral se abateu sobre nós, à toda evidência;  como um tufão, provoca na sociedade devastações morais que nos entorpecem, enrijecendo o nossa capacidade de discernir o certo do errado, o bom do ruim, o bem do mal… Pelo menos essa é a impressão que fica, em face das notícias veiculadas na imprensa.

Ao que vejo – e ao que sinto – nunca os homens públicos – sobretudo os nossos representantes legais –  estiveram tão desgastados, tão desacreditados – alguns desmoralizados, até; o caradurismo, a desfaçatez e  o nenhum pudor  de proeminentes homens públicos é algo que precisa ser melhor estudado, porque impressiona.

Ao lado, pari passu, disputando o pódio nessa crise,  vejo,  levadas a reboque, por via de consequência,   as instituições.

Muitos cidadãos, diante desse quadro de incredulidade, de cinismo e descaramento,  indagam, estupefatos – quase com rebeldia; parecendo issurretos, às vezes -, para que servem o Congesso Nacional, as Assembléias Legislativas, as Câmaras de Vereadores, o Ministério Público, o Poder Judiciário, os Tribunais de Conta  e  as Polícias?

Diante desse quadro, salta aos olhos que os valores estão invertidos. Essa inversão de valores, sobreleva anotar, nos atinge  a todos, nos fulmina de forma inclemente –  faz a muitos parecer (?) otários, sobrevivendo num mundo de espertalhões.

Nessa linha de pensar importa dizer, sem perder o foco, que, ao que vislumbro do meu ponto de observação,  a absoluta maioria dos cidadãos,  infelizmente, como que entorpecida, se deixa quedar, num mutismo perigoso  – parecendo, às vezes, cúmplice -, limitando-se, nesse conexto, muitas vezes, a  apenas exteriorizar a sua indignação, com certa acomodação, sem convicção – contemplativamente, até –   nos rodas de bate-papo.

Diante dessa triste realidade, tem-se, até – lamentável dizer –, a sensação de que não tem mais jeito. Pensamos, aturdidos, que é assim mesmo que tem que ser. Imaginamos,  certamente  equivocados, que, entre nós, o que prepondera mesmo é a velha máxima segundo  a qual “quem pode mais chora menos”.

À luz desse quadro, diante dessa lastimosa inversão de valores,  tenho constatado, assaz contristado, que  arrogante, por exemplo,  não é o funcionário público  que, “esperto” e “inteligente”,  ganha sem trabalhar e não perde a oportunidade de tirar vantagem do cargo que exerce; arrogante – e, quiçá,  babaca – é quem  se dedica ao trabalho, quem não se deixa corromper,  num pais que parece valorizar a pachorra, a distribuição de  propinas, o jeitinho, o levar vantagem, o apotegma segundo o qual os fins justificam os meios.

Atrevido, ao que vislumbro,  nos dias presentes,  não é quem faz do exercício do poder um instrumento para obtenção de vantagens de ordem pessoal – e familiar -,  achando que tudo pode; atrevido é quem desfralda a bandeira da retidão e da honestidade, num país  onde, ao que parece,  prosperarem os mendazes, os salafrários.

Despótico, observo no dia a dia, não é quem usa de  expediente imoral para burlar a lei, agindo como quem está imune os  mecanismos de controle das instituições; despótico  é quem tem a coragem de condenar esse tipo de conduta, é quem prefere a lisura ao ganho fácil.

Insolente – ve-se a todo instante, em qualquer lugar, a qualquer hora –  não é quem usa o poder em benefício pessoal; insolente é quem, no exercício do poder público,  busca servir tão somente à comunidad,  e condena, no mesmo passo,  as práticas nocivas ao conjunto da sociedade.

Prepontente, salta aos olhos de quem quer ver,  não é quem enriquece no exercício do poder, supondo que nunca será alcançado pelos órgãos persecutórios; prepotente é quem, podendo, não faz uso dos mesmos expedientes, supondo que vai, com essa postura, reparar o que não tem conserto.

Tirano, é lamentável dizer,  não é que quem se esconde atrás da toga para fazer traquinagens; tirano é quem tem a coragem de assumir que o exercício da judicatura  não é para exercitar a bandalha, mas para cumprir e fazer cumprir a lei.

Ousado não é quem não tem compromisso com a hora; ousado é quem insiste em ser pontual, num país que se distingue pela falta de pontualidade.

Autoritário não é quem costuma dar murros na mesa para, na marra,  se fazer respeitar; autoritário  é quem pensa que se fará respeitar à luz do equilíbrio e da sensatez.

Digno reprovação não é o agente público que mente, que ludibria, que faz qualquer coisa que esteja a seu alcance para lograr uma vitória; quem merece reprimenda é quem pensa que, sendo verdadeiro e honesto, conseguirá, por exemplo, sobrepujar o adversário numa pugna eleitoral.

Censuráveis  não são os que, para se manterem no poder, mentem, escarnecem, vendem a alma e a dignidade, se preciso; merece censura  é quem pensa que  alcancaçará algum êxito vivendo honestamente, falando a verdade, honrando a palavra assumida.

Arrogantes, atrevidos, insolentes, prepotentes, despóticos  e autoritários  são, enfim, à luz dessas reflexões, os cidadãos brasileiros que insistem em fazer apologia da retidão e da honradez, condenando, no mesmo passo,  os espertalhões que não perdem a oportunidade de tirar um naco da coisa pública  para seu deleite pessoal.

Diante de tudo isso, calha indagar,outra vez: o Brasil tem jeito:

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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