A violência, o estado paralelo e a falta de credibilidade dos nossos homens públicos.

Enquanto fazem novas leis, sob o conforto dos seu gabinete, com a preconização de penas mais severas, apresentando-as à sociedade como um remédio de amplo espectro, esquecem os nossos políticos de investir, decisivamente, em segurança pública, em novas unidades penitenciárias, no cidadão, no jovem, na criança, na educação, nos órgãos de segurança, no recrutamento e na capacitação dos agentes públicos.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Antecipo  um  excerto relevante.

  1. Omissos os nossos homens públicos, nessas e noutras questões, – tratando, por exemplo, os encarcerados como se fossem um excremento, humilhando-os, mantendo-os nas condições mais adversas e inumanas, fomentando e estimulando, com sua omissão, as desigualdades sociais – estimulam o surgimento das organizações criminosas, as quais, nessas condições, têm poder de fogo para recrutar os nossos jovens que, descrentes de tudo, excluídos da sociedade de consumo, sem perspectiva de ascender socialmente, tendem a crer nos líderes criminosos; líderes que, diferentemente dos nossos homens públicos, costumam honrar os seus compromissos com a comunidade que “representam”. Em todas as sociedades, devo redizer, é sempre assim: quando o Estado oficial se omite, o Estado paralelo se fortalece. Fortalecido, com poder de fogo induvidoso, os líderes do Estado não-oficial externam a sua força, sem limites, sem parcimônia, corrompendo policiais, juizes, promotores, agentes penitenciários, ficando, definitivamente, as bases da impunidade, realimentadora, não se tem dúvidas, da criminalidade.

A seguir, a crônica.

Todos assistimos, aturdidos, o poder de fogo do crime organizado no Estado de São Paulo. Muitos estudiosos, diante desse quadro, procuram perscrutar as razões pelas quais essa situação se estabeleceu.
Com a experiência e a vivência que tenho, em face dos quase vinte anos de militância na área criminal, como magistrado e promotor de justiça, afirmo, sem vacilação, que essa situação decorre, fundamentalmente, da omissão e da falta de credibilidade dos nossos homens públicos e, de conseqüência, das nossas instituições.
A verdade, pura e simples, é que os nossos homens públicos nunca, em tempo algum, elegeram o combate à criminalidade como uma prioridade. As medidas, nessa área, releva gizar, sempre foram muito tímidas e tiveram, sempre, um viés puramente eleitoreiro.
Os nossos representantes no Congresso Nacional, por exemplo, sempre preocupados em jogar pra platéia, na frenética, incessante busca de dividendos eleitorais, fabricam leis, sem critério, vendendo-as para uma população entorpecida como uma panacéia. Foi assim com a famigerada lei dos crimes hediondos, para ficar apenas no exemplo mais flamante.
Enquanto fazem leis e mais leis, preconizando a exacerbação da resposta penal, multiplicando as hipóteses de encarceramento, esquecem os nossos homens públicos de enfrentar as algumas das causas da violência, dentre elas a multiplicação da pobreza, a ignominiosa e flagrante concentração de rendas, as extremadas desigualdades sociais, a sensação de impunidade, a descrença em nossas instituições, o excesso de liberalidade de muitos magistrados para com os criminosos recalcitrantes, a péssima situação carcerária, as torturas policiais, a pregação da esperteza por muitos homens públicos, o enriquecimento impune de muitos agentes do Estado, a sensação de que vale à pena alcançar o dinheiro público, o uso da coisa pública como se particular fosse, dentre outras razões.
Enquanto fazem novas leis, sob o conforto dos seu gabinete, com a preconização de penas mais severas, apresentando-as à sociedade como um remédio de amplo espectro, esquecem os nossos políticos de investir, decisivamente, em segurança pública, em novas unidades penitenciárias, no cidadão, no jovem, na criança, na educação, nos órgãos de segurança, no recrutamento e na capacitação dos agentes públicos. Enquanto editam mais e mais leis, vendendo-as como remédio para todos os males, esquecem de investir no treinamento de policiais e em inteligência. Enquanto o Estado oficial se esfacela, por pura falta de boa vontade dos nossos homens públicos, o Estado oficioso se fortalece e se organiza e ganha credibilidade junto às camadas mais carentes. Nesse contexto, um traficante tem mais credibilidade junto à sua comunidade que a maioria dos nossos políticos.
Omissos os nossos homens públicos, nessas e noutras questões, – tratando, por exemplo, os encarcerados como se fossem um excremento, humilhando-os, mantendo-os nas condições mais adversas e inumanas, fomentando e estimulando, com sua omissão, as desigualdades sociais – estimulam o surgimento das organizações criminosas, as quais, nessas condições, têm poder de fogo para recrutar os nossos jovens que, descrentes de tudo, excluídos da sociedade de consumo, sem perspectiva de ascender socialmente, tendem a crer nos líderes criminosos; líderes que, diferentemente dos nossos homens públicos, costumam honrar os seus compromissos com a comunidade que “representam”. Em todas as sociedades, devo redizer, é sempre assim: quando o Estado oficial se omite, o Estado paralelo se fortalece. Fortalecido, com poder de fogo induvidoso, os líderes do Estado não-oficial externam a sua força, sem limites, sem parcimônia, corrompendo policiais, juizes, promotores, agentes penitenciários, ficando, definitivamente, as bases da impunidade, realimentadora, não se tem dúvidas, da criminalidade.
Não vislumbro, no momento, solução para o problema que aflige os brasileiros do Estado de São Paulo. Sou até pessimista nessa questão. Acho que o que ocorre hoje em São Paulo, logo, logo, ocorrerá em outras unidades da Federação. È só questão tempo. Cá, como lá, os homens públicos também de encarregaram de destruir o Estado oficial, rendendo ensanchas ao surgimento do estado parelelo, com todos os seus consectários. Os homens públicos, a quem delegamos o poder para enfrentar essas questões, são os únicos responsáveis pelo caos que se verifica em São Paulo. È que esses homens públicos, no poder, só se preocupam com as próximas eleições, só defendem os seus próprios interesses ou das organizações que representam – salvo honrosas, raras, raríssimas exceções.
Num país em que um líder de uma organização criminosa tem mais credibilidade junto aos seus liderados que um deputado, um juiz, um prmotor de justiça ou um policial, é fácil entrever que a tendência é a exacerbação do quadro, já dramático, que se descortina sob nossos olhos.
Artigo publicado na edição do dia 03 de setembro de 2006, domingo, do Jornal Pequeno

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “A violência, o estado paralelo e a falta de credibilidade dos nossos homens públicos.”

  1. Olá Dr. José Luiz! Sou leitor assíduo do seu blog. Notei que há vários dias não há nova postagem. Está tudo bem com o sr.? Também li nos jornais que quem está na 7ª vara criminal é a Dra. Oriana Gomes, que, inclusive, foi minha professora na UFMA. O sr. foi transferido?

  2. Olá meu tio Dr. 🙂 Aqui é o Brunno de Teresina. Tudo bem por ae? Estamos no aguardo de um novo post, ou melhor, uma aula ética, de vida, de tudo. Abraços.

  3. Olá, sou estudante de Direito e, como você cita em seu artigo, por ser um assunto em pauta atualmente torna-se muito proveitoso. Entrentanto, não concordo que toda essa situação de violência que se configurou em nossa sociedade advém de todo um conjunto de fatores. Políticos corruptos, sempre os teremos..infelizmente. Mas, os fatores históricos, jurídicos entre outros também refletem diretamente no comportamento social.

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