HC. Decreto de Prisão desfundamentado

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 05 de julho de 2011.

Nº Único 0002815-34.2011.8.10.0000

Habeas Corpus Nº 013879/2011 – Morros

Paciente                             :   R. do N. C.

Impetrante                        :   I. P. C. L.

Autoridade Coatora        :   Juiz de Direito da Comarca de Morros

Incidência Penal              :   Art. 297, e art. 171, c/c art. 14, II, todos do CPB

Relator                              :   Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº 103641/2011

Ementa. HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E TENTATIVA DE ESTELIONATO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTATAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão preventiva é medida excepcional, razão pela qual a decisão que a decreta deve estar suficientemente fundamentada, amparada em elementos concretos que justifiquem a sua necessidade.

2. Se a constrição cautelar imposta ao paciente está respaldada em referências genéricas a qualquer das previsões do art. 312, do Código de Processo Penal, resta caracterizado o constrangimento ilegal.

3. Habeas Corpus concedido.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conceder a ordem impetrada, determinando a expedição de Alvará de Soltura em favor da paciente, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida, Raimundo Nonato Magalhães Melo (Presidente) e Raimundo Nonato de Souza. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.

São Luís(MA), 05 de julho de 2011.

DESEMBARGADOR Raimundo Nonato Magalhães Melo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

A seguir, o voto condutor


 

Habeas Corpus Nº 13879/2011– Morros

 

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de habeas corpus, impetrado pelo advogado R. do N. C., em favor de I. P. C. L., contra ato da MM. Juíza de Direito da Comarca de Morros.

 

Relata a prefacial que a paciente foi preventivamente presa, em 17/05/2011, por incidência comportamental nos arts. 297 e 171, c/c art. 14, II, todos do Código Penal.

 

Narra a exordial, ademais, que o decreto de prisão expedido em desfavor da paciente não está fundamentado em elementos concretos, sujeitando-a a evidente constrangimento ilegal.

 

Aduz, finalmente, que a paciente é primária, e possui residência fixa.

 

Instruiu a inicial com os documentos de fls. 13/54.

 

A liminar foi por mim indeferida, às fls. 58/60, oportunidade em que requisitei informações da autoridade indigitada coatora.

 

A autoridade judiciária manifestou-se, cujas informações foram juntadas às fls. 61/63.

 

Parecer da d. Procuradoria de Justiça, às fls. 66/71, pela concessão da ordem impetrada, por entender que a decisão que decretou a prisão da paciente não demonstrou motivos capazes de justificar a sucumbência do direito à liberdade.

 

É o sucinto relatório.


 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do writ sob retina.

 

Consta dos autos que R. do N. C., ora paciente, foi presa em flagrante, em 17/05/2011, pela prática dos crimes previstos nos arts. 297, e 171, c/c art. 14, II, todos do Código Penal, e que, em 21/05/2011, a autoridade indigitada coatora decretou a sua prisão preventiva.

 

Diante disso, insurge-se o impetrante contra a custódia cautelar imposta ao paciente, argumentando que a decisão que a decretou carece de fundamentação, ressaltando, ademais, que se trata de ré primária, com residência fixa na cidade de Morros.

 

Requer, por essa razão, seja concedida a ordem impetrada.

 

Analisando os presentes autos, compreendo que assiste razão ao impetrante. Vejamos.

 

A controvérsia do presente writ traduz-se na motivação deficiente da decisão que decretou a prisão cautelar da paciente, da qual, acostada às fls. 37/39, destaco o seguinte fragmento:

 

[…]

 

Na espécie, a presença das acusadas em liberdade, ensejaria graves reflexos na ação da Justiça que necessita estar presente através de medidas efetivas, visando coibir a repetição de atos fraudulentos, tão comuns nesta comarca e prevenindo consequências mais graves como medida para garantia da ordem pública.

 

Ademais, colocar em liberdade as acusadas poderá dificultar as investigações a respeito da existência de quadrilha especializada em fraudes contra idosos, tornando-se, por certo, medida inconveniente para a instrução criminal.

 

Senão vejamos, a transcrição do depoimento prestado por J. C. S. T.: “(…) Que antes estava acertado para as mulheres se encontrarem no retorno do Tirirical, mas R.modificou os planos mandando T. ir para sua casa; Que R. ainda tentou fugir correndo para a vizinhança e pulando o muro, mas foi imediatamente detida novamente”.

 

Vale ressaltar ainda, que as indiciadas, quando inquiridas em delegacia, preferiram fazer uso do direito constitucional de apenas se manifestar em juízo, demonstrando claramente desinteresse na apuração do fato.

 

Isto posto, levando em consideração ao que foi dito e o que mais os autos constam para garantia da ordem pública, aplicação da lei penal e porque não dizer por conveniência da instrução criminal decreto a prisão preventiva das acusadas acima, com base nos artigo do Código Penal Brasileiro.

 

[…]

 

(destaques não constam do original)

 

Como visto, a prisão preventiva da paciente foi decretada com fundamento na garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal, e, ainda, por conveniência da instrução criminal, pressupostos estes previstos no art. 312, do Código de Processo Penal.

 

Entretanto, para a restrição da liberdade, não basta a mera alusão à existência dos requisitos em tela, devendo a autoridade judiciária demonstrar, no caso concreto, as evidências de que a paciente, em liberdade, poderá, com muita probabilidade, malferir a ordem pública, impedir a aplicação da lei penal, ou obstruir o desenvolvimento do processo. Noutros termos,

 

A prisão preventiva, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em elementos concretos que justifiquem a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312, do Código de Processo Penal.[1]

 

Ao reverso, não havendo essa demonstração concreta, torna-se irrazoável restringir a liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, porquanto se cuida de medida de exceção ao princípio da presunção de inocência. Enfim,

 

Em matéria de prisão provisória, a garantia da fundamentação das decisões judiciais (inciso IX do art. 93 da Carta Magna) importa o dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.[2]

 

Assim, desde meu olhar, a motivação expendida do decreto de prisão em tela, genérica e evasiva, não se revela suficiente para justificar a custódia cautelar do paciente, especialmente considerando que se trata de ré primária e sem antecedentes criminais (fls. 51/52).

 

Noutro dizer, conquanto a autoridade impetrada tenha servido-se da tentativa frustrada de fuga da ré no momento da prisão, ou do seu direito constitucional ao silêncio da fase administrativa, desde meu olhar, não há substratos concretos que justifiquem a manutenção da prisão cautelar da paciente.

 

A afirmação genérica de que “a presença das acusadas em liberdade, ensejaria graves reflexos na ação da Justiça que necessita estar presente através de medidas efetivas, visando coibir a repetição de atos fraudulentos, tão comuns nesta comarca e prevenindo consequências mais graves como medida para garantia da ordem pública”, por si só, também não demonstra a sua necessidade.

 

Imperioso concluir, dessa forma, que, estando a paciente recolhida, sem fundamentação idônea, afigura-se situação de injusto constrangimento ao seu status libertatis.

 

Dessarte, resta evidente a ilegalidade a que está submetida a paciente, pois a motivação adotada na decisão em exame está em total desacordo com a melhor construção jurisprudencial.

 

Nesse sentido, o STJ:

 

Toda prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o artigo 312 do Código de Processo Penal.[3]

 

Não é demais ressaltar que, como bem observou a Procuradoria de Justiça em seu parecer, a conduta da paciente versa sobre delito afiançável, ou nos termos em que proferiu o órgão ministerial, in verbis (fls. 71):

 

[…]

 

Ademais, tratando-se de imputação afiançável, sem violência ou grave ameaça à pessoa, ou seja, não revestida de gravidade, configura-se, ainda mais, o constrangimento ilegal.

 

[…]

 

À luz do exposto, vejo que, no caso concreto, é de se reconhecer a coação ilegal imposta à paciente, pelas razões acima expendidas.

 

Com as considerações supra, de acordo com o parecer ministerial, sou pela concessão da ordem impetrada.

 

Expeça-se o competente Alvará de Soltura, colocando-se a paciente imediatamente em liberdade, se por outro motivo não estiver presa.

 

É como voto.

 

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 05 de julho de 2011.

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

 

RELATOR


 


[1] HC 99043, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-09-2010 EMENT VOL-02414-03 PP-00463.

 

[2]HC 102460, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 23/11/2010, DJe-028 DIVULG 10-02-2011 PUBLIC 11-02-2011 EMENT VOL-02462-01 PP-00070.

 

[3] HC 184.006/RS, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/03/2011

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.