FALEM MAL, MAS FALEM DE MIM

Há curiosidades para as quais não temos respostas. Não se entende, por exemplo, por que os kamikazes usavam capacetes e nem a razão pela qual, antes de se aplicar uma injeção letal, se usa álcool para limpar o local, nos casos de penas capitais.

Essas duas “curiosidades” – abstraído o sentido lúdico dos questionamentos -, tomadas ao acaso apenas para ilustrar, serviram de inspiração para que eu desenvolvesse esta crônica, em face de outra curiosidade – esta real -, que permeia as nossas relações e sobre a qual passo a refletir.

Pois bem. Não se há de negar que há, sim, pessoas para as quais a opinião dos outros não tem a menor relevância. Quando se trata, por exemplo, de um agente político, via de regra, ao serem acossados por uma acusação, em vez de ficarem agastados, tratam-na com desprezo e se defendem com o mesmo e manjado jargão, que serve de defesa para todas as acusações: “É tudo perseguição política”. Ou, então, tratando-se de uma fala descuidada: “Tiraram-na do contexto”.

Na vida dos simples mortais, entrementes, não é assim que a banda toca. Ninguém se defende de uma acusação grave apenas alegando ser perseguição de um desafeto, conquanto até pode sê-lo em determinadas situações.

Mas, ao lado dos mortais, para os quais qualquer imputação importa, há os que, narcísicos, são indiferentes a qualquer fala contra si. Esses, não raro, gostam de dizer que são imunes à opinião alheia, daí que, ao tomarem ciência de que alguém, em algum lugar, tenha falado sobre elas, mesmo que seja a imputação de um fato grave, se apressam em dizer, até com certo desdém e teatralmente, que “não estão nem aí” e que o que importa mesmo é que façam menção a elas, ou seja, falem bem ou mal, mas que falem delas, o que, desde a minha compreensão, é apenas uma frase de efeito, pois, rigorosamente, creio que ninguém gosta de ser malfalado, de ser mal-afamado, caluniado ou espezinhado sob qualquer perspectiva – a menos que se trate de uma personalidade doentia, para a qual os valores morais são indiferentes.

De minha parte, já tendo sido – raras vezes, é verdade – vítima de falas desairosas, digo, com ênfase, que não me apraz a máxima, convicto de que só mesmo um narcisista se compraz ou aceita, sem se incomodar, com uma fala irresponsável, apenas pelo prazer de ser comentado, de estar no centro das atenções, sobretudo quando se trata de uma fala irresponsável, sem uma base factual que lhe dê sustentação.

Para mim, não existe essa de ter que estar em evidência, de ser comentado apenas para ser lembrado. Eu, cá do meu canto, prefiro o esquecimento a estar na boca do povo, sendo alvo de comentários malévolos, apenas pelo desejo, injustificável, de ser lembrado.

Prefiro o ostracismo a ser objeto de falação de quem quer que seja, conquanto admita que, na condição de homem público, sobretudo nos dias atuais, com as redes sociais dando abrigo a todo tipo de gente que age sem limite e sem pudor, não ser malfalado é quase uma quimera.

Todavia, ainda que tenha ciência da minha exposição, das maledicências do mundo, do fato de que sempre decidimos a favor ou contra alguma pretensão, que o derrotado quase nunca se conforma e de que, nessa condição, pode, sim, com muita probabilidade, dizer o que lhe apraz e convém, cultivo em mim a expectativa de que respeitem a minha história, respeitem o meu compromisso com a coisa pública, minha preocupação permanente em fazer o que é certo, errando aqui e acertando acolá, mas nunca movido por outro sentimento que não seja o de fazer o correto.

Definitivamente, não creio que, verdadeiramente, uma pessoa possa achar normal que falem dela, bem ou mal, apenas para estar em evidência.

É isso.