Da Folha de São Paulo

Hélio Schwartsman

SÃO PAULO – A liminar do ministro Marco Aurélio Mello que esvaziou os poderes do CNJ para fiscalizar juízes representa um retrocesso, pois empurra para os tribunais, isto é, para pessoas perigosamente próximas aos investigados, a responsabilidade primária de processá-los.

E isso tende a ser um problema. Como mostra Daniel Kahneman em seu recém-lançado “Thinking, Fast and Slow”, nossas mentes operam sob dois registros independentes e complementares. Há o Sistema 1, intuitivo, baseado em sentidos e emoções e que é muito rápido. Não temos de raciocinar antes de recusar comida estragada ou fugir de um predador.

Já o Sistema 2 é analítico e se vale de ferramentas como probabilidades e lógica formal. Ele é abstrato e lento.

Idealmente, um processo judicial seria decidido apenas pelo Sistema 2, que avaliaria o peso das evidências e calcularia o veredicto. Na prática, o Sistema 2 é preguiçoso, dispersivo e ainda se deixa levar por erros às vezes infantis gerados pelo Sistema 1.

Um exemplo chocante da inabilidade humana para julgar vem de um estudo com juízes do comitê que decide os pedidos de liberdade condicional em Israel. Os casos são distribuídos por sorteio e a junta os analisa por cerca de seis minutos. O índice de rejeição é alto: só 35% das condicionais são concedidas.

O problema é que as concessões se concentram no período imediatamente posterior às refeições, quando os juízes estão descansados e bem alimentados. Nesses momentos, 65% dos pedidos são aprovados, contra zero nas horas de maior fome.

Muito do que tomamos como decisões pensadas está contaminado por vieses e caprichos do Sistema 1.

A questão aqui não é confiar ou não nos desembargadores, mas, sim, criar estruturas que sejam o menos vulneráveis possível a influências espúrias, como compadrio, corporativismo e até os níveis de glicemia do julgador. O problema, no fundo, é a arquitetura do cérebro humano.

helio@uol.com.br

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.